Philippe Poutou e Eric Toussaint, CADTM, 29 de junho de 2020
Como poderia funcionar um sistema bancário socializado: uma conversa entre Philippe Poutou (NPA) e Eric Toussaint (CADTM)
Eric Toussaint: Dez anos após a Comuna de Paris, Karl Marx escreve o famoso texto em que diz: «Querem saber o que é a ditadura do proletariado? É a Comuna de Paris», para mostrar que na sua mente a ditadura do proletariado é muito democrática, e não é uma ditadura.
E ao mesmo tempo, a enorme fraqueza dos “communards” é que não tocaram no Banco de França. Estava no território da Comuna de Paris, mas não mexeram nele. Se tivessem levado a grana que estava nos cofres do Banco de França, poderiam ter financiado a extensão da Comuna. Primeiro poderiam ter enfrentado a contrarrevolução de Versalhes. Poderiam ter financiado coisas no resto da França mas deixaram o dinheiro no Banco de França, enquanto as agências locais do Banco de França deram acesso ao Thiers para financiar o ataque à Comuna de Paris. Isto é completamente louco.
Devemos recordar que uma das primeiras medidas tomadas em Cuba foi nomear Che Guevara como presidente do Banco Central de Cuba.
E o último exemplo a dar, ao meu ver, é que os bolcheviques, logo após a tomada do poder em Outubro-Novembro de 1917, o primeiro decreto foi o decreto sobre as terras, sobre a distribuição de todas as terras em benefício dos camponeses; o segundo decreto sobre a paz; o terceiro decreto: expropriação dos bancos e anulação das dívidas dos camponeses com os bancos.
Assim, se a esquerda fizer o seu trabalho, e particularmente com os sindicatos, encontraremos aliados entre os trabalhadores dos bancos e, quando for a hora da expropriação e de a transferência para o setor público, poderia funcionar.
Philippe Poutou: Estou convencido que nós, quando discutimos bancos e expropriação de bancos, chocamos menos as pessoas em comparação com a expropriação de um capitalista ou de uma empresa. E depois, dá credibilidade a tudo o que dizemos: se temos um setor bancário sob controle público, sob o controle dos cidadãos, sabemos que o dinheiro está lá. E se falamos de um banco, um sistema bancário que serve a economia, que tenta satisfazer as necessidades das pessoas, não somente propaganda socialista em geral, mas simplesmente responder à comunidade camponesa, à comunidade dos comerciantes, aos artesãos e às suas dificuldades, às pequenas empresas, para mostrar que um sistema bancário pode estar disposto a prestar serviço, a ajudar, a fazer empréstimos a taxa zero ou empréstimos a taxa baixa. Isso faz sentido, e nós acrescentamos que a economia está se reconstruindo, e está se voltando para as pessoas, para a sociedade, e que temos um setor bancário que se torna útil para todos.
Eric Toussaint: Temos que explicar: se quiserem recuperar o controle das finanças no seu município, tem de quebrar o poder dos grandes bancos a nível nacional. E temos de expropriá-los porque localmente nunca se poderá, se isso não acontecer a nível nacional, lrecuperar o controle da agência do BNP Paribas, do Crédit Agricole, da Société Générale da esquina.
Philippe Poutou: No passado, tinhamos uma discussão sobre cooperativas, autogestão dos trabalhadores, pelo menos tinha uma discussão sobre a economia. Era concreto. Os revolucionários sabiam do que estavam falando, os problemas que queriam colocar. Essa era, então, a sua força , o pensamento de que poderiam ter a economia nas suas mãos a qualquer momento, e por isso eram obrigados a raciocinar concretamente. Estamos tão habituados a postergar a revolução, a vê-la tão longe, ou mesmo a não acreditar muito nela, que não nos perguntamos sobre todos estes problemas. O que você fala sobre os bancos é talvez seja a ligação. E hoje, a crise do coronavírus nos sacode um pouco, nos obriga a pensar na forma como discutimos isto, e é por isso que estou dizendo que a questão dos bancos, faz parte da resposta.
Eric Toussaint: Temos de colocar a questão do estado porque, digamos que está fazendo cultivo biológico numa cooperativa ao lado de uma central nuclear, não se pode impedir a central nuclear de funcionar e essa é uma decisão nacional de um governo popular que vai decidir fechar as centrais nucleares.
Philippe Poutou: Deste ponto de vista, a ferramenta importante é a auditoria, as auditorias que permitem saber como funcionou, de onde veio, mas também de quem é. E, desde que se tenha auditorias, isso permite formular respostas adaptadas.
Eric Toussaint: Esta é uma ideia que emerge recentemente. É nos últimos dez anos que esta questão da auditoria com participação dos cidadã(o)s começou a emergir e a convencer as pessoas. Porque pensávamos, e isto é bastante lógico na forma de pensar do século XX, pensávamos «controle operário». Havia uma proporção tão elevada de operários na sociedade que a ideia de controle da sociedade podia realmente ser alcançada através da noção de controle operário. Agora percebemos que quando se se fala de controle operário, isso é absolutamente fundamental numa fábrica onde há operários, mas quando se fala com o resto da sociedade, quantas pessoas podem concretamente visualizar o que é o controlo operário? Em primeiro lugar, se falar ao funcionário do banco «controle operário», ele diz, não é para mim, eu não sou um operário. E os cidadãos que têm empregos informais, os desempregados, os jovens e tudo isso, também não pensam em controlo operário. Por isso controle cidadão, que é obviamente um elemento chave.