Um estudo recente diz que uma em cada três mortes causadas pelo calor desde 1991 estão associadas às alterações climáticas. Mas é um cálculo feito por baixo. E o aquecimento global está a matar de outras formas.
Chloe Brimicombe e Hannah Cloke, Esquerda.net, 19 de junho de 2021
Desde 1991, 37% das vidas perdidas devido ao calor extremo a nível mundial podem ser atribuídas, em média, às alterações climáticas. Este número resulta de um novo estudo que recolheu dados de 732 locais em 43 países e calculou com que frequência as temperaturas locais excederam o ideal para a saúde humana.
Os investigadores simularam condições de calor com e sem emissões de modo a isolar o efeito do aquecimento induzido pelo homem nas mortes relacionadas com o calor. Descobriram que as alterações climáticas tiveram um efeito muito maior no número total de mortes por calor (mais de 50%) na América Central e do Sul, no Sudeste Asiático, e em países da Ásia meridional e ocidental como o Irão e o Kuwait.
Estas são estatísticas alarmantes, mesmo para investigadores que estudam os efeitos das alterações climáticas na saúde. A triste realidade, porém, é que quase de certeza que estão subestimadas.
A impressão digital do aquecimento global
Apesar de ter abrangido todos os continentes habitados, o estudo não incluiu grandes extensões da África e da Ásia, continentes que, desde 1991, têm tido o mais rápido crescimento populacional. Esta é, como o próprio estudo salienta, uma limitação significativa que reforça a necessidade de dados mais acessíveis nestas regiões.
Para além disso, os investigadores estimaram as taxas de mortalidade utilizando uma combinação de modelação e uma estatística chamada mortalidade bruta (o número total de mortes relativamente à dimensão da população durante um determinado período de tempo). Estudos anteriores utilizaram com sucesso esta forma de modelação da mortalidade, mas estas estimativas modeladas nunca são um reflexo perfeito da realidade.
É muito difícil identificar os efeitos do calor na causa de morte. As pessoas com doenças cardíacas ou pulmonares estão entre as mais vulneráveis ao calor, mas essas condições pré-existentes também tornam difícil separar a influência do calor da sua causa de morte.
Por esse motivo, muitos casos de morte relacionada com o calor não são registados dessa forma. Ao mesmo tempo, o que sabemos sugere que as ondas de calor extremo – particularmente quando coincidem com níveis elevados de poluição atmosférica – estão entre os fenómenos climáticos mais mortais.
Os negacionistas das alterações climáticas argumentam muitas vezes que a prevista diminuição do número de mortes causadas pelo tempo frio fará com que o aquecimento global, no cômputo geral, de facto salve vidas. Isto pode parecer lógico, mas está errado. A realidade é muito mais complicada.
Alterações climáticas e saúde
A nossa própria investigação revelou múltiplas formas pelas quais o calor afeta a saúde. As ondas de calor cada vez mais frequentes e intensas causadas pelas alterações climáticas são talvez o exemplo mais óbvio. Mas o calor extremo também pode dificultar o crescimento das crianças e aumentar a probabilidade de nado-mortos. Os efeitos das alterações climáticas na saúde abrangem muito mais do que apenas o calor, é claro. Por exemplo, as doenças transportadas por mosquitos estão a expandir-se por toda a planeta à medida que as temperaturas aumentam.
Outros perigos naturais causados pelas alterações climáticas colocam sérios desafios à saúde e ao bem-estar, embora possam não ser vistos como tal e raramente sejam abordados dessa forma. Por exemplo, muitas vezes as pessoas são evacuadas devido a uma inundação grave apenas para serem atormentadas pelo surto de doenças transmitidas pela água, como aconteceu na Somália com a cólera, em maio de 2021.
Precisamos de reequacionar a forma como pensamos sobre as alterações climáticas. Os seus efeitos não são tão longínquos e impessoais, como nos pode parecer, por exemplo, o derretimento dos glaciares. As alterações climáticas afetam as nossas vidas de formas das quais podemos não estar conscientes e os seus efeitos estão a aumentar mesmo nas áreas mais ricas e protegidas do mundo.
As alterações climáticas irão causar estragos nas cadeias de abastecimento de produtos, como por exemplo o chá, grande parte do qual vem do Quénia, onde se prevê que a produção irá diminuir. Milhões de pessoas dependem do arroz para a sua refeição diária, mas também é provável que a sua produção seja afetada pelas alterações climáticas.
Outras investigações recentes sugerem que o planeta tem uma probabilidade de 40% de atingir o limiar de aquecimento de 1,5°C nos próximos cinco anos. Cada novo aumento da temperatura média só agravará as consequências para a saúde humana.
Não há tempo a perder. O mundo tem de realizar urgentemente a redução das emissões. Por cada 0,1°C de aquecimento evitado são milhares as vidas que podem ser poupadas.
Chloe Brimicombe é aluna de doutoramento em Alterações Climáticas e Saúde, na Universidade de Reading e Hannah Cloke é professora de Hidrologia na Universidade de Reading. Texto originalmente publicado em The Conversation(link is external). Traduzido para o Esquerda.net por Paulo Antunes Ferreira.