CRIME E RISCO TEMERÁRIO
O escândalo da compra da Covaxin pelo governo federal, envolvendo a empresa Precisa Medicamentos, é até agora uma das chances mais concretas de a CPI da Pandemia comprovar um crime da gestão Bolsonaro. Desde ontem cedo – quando o Estadão revelou que o Ministério da Saúde pagou 1000% a mais pelo imunizante do que o preço originalmente informado pela farmacêutica Bharat Biotech –, outras notícias vieram.
A Folha e o Estadão falaram com o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde que depôs ao Ministério Público Federal (MPF) sobre a pressão que sofreu durante as negociações pela Covaxin. Segundo Miranda, o caso “é bem mais grave” do que a pressão: “Tem coisa mais grave, bem mais grave. Inclusive erros no contrato. Formas irregulares na apresentação do contrato. Datas de vencimento das vacinas incompatíveis com a importação, sem tempo de ser vacinada a população”, narrou. De acordo com ele, seu irmão chegou a ser exonerado após denunciar um esquema de corrupção no processo de compra, mas o então ministro Pazuello reverteu a situação.
O MPF identificouindícios de crime na aquisição das 20 milhões de doses do imunizante e, por isso, pediu que ela seja investigada na esfera criminal. Antes, o caso estava sendo apurado em um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. “A omissão de atitudes corretivas da execução do contrato, somada ao histórico de irregularidades que pesa sobre os sócios da empresa PRECISA e ao preço elevado pago pelas doses contratadas, em comparação com as demais, torna a situação carecedora de apuração aprofundada, sob duplo aspecto cível e criminal uma vez que, a princípio, não se justifica a temeridade do risco assumido pelo Ministério da Saúde com essa contratação, a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público”, escreveu a procuradora Luciana Loureiro, em despacho do dia 16. Ou seja, antes mesmo de o preço original da vacina vir à tona, o caso já cheirava mal.
O TCU diz que tanto a área técnica do Ministério como a Advocacia-Geral da União (AGU) questionaram a pasta sobre a aceitação, por parte do governo, de um valor tão caro sem qualquer negociação ou fundamentação sobre a razoalidade do preço praticado.
Já comentamos diversas vezes sobre a pressão do governo federal para apressar a compra da Covaxin. O Globo lembra que o líder do governo na Câmara Ricardo Barros (PP-PR) agiu muito diretamente para facilitar a importação. Na Medida Provisória que permitiu a compra e distribuição de imunizantes mesmo sem aprovação da Anvisa, desde que autorizados por um rol de países, ele fez uma emenda para incluir a Índia na lista. Na época, só o governo indiano havia autorizado o uso da vacina (para sermos justas, é preciso dizer que a senadora de oposição Jandira Feghali também apresentou emenda de mesmo teor à MP 1.026). Barros já é investigado por, quando ministro da Saúde do governo Temer, ter favorecido a Global Saúde –, sócia da Precisa Medicamentos. Ele criticou publicamente a Anvisa por demorar a aprovar a Covaxin e a Sputnik V.
E vale lembrar que não foi só o governo federal que se mobilizou pela aquisição da Covaxin. Esse imunizante sempre foi o grande objeto de interesse do setor privado.
QUAIS SERÃO OS RUMOS?
Apesar dos indícios apontados e das investigações em curso, ainda há que se confirmar o superfaturamento. Em nota, a Precisa garantiu que a Covaxin na Índia custa, atualmente, US$ 2 para o governo federal e US$ 16 para os hospitais privados na Índia.
Recentemente, a Bharat Biotech emitiu um comunicado à imprensa para tratar dos diferentes preços praticados no país – como já dissemos aqui, há um grande polêmica por lá devido a isso. O comunicado afirma que os US$ 2 cobrados ao governo indiano são “um preço não competitivo e claramente não sustentável no longo prazo. Portanto, um preço mais alto nos mercados privados é necessário para compensar parte dos custos”. Será que o valor cobrado de outros governos seria o mesmo do setor privado? O documento não diz. Mas, nesse caso, ainda seria preciso explicar por que o telegrama diplomático obtido pelo Estadão estimava o preço de cada dose em US$ 1,34.
De todo modo, nada justifica o governo Bolsonaro ter jogado contra as vacinas da Pfizer, da Janssen e da Sinovac enquanto se esmerava para fechar rapidamente a compra de um imunizante mais caro que os outros, sem registro na Anvisa e até mesmo sem os resultados finais do ensaio de fase 3 divulgados.
O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) disse que esta semana o colegiado vai “aprofundar” e ter “um olhar especial” sobre a negociação da Covaxin. O empresário Francisco Emerson Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, teve os sigilos telefônico, bancário e fiscal quebrados e deveria prestar depoimento hoje. Não vai mais: ele alega ter voltado recentemente da Índia e precisar cumprir quarentena obrigatória de 14 dias.