Doze anos após a crise financeira, sabemos que os bancos e as finanças foram responsáveis pela intensificação das mudanças climáticas e pela exacerbação da desigualdade, mas alguns relatórios dizem que o nosso futuro ainda está inexoravelmente nas mãos deles.
Tomaso Ferrando e Daniel Tischer, IHU-Unisinos, 31 de julho de 2020
Os bancos do setor privado no Reino Unido deveriam ter um papel central no financiamento da ação climática e no apoio a uma transição justa para uma economia de baixo carbono. Isso segundo um novo relatório do Instituto de Pesquisa Grantham da London School of Economics.
Enquadrado como uma oportunidade estratégica que as mudanças climáticas representam para os investidores, o relatório identifica quatro razões específicas pelas quais os bancos deveriam apoiar a transição justa. Ela reforçaria a confiança após a crise financeira; demonstraria liderança; reduziria a exposição deles a riscos climáticos materiais; e expandiria sua base de clientes, criando demanda por novos serviços e produtos.
O relatório não está sozinho na tentativa de colocar os bancos e as finanças no centro de uma transição verde e justa. Argumentos semelhantes são apresentados pelo Banco Mundial, pela União Europeia e por muitas forças-tarefa nacionais sobre o financiamento da transição, incluindo as do Reino Unido.
Em todos esses casos, os bancos e os mercados financeiros são apresentados como aliados essenciais na transição verde e justa. Ao mesmo tempo, a emergência climática é descrita como uma chance que as finanças não podem desperdiçar. Não por causa dos deveres legais que surgem das convenções internacionais e do marco nacional, mas sim porque o financiamento bancário da transição verde poderia ajudar a restabelecer a legitimidade pública, e inovar e garantir o fluxo de caixa futuro.
Doze anos após a crise financeira, podemos estar cientes de que os bancos e as finanças foram responsáveis pela intensificação das mudanças climáticas e pela exacerbação da desigualdade, mas tais relatórios dizem que o nosso futuro ainda está inexoravelmente nas mãos deles.
Não há nenhuma alternativa para as finanças climáticas?
Quatro décadas depois do infame lema da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher de que “não há nenhuma alternativa” ao domínio do mercado, a relação entre o capital financeiro e a transição verde e justa é apresentada como universal e inevitável.
No entanto, uma visão do futuro é uma construção política cuja força e conteúdo dependem de quem a está moldando, da profundidade das suas redes e da sua capacidade de transformar uma visão em realidade.
No caso das finanças climáticas, parece que um número muito limitado de pessoas e instituições tem ocupado estrategicamente espaços-chave no debate público e tem contribuído para a reprodução dessa visão monótona.
Em nossa pesquisa em andamento, estamos mapeando vários grupos envolvidos na formulação de políticas de finanças verdes: o Grupo de Peritos de Alto Nível em Finanças Sustentáveis da União Europeia e o seu Grupo de Peritos Técnicos em Finanças Sustentáveis, a Força-Tarefa de Finanças Verdes do Reino Unido, os participantes das Cúpulas sobre Finanças Verdes de 2018 e 2019 em Londres e os autores de publicações de fundo, como o relatório “Banking on a Just Transition” da London School of Economics.
Em todas essas redes, as posições-chave são ocupadas pelos atuais e antigos líderes da indústria privada. Tendo se saído bem no status quo, suas trajetórias e perfis denotam uma clara orientação em favor da desregulamentação e de um forte setor privado.
Frequentemente, as mesmas pessoas e organizações operam em redes e influenciam os debates regionais e nacionais. Outras são polos que ocupam um papel central na construção da rede e na predisposição dos espaços e das diretrizes para o diálogo e a formulação de políticas. É o caso, por exemplo, da Climate Bond Initiative, uma ONG internacional relativamente jovem, com sede em Londres, cuja única missão é “mobilizar o maior mercado de capitais de todos, o mercado de títulos de 100 trilhões de dólares, em busca de soluções para as mudanças climáticas”. Caracterizado por uma forte atitude financeira pró-setor privado, a Climate Bond Initiative propõe ações políticas infundidas pela inevitabilidade de alinhar os interesses do setor financeiro com os do planeta.
“Desbancar” a transição verde e justa
A Covid-19 enfatizou a fragilidade socioeconômica do capitalismo financeiro global e representa o choque que pode levar a uma aceleração dos processos políticos. Enquanto os gigantes corporativos estão declarando falência, e milhões de pessoas estão perdendo seus empregos, os governos da Europa e do Norte global continuam bombeando trilhões em resgates e no relançamento da economia em nome da recuperação verde.
O debate e o posicionamento político decidirão se esses fundos públicos serão gastos em resgates ou investimentos públicos, em incentivos fiscais para o 1% da população ou na prestação de serviços essenciais, ou se o foco será o crescimento verde ou a justiça climática.
Mas o financiamento privado já está capturando esse debate e pode se tornar um dos principais beneficiários. Obter uma transição verde e justa não depende apenas das vozes que são ouvidas, mas também das que são silenciadas.
As elites intelectuais e políticas do lado dos bancos estão dificultando uma discussão séria sobre as mudanças climáticas. ONGs e grupos de campanhas estão participando, mas somente se compartilharem as premissas e os objetivos do setor financeiro.
Isso bloqueia vozes mais transformadoras da sociedade civil e da academia, e estabelece uma falsa narrativa pública de ações acordadas, apesar das inúmeras vozes de fora desse clube. E também normaliza a prioridade das atividades do mercado financeiro, colocando o lucro acima das pessoas e do planeta.
A crise atual é uma oportunidade para repensar o que uma transição verde e justa implicaria. Devemos continuar questionando o papel das finanças, em vez de tomá-las como evidentes e garantir que a “transição verde e justa” se torne exatamente isto: verde e justa, mais do que outra fonte de lucro para os bancos e o 1%.
Tomaso Ferrando é professor pesquisador da Universidade de Antuérpia, na Bélgica e Daniel Tischer é professor colaborador na Universidade de Bristol, na Inglaterra. O artigo foi publicado em The Conversation e reproduzido por Business Insider, 30-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.