O novo livro de Ian Dunt, “Como Ser um Liberal”, é mais um esforço intelectual para revestir a história liberal com mitos reconfortantes – ocultando o seu papel de cumplicidade com o imperialismo, a escravatura e o fascismo.
Aaron Bastani, Esquerda.net, 16 de abril de 2021
“Tudo começa com o indivíduo”, conclui Ian Dunt em “How to Be a Liberal” [“Como Ser um Liberal”]. Em quase 450 páginas, o jornalista e ex-membro do podcast Remainiac (algo como “maníaco por permanecer” na União Europeia, contra o Brexit), apresenta uma obra em parte manifesto, parte história, tão ambiciosa quanto abrangente. A sua intenção é oferecer um grito de convocação para aqueles que foram radicalizados pelo Brexit e pelo trumpismo, mas que não chegam a considerar-se radicais. Às vezes, é como se o autor instintivamente soubesse que os seus leitores já concordam com ele – ele só precisa mostrar-lhes o porquê.
Os capítulos iniciais de Dunt oferecem uma história detalhada do liberalismo, conduzindo o seu leitor numa jornada que começa no século XVII com Descartes e passa pela Inglaterra do Partido dos Niveladores (ou “Levellers”), dos debates de Putney e de John Locke. Prossegue para a tentativa de dar sentido a três eventos ao longo de 100 anos que, segundo ele, teriam forjado o liberalismo como o conhecemos: a “Revolução Gloriosa” da Grã-Bretanha, a Guerra da Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa. Pensadores posteriores como Benjamin Constant, John Stuart Mill, Isaiah Berlin e George Orwell também são considerados. No entanto, embora Arthur Schlesinger Jr nunca seja mencionado, a sua principal contribuição – sobre a necessidade de um “centro vital” na política democrática – ressoa por toda a obra.
História por omissão
Para Dunt, o liberalismo surge como uma força política no interior dos elementos mais radicais da Guerra Civil Inglesa. Embora em última instância derrotados – tendo o protetorado cromwelliano sido tanto antidemocrático quanto de vida curta – Dunt vê particularmente os Niveladores como tendo prefigurado uma série de revoluções que viriam a “conquistar o mundo”. Aqui, um movimento político que desejava “virar o mundo de cabeça para baixo” é estabelecido como sendo ostensivamente liberal, tal como o poeta e panfletário John Milton, e presumivelmente os Escavadores (ou “Diggers”), o grupo comunista agrário radical cujo líder, Gerard Winstanley, disse que Deus tinha criado a Terra “para ser um tesouro comum”.
Totalmente ausente, no entanto, está qualquer consideração sobre como foi a tradição republicana que legou as mais poderosas ideias de liberdade durante este período, sendo o liberalismo retrospetivo de Dunt um termo incompreensível na Inglaterra do século XVII. No seu seminal “Liberty Before Liberalism” [“Liberdade Antes do Liberalismo”], o historiador Quentin Skinner argumenta que, pelo contrário, foi a teoria da liberdade “neo-romana” – em oposição a pensadores como Hobbes e defensores do absolutismo – que inspirou não apenas Milton, mas também James Harrington, Henry Neville e Algernon Sidney.
O crucial aqui não foi Descartes e o cogito ergo sum (“penso, logo existo”) – que Dunt toma como o seu ponto de partida, colocando o centro no indivíduo -, mas ideias republicanas da antiguidade que foram revividas pelo humanismo renascentista. Na verdade, nesses desenvolvimentos republicanos, a liberdade não começava com o indivíduo calculista, mas com a formulação de Cícero do primeiro século d.c., “res publica res populi” (“coisa pública, coisa do povo”). A crença que os animava era que o interesse público era o interesse do povo e que o governo de um Estado pertencia aos seus cidadãos. Foram esses sentimentos, metabolizados na Europa por mais de um século, que impulsionaram Milton e inspiraram as paixões igualitárias dos Debates de Putney.
Um ponto de partida útil sobre isto é o filósofo John Locke, venerado por Dunt como a pessoa que “apresentou a conceção moderna de liberdade”, mas que, nas palavras do historiador David Brion Davis, foi o “último grande filósofo a buscar uma justificação para a escravatura absoluta e perpétua”. Aqui podemos ver um padrão emergir pela primeira vez: enquanto o objetivo de Dunt é demonstrar a capacidade do liberalismo de proteção contra o autoritarismo, as evidências em contrário são ignoradas ou vistas como uma aberração, onde uma tradição política incipiente falhou em viver de acordo com suas próprias ideias. No entanto, é apenas reconhecendo tais problemas como uma característica, em vez de uma anomalia, que podemos compreender melhor como o fascismo emerge no interior das sociedades democráticas liberais.
Os panegíricos de Dunt ignoram a maior parte disso, com os Dois Tratados sobre o Governo de Locke sendo apresentados como inovadores precisamente por enquadrar a “liberdade, não a autoridade” como “o estado natural da humanidade”. Não obstante, Locke também possuía investimentos pessoais no comércio de escravos e ajudou a redigir as Constituições Fundamentais da Carolina, um documento que, sem desculpas, defendia abertamente a escravidão, declarando como é conhecido que “todo homem livre na Carolina deverá ter poder e autoridade absoluta sobre os seus escravos negros, não importa quais sejam a sua opinião ou religião”. Locke também defendia que seria apropriado executar um ladrão de carteiras e que as crianças pobres deveriam ser forçadas a trabalhar desde os três anos de idade.
Como é possível que tal pensador possa ser visto como o padrinho da tradição liberal – não apenas por Dunt, mas também por tantos outros? A resposta é que Locke – como muitos liberais que o seguiram – via a liberdade como algo que se aplicava exclusivamente a uma minoria privilegiada. Para Locke, era a propriedade, e o direito de possuí-la e dispor dela livremente, o que havia de mais importante. Por meio desse fundamentalismo, é possível compreender a contradição de alguém endossar ao mesmo tempo a liberdade e a escravatura.
Essa estranha conclusão não passou despercebida aos contemporâneos de Locke; Samuel Johnson observou como “ouvimos os mais altos gritos sobre liberdade daqueles que traficam negros”. Ao fazer campanha pela causa da independência norte-americana em 1765, o futuro presidente dos Estados Unidos, John Adams, escreveu sobre o governo de Londres: “Não seremos os vossos negros!” Liberdade significava a “liberdade” de escravizar o não-europeu; a luta de libertação da “América” nasceu de colonos brancos que se distinguiam daqueles que mereceriam opressão.
De facto, não é coincidência que entre dois momentos de suprema importância para Dunt – a “Revolução Gloriosa” de 1688 e a Guerra da Independência Americana, cerca de 90 anos depois – o comércio transatlântico de escravos tenha atingido o seu apogeu. Isso porque os primeiros Estados liberais emergentes – a Holanda e, mais tarde, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos – não eram marginais para a implementação da escravatura comercial mas os seus principais impulsionadores. Longe de estar sozinho na sua apologia da escravatura, Locke foi acompanhado por outro célebre antecessor do liberalismo, o teórico jurídico holandês Hugo Grotius, que argumentou que a escravatura de nativos norte-americanos e africanos era justificada.
Nem todos os seus contemporâneos concordavam com essas conclusões. Ironicamente, algumas das vozes mais proeminentes contra a escravatura também defendiam o princípio da monarquia. Elas incluíam Jean Bodin, o teórico jurídico francês que disse que enquanto “a Europa foi libertada da escravatura depois de cerca de 1250 […] vemo-la hoje recém restaurada”. Para Bodin, a escravatura não era um resíduo do passado, mas uma prática revigorada por novos géneros de política e economia: o liberalismo e o capitalismo.
Ainda assim, para Dunt, o que fazia dos Estados Unidos uma república liberal era a sua constituição – cuja quinta emenda oferecia a “formulação lockeana” de que “ninguém deve ser privado da vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal”. Mas essas nobres palavras mascaravam uma realidade muito diferente. Dos primeiros 16 presidentes daquela nação, 12 eram proprietários de escravos. Dar material de escrita para escravos negros na Geórgia era um crime, e se uma mulher branca tivesse um filho com um homem mestiço ou negro, mesmo que fossem livres, ela teria de enfrentar cinco anos de servidão (a criança enfrentaria 30 anos).
Assim, embora os EUA tivessem de facto um caráter “lockeano”, isso significava que era mais uma democracia de uma raça dominante do que uma experiência sobre direitos universais. Para entender isto, basta ler a Lei de Naturalização de 1790, que permitia apenas aos brancos tornarem-se cidadãos norte-americanos. A triste verdade é que a Guerra da Independência Americana foi menos uma revolução do que uma rebelião de proprietários de escravos que queriam se auto-governar. Como escreveu o historiador Domenico Losurdo, a igualdade que os proprietários exigiam do soberano, que agora só poderia esperar ser “o primeiro entre iguais”, andava de mãos dadas com “a reificação dos servos, que tendiam a ser comparados a outros objetos de propriedade. É por isso que o liberalismo e a escravatura racial comercial surgiram juntos num parto de gémeos.”
De Constant a Mill e Keynes
Não é Locke, porém, que Dunt identifica como o “primeiro liberal verdadeiramente moderno em todo o mundo”. Esse elogio pertence, em vez disso, a Benjamin Constant que, de acordo com Dunt, esboçou “um projeto para o liberalismo moderno a partir das ruínas do Terror” da Revolução Francesa. Este é o mesmo Constant que argumentou contra a escolaridade obrigatória para crianças por violar os direitos dos “pais sobre os filhos” e que discordava da expansão do direito ao voto.
Como o autor também observa, foi somente a partir de John Stuart Mill que o liberalismo no seu sentido moderno tomou forma. Entre outras coisas, isso é evidente na oposição de Mill às “Casas de Trabalho” (ou “Workhouses”, para onde os pobres sem teto eram enviados e forçados a trabalhar). Para os seus contemporâneos liberais, como Alexis De Tocqueville, era evidente que as “casas de trabalho” deveriam assemelhar-se a uma “prisão”, para tornar “repugnante a nossa caridade”; o francês também condenava qualquer jornada de trabalho menor que 12 horas e via os controles sobre as rendas como despotismo. Enquanto isso, Jeremy Bentham, um amigo próximo do pai de Mill, não apenas projetou o sistema perfeito de vigilância – o seu infame “panóptico” – mas também acreditava que os pobres deveriam ser forçados a usar uniformes. Nem Tocqueville, nem Constant e nem Bentham apoiavam o movimento operário no seu estágio embrionário ou o sufrágio universal.
Isso revela algo extremamente importante. A política autoritária contra a qual Ian Dunt argumenta tão veementemente, na verdade, bebe substancialmente da própria tradição política com a qual ele se identifica.
Até mesmo Mill acreditava que os princípios liberais deveriam ser aplicados apenas aos europeus, removendo assim seu conteúdo universal. Quanto ao resto do mundo, concluiu ele, aí o despotismo seria aceitável, desde que criasse condições para a liberdade no futuro – uma perspetiva que prefigurava a de Kipling e do “fardo do homem branco”. Esse pensamento foi frequentemente o padrão do liberalismo do século XIX. Como o próprio Tocqueville escreveria, “a raça europeia recebeu dos céus, ou adquiriu por seus próprios esforços, uma superioridade incontestável sobre as outras raças”. Noutro lugar, colocaria a questão: “será que os índios têm alguma ideia de que mais cedo ou mais tarde, a raça deles será destruída pela nossa?”
Essa retórica tornava-se cada vez mais comum à medida que novas ideias de evolução e de ciência racial se apoderavam da Europa. O melhor exemplo disso pode ser encontrado na obra do teórico liberal Herbert Spencer. Em Estática Social, escreveu como “as forças que estão a elaborar o grande esquema da felicidade perfeita, sem levar em conta o sofrimento incidental, exterminam as secções da humanidade que estão no seu caminho […] Seja ele humano ou bruto – o obstáculo deve ser eliminado”. Talvez não cause surpresa que o pensador anarco-capitalista Murray Rothbard tenha chamado Estática Social de “a maior obra individual de filosofia política libertária já escrita”.
Por todo o século XVIII e XIX, figuras como Diderot, Condorcet e Ernest Jones apresentaram argumentos contra a escravatura, o império e o extermínio dos povos indígenas. No entanto, esses não eram liberais: os dois primeiros eram radicais do Iluminismo e Jones era um cartista. É aqui que Dunt ignora algo importante ao recusar-se a examinar como ambas as tradições – radicalismo e conservadorismo – moldaram o liberalismo moderno e foram moldadas por ele. Isso só enfraquece Como Ser um Liberal.
Não obstante, dado o objetivo central do livro, a omissão mais flagrante é a ausência de qualquer discussão sobre a incapacidade do liberalismo de resistir ao fascismo na Itália ou na Alemanha durante o século XX. Nunca é mencionado que a tomada do poder por Benito Mussolini em 1922 foi saudada por importantes figuras liberais, com o influente economista Luigi Einaudi endossando aquilo que para ele representava o retorno do “liberalismo clássico”, enquanto o filósofo Benedetto Croce dizia que o “liberalismo puro” do fascismo era preferível ao anterior liberalismo democrático. Convenientemente, é esquecido que nas eleições que ocorreram apenas um ano antes da Marcha Sobre Roma, os fascistas de Mussolini concorreram dentro de um bloco anti-socialista liderado pelo estadista liberal Giovanni Giolitti.
As coisas não foram muito diferentes na Alemanha. Enquanto o Partido do Centro votou a favor de dar a Hitler o poder com a Lei de Capacitação de 1933, 94 dos 120 deputados do Partido Social-Democrata no Reichstag votaram contra – porque 26 de seus deputados já tinham sido presos e todos os 81 representantes comunistas estavam presos ou escondidos após o proibição da sua organização.Isso não quer dizer que o liberalismo seja equivalente ao fascismo. Em vez disso, mostra que não há evidências reais – como Dunt afirma repetidamente – de que o liberalismo seja o meio mais eficaz de combatê-lo. Tal falha é resultado dos seus compromissos políticos básicos, de Locke em diante, para privilegiar os direitos de propriedade acima de todo o resto. Quando entendemos como Mussolini trabalhou com estadistas liberais contra uma classe trabalhadora poderosa, a sua ascensão torna-se muito mais fácil de se compreender.
Socialismo e liberalismo
Apesar de tudo isso, inevitavelmente Dunt invoca a Alemanha nazi e a União Soviética como contrapontos igualmente depravados à modernidade liberal, mobilizando a teoria da “ferradura” na ideologia. No entanto, embora ele mencione as primeiras leis que proibiam relações sexuais entre judeus e não-judeus, ele falha em mencionar que “leis anti-miscigenação” semelhantes, com relação a não-brancos, existiam nos Estados Unidos até a década de 1960 – sem nada análogo a tal legislação na União Soviética. Nem houve por lá um análogo ao Ku Klux Klan, cujo surgimento no início do século XX pode se dizer que prefigurou o dos camisas-negras nazis.
Na verdade, no que diz respeito à raça, os Estados Unidos e a Alemanha nazi compartilhavam elementos em comum, com ambos recorrendo extensivamente a um reservatório de sentimentos de supremacia racial no pensamento do século XIX. Essa é uma área que Dunt contorna porque, podemos suspeitar, isso deixaria a sua hipótese central consideravelmente mais bamba. A hipocrisia de tal pensamento estende-se além da América do Norte, porque enquanto dezenas de estados dos EUA possuíam as legislações racistas de “Jim Crow”, uma Grã-Bretanha supostamente liberal possuía um império global e aterrorizava milhões de pessoas com a sua mão de ferro. Seria essa apenas uma outra aberração, como a escravatura? A pergunta nem chega mesmo a ser feita.
Quando o Império Britânico entrou em guerra contra os nazis, as suas forças incluíam o Exército Indiano – a maior força voluntária da História. Ainda assim, eles lutaram enquanto a liderança política eleita pelo país – o Partido do Congresso – estava presa. A Índia nunca entrou na guerra como uma potência soberana, mas como súbdita, e em 1943 sofreu com aumento da fome que matou milhões. Claro que o inimigo era mau, mas isso não torna tais ações nem um pouco menos iliberais e desumanas. O mesmo se aplica à guerra da Grã-Bretanha na Malásia e ao seu uso de campos de concentração não apenas por lá, mas também no Quénia, já na década de 1950. Este é apenas um punhado de exemplos de autoritarismo realmente existente, mas existem dezenas de outros.
Na verdade, Dunt vê os eventos da Segunda Guerra Mundial como se estivessem completamente removidos da história precedente de imperialismo, alegando que o Holocausto teria sido um “fracasso liberal”. No entanto, a Alemanha envolveu-se no extermínio do povo Herero na África 30 anos antes, e o próprio conceito de lebensraum (espaço vital) remonta a 1897. E o que dizer de crimes semelhantes contra os povos indígenas da Austrália e das Américas, ou do uso de gás venenoso contra os líbios pela Itália em 1912 – realizado não sob a liderança de Mussolini, mas do ícone liberal do país, Giolitti? Qualquer exame do registo histórico dá-nos uma conclusão simples que é ignorada ao longo deste livro: o liberalismo europeu possui um lado sombrio e ele está longe de ser o oposto do fascismo.
Um projeto num beco sem saída
Dada a sua falha em compreender a História, não deveria ser uma surpresa que Como Ser um Liberal não tenha nenhuma proposta sobre como lidar com os grandes desafios que devem definir este século. Ao invés de questões como mudanças climáticas, desigualdade, crise de habitação e envelhecimento da população, o livro dá lugar a divagações sobre o surgimento da pós-verdade, o misterioso Vladimir Putin e o papel de Nigel Farage (o ex-líder do partido de extrema direita UKIP) na introdução do nacionalismo na política britânica.
Dunt não deve receber toda a culpa por isso. O centro político de hoje carece de soluções realistas para os problemas da nossa época. Isso, e nada mais, deveria ser a medida de qualquer visão de mundo: o resto é tratar a política como um hobby. Já não é a esquerda que encontra conforto em viver numa abstração ideológica, mas o centro. A este respeito, o extenso panorama apresentado por Dunt – embora interessante em muitos aspetos – é um sintoma mórbido de um status quo em desintegração.
Apesar de estar a receber uma ampla audiência, Como Ser um Liberal demonstra uma compreensão limitada do liberalismo, falhando em compreender como a tradição moldou e foi moldada pelo conservadorismo e pelo socialismo. Ao editar o Rheinische Zeitung, o jovem Karl Marx afirmou que aquele jornal defendia o “verdadeiro liberalismo”, em oposição ao “pretenso liberalismo” da oposição no jornal German Diet. Esse contexto mais amplo da tradição política – também visível no pensamento de Mill e Keynes até certo ponto – permanece inexplorado no livro.
Nunca é examinado porque muitas das conquistas que Dunt admira só desfrutaram de urgência política quando adotadas pelo movimento dos trabalhadores, seja na campanha pela jornada das oito horas de trabalho ou na campanha por um sistema de saúde universal. Para faróis elogiados ao longo do livro, como Constant e Locke, tais reformas teriam sido indesejáveis, soando as suas visões políticas mais congruentes com a extrema-direita da atualidade que busca defender a propriedade e o lucro privado acima de todo o resto.
A hagiografia tem os seus limites. Os socialistas deveriam falar – e frequentemente falam – abertamente sobre os erros históricos da nossa tradição. Talvez os liberais devessem tentar fazer isso também – afinal de contas, só estamos à espera há 150 anos.
Aaron Bastani é escritor, apresentador e co-fundador da Novara Media. É o autor de Comunismo de Luxo Totalmente Automatizado (Autonomia Literária, 2021). Texto publicado na Jacobin Brasil. Tradução de Everton Lourenço.