Sandrine Cabut entrevista Michel Lejoyeux, Le Monde, 26 de novembro de 2020.
O que mais o impressiona nessa epidemia?
A epidemia é, acima de tudo, uma crise infecciosa e médica, mas que foi imediatamente colocada sob o selo da emoção, levantando a questão de como se adaptar e resistir psicologicamente a esta situação sem precedentes. No hospital, a psiquiatria apareceu como um elemento essencial do sistema para apoiar as equipes, o que fazíamos na Assistência Pública, graças a uma linha direta, mas de forma mais ampla para participar de uma reflexão sobre a resistência emocional. Isso me parece bastante novo. Durante as epidemias de gripe, provavelmente nunca houve qualquer questionamento sobre essas questões. Até agora, os métodos de proteção da mente pareciam abordagens de conforto; hoje, eles se tornaram uma necessidade.
Essa nova doença é uma fonte de psicotraumas, como uma catástrofe natural ou um atentado?
Verdadeiros transtornos de estresse pós-traumático, caracterizados por um estado de alerta permanente, pesadelos recorrentes e esquivamento de situações semelhantes a traumas, de fato foram descritos nesta pandemia. Houve casos, por exemplo, em cuidadores que enfrentaram uma situação particularmente dolorosa e em “pacientes com Covid”, especialmente após longas semanas de reanimação. Os riscos também aumentam em pessoas enlutadas de forma brutal ou traumática e que não puderam comparecer aos últimos momentos ou ao funeral de seus entes queridos.
Mas, para a maioria das pessoas, essa crise e a quarentena levaram principalmente a situações de estresse agudo e, para alguns, crônico. Devemos distinguir duas populações. Todos aqueles que até então estavam indo bem psicológica, social e emocionalmente... podem mobilizar capacidades de resiliência. Aqui, estamos mais no campo da saúde e da prevenção do que do tratamento. A situação é muito diferente para quem já teve problemas psicológicos ou psiquiátricos e que a crise fragilizou ainda mais. Estes devem ser identificados e acompanhados por profissionais.
Eu constato dois fenômenos específicos: primeiro, uma taxa elevada de depressão pós-infecciosa em pacientes com Covid-19. E, além disso, um aumento de comportamentos aditivos, com raciocínios do tipo “estamos em quarentena, portanto devemos beber”. O álcool é usado aqui como um medicamento ansiolítico, mas existem outras maneiras de lidar com as emoções negativas.
Você convida para se apoiar sobre o passado para gerir melhor as situações estressantes.
Diante de situações angustiantes como a que estamos vivenciando com o vírus, algumas pessoas tentam esquecer ficando caladas, enquanto outras, ao contrário, continuam falando sobre isso. Estas duas atitudes não são patológicas em si mesmas; o importante é estar relativamente em paz com o seu passado para abordar o presente e o futuro.
Para ajudar a digerir antigas tensões e enfrentar as que virão, ofereço técnicas de terapia comportamental e cognitiva, que foram validadas em estados de estresse pós-traumático e que adaptei para que possam ser usadas por cada um de nós, de forma simples, para fins de prevenção. É o caso da escrita expressiva, cujo princípio é anotar cada dia, durante cerca de quinze minutos, as memórias e as emoções associadas. Fazer este exercício durante vários dias consecutivos permite que você se distancie gradualmente de eventos difíceis do passado.
Escrever não é natural para todos. Como facilitar o processo?
Em primeiro lugar, é necessário criar um espaço real de tranquilidade para este encontro consigo mesmo, definindo as condições que nos são mais favoráveis em termos de hora do dia, cenário… Para facilitar a escrita, eu aconselho a usar palavras “gatilho”, que são fonte de inspiração.
No mesmo espírito da escrita expressiva, a cada dia você pode selecionar três memórias “quentes”, ou seja, associadas a uma emoção – seja ela positiva ou negativa –; e confrontar três memórias “frias”, que correspondem a momentos que passamos com uma espécie de neutralidade emocional. O exercício para identificar esses diferentes tipos de memórias ajuda a tolerar melhor as emoções desagradáveis.
Você também elogia a nostalgia, que seria um fator de proteção contra o estresse...
Estudos psicológicos recentes realizados na França mostraram que as pessoas nostálgicas, ou seja, que sentem um pouco de remorso pelo tempo passado, estão em algumas das situações mais resilientes. Reconectar-se a uma parte antiga de si mesmo ajuda a se proteger psicologicamente quando você está passando por um período difícil. Portanto, esta é uma dimensão comportamental que pode ser cultivada. Em todo caso, encoraja-nos a ser vigilantes e a guardar os vestígios do seu passado. Esta crise provavelmente não é uma boa hora para fazer uma grande limpeza e se livrar de coisas velhas.
A pandemia nos obriga a lidar com grandes incertezas em relação ao futuro. Como desenvolver essa capacidade?
Em uma situação normal, as pessoas que estão constantemente em busca de novidades, de aventura, de sensações ficam mais em desvantagem, porque muitas vezes são instáveis emocional e profissionalmente... No plano neurobiológico, isso está relacionado a um alto índice de dopamina em certas áreas do cérebro, no nível do circuito da recompensa.
Como adictologista, há muito tempo aconselho meus pacientes a controlar mais os riscos e, obviamente, não vou encorajá-los a se intoxicar. Mas, paradoxalmente, parece que algumas pessoas em busca de sensações são menos vulneráveis em tempos de crise. Quando temos desejo de aventura, o que a atualidade nos impõe com incertezas parece menos insuportável. Podemos, portanto, embora permanecendo razoáveis, multiplicar pequenas experiências de novidade. Experimentar, por exemplo, algo que se diz como “não é o meu estilo”, no campo da alimentação, da leitura, da música... Internalizar a novidade permite que ela se torne menos ameaçadora.
Da mesma forma, para acostumar-se com a incerteza e tornar-se mais resiliente, podemos proceder a algum tipo de dessensibilização, fazendo experiências benignas de incerteza. Na prática, isso consiste em se colocar em situações sobre as quais temos um pouco menos de controle, como concordar em delegar uma tarefa, etc.
Você mencionou três fatores principais para fazer o bem em tempos de crise. Qual é este kit de sobrevivência?
Trata-se de ideias e atividades simples que foram identificadas por pesquisadores do King’s College de Londres ao revisar a literatura sobre o impacto psicológico das quarentenas. O primeiro fator de proteção é a diversão e o combate ao tédio: qualquer coisa que nos distraia contribui para a resiliência. O segundo tem a ver com a informação: é o equilíbrio certo entre recusar-se a saber – que no caso de uma doença infecciosa como a Covid pode ser perigoso – e o consumo constante de informações, que provoca muita ansiedade. Finalmente, o terceiro elemento do kit de sobrevivência é o altruísmo: ao cuidar dos outros, também cuidamos de nós mesmos.
Michel Lejoyeux é chefe do Departamento de Psiquiatria e Adictologia do Hospital Bichat (AP-HP & GHU Paris psychiatrie & neurosciences). Ele é o autor de Les Quatre Temps de la Renaissance (Os quatro tempos do renascimento, JC Lattès). Reproduzido de IHU-Unisinos. Tradução de André Langer.
Covid-19 e a vaga de doença mental
Se se ficar apenas pelas renovadas juras de prioridade sem nunca se concretizar nada, o futuro próximo será muito difícil. Teremos uma vaga de doença mental sem recursos para a enfrentar.
Moisés Ferreira, Esquerda.net, 29 de novembro de 2020
A Covid-19 tem e terá enormes impactos na saúde. Para além das vagas relacionadas com a incidência da doença e com o número de infetados pelo SARS-CoV-2, há que contar ainda com os impactos resultantes da suspensão de atividade programada e com o enorme impacto que esta doença (e suas consequências) tem e terá na saúde mental. Esta será uma vaga com alta incidência, que persistirá no tempo e para a qual é preciso ter respostas no imediato.
De facto, são várias as crises provocadas pela Covid – crise de saúde, crise económica e crise social – e elas todas têm reflexo no sujeito psicológico.
A constatação da vulnerabilidade do nosso edifício biológico perante o agente microscópico, da probabilidade da doença ou da certeza da finitude, nossa ou de pessoas significativa, a confrontação diária com os números da doença e com a sua expressão em vítimas mortais. Tudo isto tem impacto na saúde mental.
A incerteza sobre o presente e o futuro, sobre quando acabará a pandemia, mas não só, sobre o emprego, o rendimento, a capacidade de sobrevivência num mundo que estagnou e numa economia que entrou em recessão; lança-se a incerteza sobre a capacidade de manter a habitação ou cumprir com as despesas fixas, sobre a possibilidade de manter um mínimo de qualidade de vida… Incerteza absoluta que só pode ter impacto na saúde mental.
O que quer o Bloco para a Saúde? Moisés Ferreira explica
As alterações dramáticas nos nossos ritos sociais, no nosso ser social – são os contatos que deixaram de se realizar, os mais velhos que foram isolados e a quem se lhes retirou parte da vida, os confinamentos que rompem com os laços sociais, a impressão que no outro reside um perigo porque o vírus se transmite por contato entre humanos – têm de ter impactos psicológicos, principalmente num animal tão social como nós.
Tudo isto está já a ter as suas consequências em nove meses de pandemia:
Investigadores da Universidade de Oxford concluíram recentemente, depois de analisar cerca de 6200 casos de Covid-positivos, que 20% destes doentes sofreram, até três meses depois do diagnóstico, episódios de depressão, ansiedade e insónias.
A Escola Nacional de Saúde Pública, que tem acompanhado as perceções da população em relação à pandemia no seu barómetro sobre a Covid, mostra-nos que desde o final de outubro mais de 20% dos inquiridos referem ter-se sentido “agitado, ansioso, em baixo ou triste devido às medidas de distanciamento físico” todos os dias ou quase todos os dias. Esta percentagem eleva-se acima dos 80% quando incluímos os inquiridos que referem ter-se sentido assim em alguns dias. É uma percentagem enormíssima e que, sem grandes dúvidas, pode resultar em maior incidência de perturbações, por exemplo, de ansiedade e de humor.
Estudada está também a relação entre a crise económica, o desemprego, a perda de rendimentos e saúde mental. Conforme descrito no relatório Crise Económica, Pobreza e Desigualdades – Relatório sobre Impacto Socioeconómico e Saúde Mental publicado pela Ordem dos Psicólogos no ano de 2020, “o desemprego tem um impacto negativo inequívoco no bem-estar subjetivo. Por exemplo, o aumento de 1% na taxa de crescimento do desemprego de longo prazo, eleva 7% a sensação de agravamento da vida”. Mais: “um em cada três desempregados a receber subsídio sofre de um problema de Saúde Psicológica/ Mental. Há ainda uma forte associação positiva entre o desemprego e o aumento da mortalidade, pior Saúde Física, mais queixas somáticas, maior prevalência de doenças incapacitantes, maior afluência a consultas de saúde e consumo de medicamentos, assim como mais internamentos hospitalares. Existem ainda evidências robustas que demonstram a relação entre o desemprego de longa duração e níveis de doença mental e suicídio mais elevados. Alguns autores constataram que o aumento da taxa de desemprego implica um aumento na taxa de suicídios e homicídios”.
Isto foi, aliás, constatado e descrito na última crise económica, há poucos anos. A verdade é que a crise que temos hoje em mãos ameaça ser maior e, por isso mesmo, ter também mais impactos.
Problema agravado: o débil ponto de partida no que toca a serviços de saúde mental em Portugal
Portugal é um dos países da União Europeia com maior prevalência de perturbações psiquiátricas. Os dados sobre a prevalência de perturbações psiquiátricas, de acordo o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, mostram que mais de um quinto das pessoas entrevistadas (22.9 % da amostra) apresentou uma perturbação psiquiátrica nos 12 meses anteriores ao estudo.
Estes dados colocam Portugal com uma das mais elevadas prevalências de doenças psiquiátricas na Europa, apresentando dos valores mais altos nas perturbações da ansiedade, com 16,5%, e nas perturbações depressivas com 7,9%.
Esta alta prevalência combinada com uma baixa resposta pública na área da saúde mental resulta numa elevada carga de doença e num elevado consumo de psicofármacos. Como lembrou o Observatório Português dos Sistemas de Saúde no Relatório de Primavera de 2019, Portugal era, em 2017, o país da OCDE com mais vendas de ansiolíticos em ambulatório (correspondente a 2% de todos os fármacos vendidos em território nacional), o terceiro país com mais venda de antidepressores (com um volume de vendas em ambulatório de 3,8%) e o sétimo país da OCDE com maior consumo de hipnóticos e sedativos. Esta realidade, ainda segundo o mesmo Relatório, é particularmente impressiva junto dos indivíduos mais velhos, com 139 idosos em cada 1000 a tomar benzodiazepinas.
Estes dados sobre a realidade portuguesa revelam, por um lado, uma alta incidência de doença mental (já existente no período pré-pandemia), por outro lado, uma resposta de primeira linha muito débil, com poucos psicólogos nos centros de saúde, parco acesso a cuidados de saúde mental por parte da população e uma resposta do SNS reservada para situações urgentes e casos mais pesados, o que faz com que o recurso seja a medicamentação.
Este ponto de partida é frágil e mais frágil se tornará perante as consequências da pandemia na saúde mental.
Dever-se-ia estar a reforçar de forma significativa as respostas do SNS na área da saúde mental, mas tal não está a acontecer. A concretização do Plano Nacional de Saúde Mental prevista no Orçamento do Estado para 2020 ficou por fazer, apesar de representar apenas 0,2% do orçamento do SNS. O pouco que foi feito (a criação de 5 equipas comunitárias de saúde mental) é, na verdade, metade de uma medida que estava prevista no Orçamento para 2019.
Também aqui é precisa uma dupla estratégia: achatar a curva intervindo nos determinantes sociais e económicos (prevenindo a pobreza, protegendo o emprego, cultivando a inserção social, etc.) e ter uma resposta pronta e preparada para os que adoecendo precisam de cuidados de saúde. São precisos profissionais de saúde mental em todos os centros de saúde, implementando programas de prevenção e tratamento de ansiedade e depressão; é preciso generalizar as equipas comunitárias de saúde mental; é preciso ter programas e reabilitação psicossocial e, de uma vez por todas, aplicar dinheiro na melhoria da saúde mental.
Se se ficar apenas pelas renovadas juras de prioridade sem nunca se concretizar nada, o futuro próximo será muito difícil. Teremos uma vaga de doença mental sem recursos para a enfrentar.
Moisés Ferreira é dirigente e deputado do Bloco de Esquerda, membro da Comissão de Saúde da Assembleia da República. Psicólogo
É de prever que os impactos da pandemia na saúde mental cresçam nos próximos meses, sobretudo com o aumento do desemprego e da crise económica.
Ana Paula Freitas, Esquerda.net, 29 de novembro de 2020
Os medos cumprem uma função instintiva de manter o ser humano vivo. Se não tivéssemos essa qualidade estaríamos constantemente a colocar a nossa vida em risco. É um instinto básico de proteção. O medo é certamente tão antigo quanto a vida. Ele está profundamente enraizado nos seres vivos que sobreviveram à extinção e evoluíram ao longo de milhões de anos. Por isso as suas raízes são profundas no âmago do nosso ser psicológico, biológico e social. É um dos nossos sentimentos mais íntimos e mais mobilizadores. O medo impele à ação e procura um objeto de representação, um “monstro” para ser combatido, abatido ou, em última instância, mobilizar-nos para a fuga. O medo é a força propulsora do desenvolvimento humano, mesmo quando essa força significa violência e guerra. Ele promove uma leitura rápida sobre o mundo. Essa capacidade de leitura varia de individuo para individuo, de cultura para cultura, de época para época. Os medos de hoje não são os de ontem! Eles dependem e em larga medida do conhecimento ou da ignorância de cada um e determinam as estratégias de superação ou confronto. Por isso o medo é também a força que condiciona a liberdade e um meio de domínio e de subjugação.
Aprendemos o medo com a família e com os amigos – eles são os nossos “companheiros de tribo”. Como os outros animais, nós humanos aprendemos a ter medo por meio das nossas experiências de vida. Mas também aprendemos por meio da observação, testemunhando acontecimentos ocorridos com os “nossos”. E aprendemos com instruções, como o ensino e a educação formal. É deste modo que perpetuamos os modos de pensar, agir e de sentir próprios de uma cultura, de uma tribo ou de uma família. São estas características que nos permitem falar de “nós” e dos “outros” – os diferentes. Estabelecemos comparações com base nesse referencial. Elas permitem-nos avaliar rapidamente o nosso espaço de segurança.
O medo torna-se ilógico e muitas vezes “estúpido” quando, mais do que proteger, ele impõe privação e limita a participação e a qualidade de vida. Se a lógica é lenta e implica raciocínio, o medo é rápido e funciona por impulso. Em situações de perigo, temos que ser rápidos. Primeiro fugimos ou lutamos, depois pensamos… no que ainda houver para pensar! Por isso o medo pode tornar-nos violentos e incapazes de raciocinar com coerência. Ou, pelo contrário, tornar-nos incapazes de reagir ou de nos mobilizar para uma ação assertiva.
O medo do contágio do COVID19 traz agregado uma forte ansiedade que invade todo o espaço mental. A ansiedade é talvez a emoção que mais frequentemente é reportada como fator de sofrimento profundo neste período de pandemia.
Fatores individuais de stress
A situação atual é uma fonte de stresse para a população em geral, mas torna-se particularmente difícil para aqueles que viviam já em situações limites, com doenças mentais ou comportamentos aditivos; para os cuidadores informais com idosos a seu cargo; para os que têm empregos precários e/ou empregadores inflexíveis; quando existe uma sobrecarga de trabalho (doméstico ou profissional), quando é necessário ter dois empregos ou trabalhar mais mais horas para garantir a segurança económica; quando existem relações familiares abusivas e/ou de subjugação.
Em circunstâncias normais, lidar com a incerteza e a ambiguidade é já um grande desafio para a maioria de nós. A pandemia trouxe para a nossa vida diária o medo feito de desconhecimento, de incertezas e de impossibilidade de controle pessoal e, independentemente da sua preocupação e da sua vontade entender, essa realidade não mudará. Portanto, é inevitável que o nível de ansiedade suba rapidamente e se torne difícil a coerência e racionalidade na avaliação das circunstâncias pessoais.
O sentimento de congruência é um dos fatores que está mais fortemente ligado à saúde mental e mais aumenta a probabilidades individual de desenvolver uma perturbação mental. A congruência é a capacidade de compreender, controlar e dar sentido aos eventos stressantes. As pessoas com alto senso de congruência têm menos probabilidade de sofrer de uma depressão grave e têm de si mesmas uma maior perceção sobre os recursos que possuem para lidar com os desafios e as ambiguidades.
A coerência desempenha um papel importante na maneira como os indivíduos se apropriam das informações transmitidas pelos vários canais de informação sobre o coronavírus. As pessoas com fraco senso de coerência ou sentido critico, aderem mais a falsas crenças, o que alimenta a ansiedade, gera agressividade, tristeza e atitudes de hipervigilância pessoal.
Envelhecimento e saúde mental em Portugal
Além da incongruência e de falsas crenças, fatores como sentir-se estigmatizado, ter baixo nível de confiança nas autoridades, perceber o COVID-19 como uma grande devastadora para si ou para a família, falta de sentido critico, baixa formação académica, o uso da internet/meios de comunicação com informação discrepante e o isolamento geográfico e físico, podem aumentar sintomas de ansiedade ou depressão. As vulnerabilidades acentuam-se e constata-se um aumento de sintomas ou recaídas de pessoas com perturbações mentais. Pessoas com ataques de pânico, sintomas obsessivo compulsivos, depressões, dificuldades de controlo dos impulsos, tendem a desorganizar-se e a acreditarem que não vão conseguir lidar com as suas vidas, com um impacto muito negativo na saúde mental.
Saúde mental no trabalho
A crise pandémica implicou uma reorganização profunda das rotinas do dia-a-dia. A conjugação do teletrabalho, a diminuição do trabalho e dos rendimentos ou a manutenção do local de trabalho habitual com o ensino em casa e o apoio aos filhos ou o cuidado a adultos mais velhos, a vivência de lutos inerentes à pandemia, gerir a distância física de familiares e amigos e a impossibilidade de realizar, fora de casa, as atividades habituais, a necessidade de apoiar familiares doentes, a dificuldade de recorrer ao suporte médico e/ou especializado, entre outras – são fatores de grande instabilidade e de grande stress.
O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional nunca foi tão importante quanto agora. De acordo com a Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), pelo menos 1 em cada 3 pessoas trabalha mais do que 40 horas semanais e quase metade considera insuficiente o tempo que têm disponível para se dedicar a si mesmos, à família e aos amigos e realizar atividades de lazer. Esta realidade é especialmente preocupante no caso das mulheres. E é particularmente relevante no momento que vivemos, pelos diversos constrangimentos e limitações que a pandemia coloca à realização das tarefas e rotinas diárias habituais.
Procurar soluções e estratégias flexíveis para os diferentes papéis e responsabilidades que assumimos, no quotidiano, é imperativo e inadiável. O equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é condição indispensável para a saúde, para o bem-estar e para a qualidade de vida. É indispensável para trabalharmos de modo diligente e eficaz, para a produtividade e a competitividade das organizações, para a recuperação económica do país e para a coesão social. Isso implica também de uma evolução na cultura de trabalho e de liderança, com gestores mais humanistas e menos economicistas. Com gestores mais capaz de promover ambientes saudáveis de trabalho, conhecedores da necessidade de equilíbrio entre a saúde dos trabalhadores e a rentabilidade das empresas. O bem-estar e a saúde mental dependem de um conjunto de fatores socioeconómicos como o desemprego, a precariedade laboral, a perda de rendimento, a pobreza e a exclusão social. Sendo de prever que os impactos da pandemia na saúde mental cresçam nos próximos meses, sobretudo com o aumento do desemprego e da crise económica.
Minimizar o impacto da pandemia na saúde mental
As soluções para minimizar este impacto implicam alocar esforços e recursos suficientes para apoio à população, nomeadamente aos mais vulneráveis. Medidas como:
- Colocação de psicólogos nos centros de saúde ou em serviços de apoio à população. Tem ocorrido um aumento dos psicólogos afetos a serviços escolares e autárquicos, afetos a projetos. Situação que, pelos limites temporais impostos pelo decurso dos projetos (nas escolas são colocações anuais), não permite implementar uma intervenção primária de continuidade e com impacto significativo ao nível da saúde mental
- Melhorar os serviços de linha de frente e estabelecer uma rede de psicólogos “sentinela”, treinados em primeiros socorros psicológicos e disponível para intervenções imediatas em situação de crise. O SNS disponibiliza uma linha técnica de apoio psicológico que é uma importante medida preventiva. No entanto sem o acompanhamento “de retaguarda” dos psicólogos da saúde, a medida pode ficar aquém do desejado.
- Fortalecer o apoio da comunidade oferecendo, entre outras coisas, mais apoio e melhores condições aos trabalhadores essenciais, como médicos, enfermeiros, professores, técnicos e assistentes operacionais. Sensibilizar as empresas para que promovam ambientes de trabalho saudáveis e protetores da saúde mental dos trabalhadores.
- Reforçar serviços básicos de apoio social às pessoas mais vulneráveis. Serviços com capacidade de responder às necessidades psicossociais básicas ou a emergências sociais (por exemplo: insegurança alimentar, falta de moradia, conflitos e violência familiares).
Cuidar da saúde mental é também cuidar de si – aprenda a meditar. “Em nada o Homem se aproxima mais dos deuses, do que em dar saúde a outros homens” (Cícero).
Sofremos com a ansiedade quando algo dentro de nós quebra a nossa continuidade psicológica: de repente a mente percebe que algo mais forte a empurra para longe, o coração acelera, o ar parece faltar, os músculos contraem-se, sente-se um “nó” na garganta e a respiração é mais rápida e superficial. Internamente é como se estivéssemos num conflito profundo entre o que somos e o que aspiramos da vida e o que devíamos ser ou julgamos que os outros esperam de nós.
Este discurso interno, constante e disruptivo, causa exaustão, cansaço e dificuldade de analisar, com lógica e com racionalidade, os pensamentos que nos invadem. A ansiedade é esta força impulsionadora de ação que acende as luzes dos alarmes internos. Ela não é negativa nem positiva, apenas geradora de ação. No entanto o corpo prepara-se para agir, mas a mente não acompanha e constrói o céu e o inferno. O pensamento escolhe onde vai viver!
O que fazer para não ficarmos bloqueados pelo medos e pela ansiedade?
Faça um pequeno exercício: Feche os olhos e respire profunda, calma e plenamente. Perceba a ansiedade que surge e não se oponha nem ofereça resistência - nem física nem mental. Lembre a máxima de Hermes Trimegistus "nada está parado, tudo se move, tudo vibra". Imagine que a agitação percorre todo o corpo, procure onde se manifesta o desconforto com maior intensidade e coloque a mão nesse ponto. Ao mesmo tempo, imagine um perfume ou uma flor com a qual sinta uma afinidade particular e deixe que esta imagem se instale dentro de si. Lembre-se de que "tudo tem fluxo e refluxo, tudo tem as suas marés, tudo sobe e desce, o ritmo é a compensação". O seu pensamento é só pensamento, nada mais do que isso. Deixe fluir os pensamentos. A imaginação é a sua arma secreta, a sabedoria da “criança interior” que todos guardamos em nós, um raio de luz e brilho da essência do seu ser. Relaxe, enquanto respira profunda, calma e plenamente. E, por momentos, sinta só a sua respiração. Viva apenas o momento da sua respiração.
Este exercício simples pode ser feito em qualquer lugar, as vezes que quiser e por qualquer pessoa. Lembre-se que os pensamentos são apenas pensamentos. Os pensamentos não são a realidade. Apenas precisa de fechar os olhos, de se afastar um pouco dentro de si mesmo e confiar, relaxadamente, no seu silêncio interior. O exercício tem o propósito de lembrar o poder da imaginação para o bem-estar psicológico. Precisamos de desenvolver a interioridade, a capacidade de escutar o silêncio do “EU” para evitar entrar em pânico. Para evitar também consequências psíquicas no futuro, quando esta emergência for apenas uma memória. Compreenda que estar sozinho não significa estar em solidão. Fazer silêncio é é só ter a possibilidade de escutar o barulho do pensamento. Se ficarmos parados e acolhermos com aceitação o desconforto - ele passa mais rápido! E mais rápido retomamos a coerência das nossas vidas, cuidando da saúde mental.
Ana Paula Duarte Freitas é psicóloga, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, Psicologia da Educação e em Necessidades Educativas Especiais.