Com 2.286 mortes registradas nas últimas 24 horas, o Brasil atingiu nesta quarta-feira (10/3) um novo recorde de óbitos pela covid-19 — e, segundo pesquisadores entrevistados pela BBC News Brasil, não será uma surpresa se os próximos dias forem atingidas novas marcas trágicas como essa.
Mariana Alvim, BBC News Brasil, 11 março de 2021
"Já em janeiro, com a elevação do número de casos, prevíamos a falência do sistema de saúde e o aumento de óbitos ainda neste mês (março). Se mantivermos essa curva, podemos chegar em agosto a 500 mil mortos no país", resume o infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), referindo-se a estimativas internas de especialistas e órgãos assessorando o governo de São Paulo.
De acordo com o boletim mais recente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Brasil totaliza 270.656 vítimas fatais da covid-19. Em 10 de fevereiro, o Brasil registrou 1.330 mortes. Em comparação com os dados divulgados na quarta-feira, houve um aumento de 69% nos óbitos em um mês. A média móvel, que leva em conta os números dos sete dias imediatamente anteriores, aumentou 56% no mesmo período: de 1.041 para 1.626 mortes por dia.
Segundo o infectologista, de hoje para agosto, a curva de óbitos prevista só pode ser freada com um isolamento social cumprido rigorosamente — se possível com fiscalização reforçada por polícias, ele sugere.
"Ano passado, quando o isolamento deu um pouquinho certo, as pessoas realmente se isolaram e usaram máscaras. Hoje, essas medidas estão absolutamente desacreditadas. Mesmo com fases e decretos mais rígidos, o nível de isolamento é pequeno e a circulação está grande. A população está tendo um desapego à vida", diz.
"Se você põe bandeiras mas a população não respeita, não vai adiantar nada. Já que não conseguimos que a população se conscientize, precisamos do castigo (com a fiscalização)."
O médico critica ainda que o endurecimento de medidas pelos governos locais, como a atual fase vermelha em São Paulo, veio tardiamente. Para ele, essas intervenções devem ser ainda incrementadas por restrições ao turismo, aos cultos religiosos e às aulas presenciais em escolas, além de limitações a encontros com mais de 10 pessoas.
O epidemiologista Paulo Lotufo, também professor da Faculdade de Medicina da USP, lembra que no primeiro semestre de 2020 foi justamente o isolamento que conseguiu impedir que se concretizassem as estimativas, de março daquele ano, de que em agosto o número de mortes chegaria a 1 milhão no país. Em 31 de agosto de 2020, foram registrados 121.515 óbitos pela covid-19.
Lotufo concorda com a necessidade de restrições a viagens internas e denuncia o risco de que medidas de isolamento rígidas impostas por governos locais sejam logo relaxadas pela pressão pela abertura do comércio e de serviços não essenciais. Para ele, tais restrições devem seguir pelo menos até a Semana Santa, no início de abril.
"É importante entender que o contágio não é linear — ele é exponencial, como os juros compostos do cartão de crédito. Quando você entra no cheque especial, é uma espiral. Com o contágio, também funciona assim, inclusive para o que você faz de positivo. Se você consegue reduzir substancialmente as infecções, o impacto no número de casos, internações e mortes é muito grande", explica o epidemiologista.
Falta de vacinas e maior risco de variante
Idealmente, Lotufo diz que em uma fase crítica da pandemia como a atual no Brasil, o isolamento deveria ser associado à vacinação massiva e ao rastreamento de casos — ambas medidas timidamente aplicadas no Brasil até hoje.
Até esta terça-feira (9/3), 8,7 milhões de pessoas no Brasil — 4% da população — receberam a primeira dose da vacina contra a covid-19, segundo um consórcio de veículos da imprensa formado por G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL.
O país que mais vacinou em termos relativos no mundo, Israel, chegou à metade da população imunizada com pelo menos uma dose em fevereiro.
Entretanto, Marcos Boulos ressalva que as vacinas têm papel mais importante a médio e longo prazo no controle da pandemia — diferente da situação emergencial que estamos vivendo agora.
"Mesmo se tivéssemos vacinas o suficiente, não impactaria tanto nesse momento, porque elas começam a funcionar algumas semanas depois da aplicação. Mas ela vai ser extremamente importante para atingirmos a imunidade coletiva, que permite acabar com a transmissão."
O infectologista lembra que o isolamento é importante não só para controle geral da doença, mas para frear o surgimento de novas variantes do vírus, como a P.1, originada em Manaus (AM). Ele explica que as variantes se formam a partir de "mecanismos de fuga" do vírus para continuar se proliferando — quanto mais ele circular, ou seja, junto com as pessoas, mais variantes podem surgir.
Segundo pesquisa do Centro Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE), a P.1 é de 1,4 a 2,2 vezes mais transmissível que as linhagens anteriores.
"Vimos que em dezembro a variante foi responsável por uma elevação nas transmissões em dezembro, e em janeiro acelerou demais. Ela ainda não predomina, mas já está no Brasil todo", diz Marcos Boulos.
Curvas ainda em tendência de crescimento
De acordo com Marcelo Gomes, pesquisador a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador do InfoGripe (sistema de monitoramento da covid-19 e de outras síndromes respiratórias), a maior parte do país está com curvas de casos graves ainda em ascensão — sem sinais claros de arrefecimento.
Uma exceção é na região amazônica, onde picos foram atingidos na virada do ano e agora não estão crescendo mais.
"A curva de casos graves antecipa a de óbitos, com uma diferença de uma a duas semanas entre as elas", explica Gomes, indicando que se a curva de casos graves na maior parte do país está em tendência de crescimento, é de se esperar que a de óbitos deva crescer mais nas próximas semanas.
"Por isso, mesmo depois que os novos casos sejam controlados, a diminuição da curva de óbitos ainda leva certo tempo."