Thays Oyama, UOL, 26 de junho de 2021
O caso Covaxin é, entre todas as bombas já detectadas no Palácio do Planalto, a de maior potencial explosivo até hoje.
Pode ser assim resumido: um funcionário do ministério da Saúde denuncia ao presidente da República que foi pressionado a autorizar a importação de vacinas que, além de custarem 50% mais que as da Pfizer, estavam com data de validade próxima do vencimento, implicavam pagamento antecipado e não se enquadravam nas regras da Anvisa.
Diante da denúncia, Bolsonaro não tomou nenhuma providência clara nem enérgica. Em vez disso, o que se viu foi:
1. Seu líder de governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), correr para aprovar uma emenda destinada a resolver um dos empecilhos legais para a importação da vacina, a indiana Covaxin. Barros responde a um processo sob acusação de favorecer a Global Saúde, sócia da Precisa, empresa que intermediava a venda do imunizante para o governo brasileiro.
2. Uma assessora sem ligações com o ministério da Saúde, mas da "cozinha" do Palácio do Planalto, Thais Amaral Moura, ser apontada como uma das intermediárias do governo federal na negociação com a Precisa.
A assessora tem relações íntimas com o notório Frederick Wasseff, íntimo do clã Bolsonaro, advogado de Flávio Bolsonaro e famoso por ter escondido, em um sítio de sua propriedade em Atibaia, o igualmente notório Fabrício Queiroz.
3. Jair Bolsonaro acoelhar-se diante do estouro do escândalo.
Em truque velho e destinado a distrair a plateia, o presidente jogou ao mar seu há tempos condenado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles; mandou a Polícia Federal investigar os mensageiros da má notícia; e escalou o ministro Ônyx Lorenzoni para, na falta de argumento melhor, bradar aos denunciantes que Deus castiga quem faz coisas feias — mas "o senhor não vai se entender só com Deus, não. Vai se entender com a gente também", acrescentou o ministro, numa quase miliciana ameaça.
A investigação do que já vem sendo profeticamente chamado de Covaxingate mal começou.
Mas já está no ar uma pergunta objetiva e crucial à espera de resposta: Bolsonaro determinou que a Polícia Federal investigasse a denúncia feita pelo servidor Luis Ricardo Miranda e seu irmão deputado? Se não fez isso, prevaricou. Se fez, quem prevaricou foi a PF, na pessoa do seu diretor-geral, Rolando Alexandre (ao jornal O Globo, ele já disse não se recordar de ter conversado sobre o assunto com o presidente).
Não foi por falta de argumentos técnicos que Bolsonaro não sofreu impeachment até hoje.
Há no Covaxingate, porém, algumas particularidades que podem mudar o rumo dessa história. E na visão de um ex-ministro e arguto estrategista político, a primeira delas é o fato de o episódio envolver dois temas de altíssima sensibilidade para a opinião pública: a suspeita de corrupção num governo que até o momento se jactava de resistir a ela; e a presença, no centro de tudo, da vacina, que o meio milhão de mortes da pandemia alçou à categoria de objeto de culto - agora sujeito a ser profanado pelo ex-capitão e seu governo.
Da CPI da Covid sempre se disse que o fato de ela ter como principal matéria-prima os discursos e ações de Bolsonaro, ambos fartamente divulgados, poderia tanto ajudar a produção de resultados concretos quanto o contrário.
Estando os supostos crimes cometidos pelo presidente registrados e a céu aberto, sua simples reiteração, somada à ação política da comissão, bastariam para produzir um relatório final com potencial de abrir o caminho do impeachment ou mesmo da responsabilização criminal do presidente.
Essa mesma característica da CPI, porém, de lidar com fatos conhecidos, poderia minimizar o impacto dos trabalhos diante da opinião pública. A menos, é claro, que surgisse um fato novo.
Ei-lo agora.