As vacinas não são uma solução mágica – algum nível de precaução precisará ser mantido pelos próximos meses. Em áreas onde a cepa altamente infecciosa é galopante, restrições de alto nível podem durar até que a vacinação termine.
Adam Kleczkowski, IHU-Unisinos, 31 de dezembro de 2020
As vacinas da Covid-19 estão sendo lançadas agora, mas em algumas partes do mundo essa boa notícia foi atenuada pelo surgimento de novas cepas do vírus, potencialmente mais infecciosas. O modo como a pandemia evoluirá exatamente tornou-se mais incerto.
Certamente, os próximos três ou mais meses serão desafiadores, e uma vida livre do vírus provavelmente ainda está longe. Algumas coisas podem não voltar a ser como eram antes.
É difícil prever exatamente como as coisas vão se desenrolar, mas há algumas coisas que podemos prever com um relativo grau de confiança. Com isso em mente, aqui está o que podemos esperar do próximo ano.
Qual será o impacto da nova cepa?
Atualmente, há apenas informações limitadas sobre a nova cepa viral. Embora ainda não tenha sido confirmado, ela parece ser mais infecciosa, mas não pode levar a doenças mais graves ou ser capaz de escapar da imunidade derivada da vacina.
No entanto, a variante sugere que o vírus é capaz de produzir mutações significativas, e outras mutações podem mudar o curso do surto. Suprimir a pandemia rapidamente tornou-se uma tarefa ainda mais urgente.
Restrições mais rígidas de comportamento provavelmente durarão até o ano novo, e podemos precisar de mais restrições para controlar o vírus se ele for realmente mais infeccioso.
Em quanto tempo veremos os efeitos da vacina?
Produzir doses suficientes da vacina é uma grande tarefa – a produção pode chegar a um gargalo. Mesmo supondo que possamos fazer tudo o que precisamos, a imunização de pessoas levará muitos meses.
No Reino Unido, os médicos estão distribuindo as vacinas, e um médico inglês médio cuida de quase 9.000 pessoas. Supondo que os médicos trabalhem oito horas por dia, que precisem de 10 minutos para vacinar alguém e que cada paciente precise de duas injeções, eles levariam mais de um ano para ver todos os seus pacientes. Outros, é claro, ajudarão nessa ação, mas isso mostra o tamanho da tarefa. Atrasos serão inevitáveis.
Além disso, as duas doses da vacina da Pfizer precisam ser administradas com 21 dias de intervalo, e a imunidade total chega sete dias após a segunda injeção. Outras vacinas – como a da AstraZeneca – requerem um período ainda mais longo entre as doses. Levará pelo menos um mês (senão mais) para ver o efeito total em cada pessoa vacinada.
Em países que relaxaram as regras de distanciamento social para o Natal, podemos ver um pico nos casos depois do Natal. Nesse caso, é improvável que as vacinas mudem muita coisa inicialmente – a doença terá uma aceleração no início de 2021. Este também será provavelmente o caso no Reino Unido, graças à nova cepa do vírus, embora as restrições não tenham sido levantadas para muitos. A conscientização pública sobre a aceleração da doença é necessária para evitar a perda de confiança na vacinação.
Como a pandemia se desenvolverá?
Depois que as pessoas contraem a Covid-19 (ou recebem uma vacina), elas ficam imunes (pelo menos em curto prazo). Os infectados mais tarde têm cada vez mais contato com pessoas imunes em vez de pessoas suscetíveis. A transmissão, portanto, cai, e, no fim, a doença para de se espalhar – isso é conhecido como imunidade de rebanho.
O nível de imunidade em toda a população necessário para impedir a propagação do vírus não é conhecido com precisão. Acredita-se que esteja entre 60% e 80%. Atualmente, não estamos nem perto disso – o que significa que bilhões em todo o mundo precisarão ser vacinados para impedir a propagação do vírus.
Isso também depende de vacinas que impeçam a transmissão do vírus, o que ainda não foi provado. Se for, veremos um declínio nos casos de Covid-19 talvez já em meados de 2021. No entanto, os lockdowns e outras medidas ainda serão necessários para limitar a transmissão enquanto a vacinação aumenta a imunidade da população – especialmente onde a cepa mais infecciosa do vírus se espalhou.
Em contraste, se a vacina apenas impedir que indivíduos infectados fiquem gravemente doentes, teremos que contar com as infecções para construir a imunidade de rebanho. Nesse cenário, vacinar os vulneráveis reduziria a taxa de mortalidade, mas períodos graves e prolongados da Covid afetando os mais jovens provavelmente persistiriam.
O que provavelmente mudará?
As vacinas não são uma solução mágica – algum nível de precaução precisará ser mantido pelos próximos meses. Em áreas onde a cepa altamente infecciosa é galopante, restrições de alto nível podem durar até que a vacinação termine. Quaisquer mudanças virão aos poucos, principalmente na área das visitas domiciliares e da reabertura de hospitais para tratamentos regulares.
Com o tempo, espera-se que as viagens se tornem mais simples e fáceis, embora as companhias aéreas possam começar a exigir certificados de vacinação. Embora alguns países exijam a vacinação contra a febre amarela para a entrada, exigir passaportes de imunidade para a Covid-19 pode ser controverso.
O uso de máscaras pode se tornar um hábito social global, como já é agora na Ásia – por exemplo, quando alguém não está se sentindo bem ou está preocupado com a sua saúde.
Olhando para a frente
A vacinação poderá levar à erradicação do vírus? Ainda não sabemos quanto tempo dura a imunidade baseada na vacina – e a imunidade de longo prazo será crucial. Erradicar completamente o vírus será muito difícil e exigirá um esforço global.
Embora estejamos perto de erradicar a poliomielite, a varíola continua sendo a única doença humana que eliminamos totalmente, e isso levou quase 200 anos. O sarampo, por exemplo, embora quase erradicado em muitos países, continua voltando.
Algumas vacinas, como a do sarampo, oferecem uma proteção quase vitalícia, enquanto outras precisam ser repetidas, como a do tétano. Se a Covid-19 sofrer mutações regulares e significativas – e o seu potencial para isso acaba de ser demonstrado – podemos precisar tomar novas vacinas periodicamente, assim como fazemos com a gripe. Em longo prazo, também precisaríamos vacinar as crianças para manter a imunidade de rebanho.
Os efeitos sociais e econômicos da pandemia provavelmente também serão duradouros. Talvez a vida nunca volte a ser o que era antes. Mas cabe a nós torná-la mais segura, preparando-nos melhor para futuras pandemias.
Adam Kleczkowski é professor de Matemática e Estatística da Universidade de Strathclyde, na Escócia. O artigo foi publicado em The Conversation, 24-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.