Instituto Socioambiental - ISA, 8 de julho de 2020
A Covid-19 se espalha na Terra Indígena Yanomami entre indígenas que vivem perto de zonas de garimpo ilegal de ouro. 36 casos foram identificados nas comunidades de Waikás e mais cinco na região de Kayanaú, que estão entre as mais afetadas pelo atividade. Em junho, o Instituto Socioambiental (ISA) lançou um relatório que alertava para o risco de contaminação na TIY caso o governo não atuasse para retirar os garimpeiros do território. Nada foi feito, e as previsões estão se confirmando.
Waikás, às margens do rio Uraricoera, tem 36 casos confirmados e uma população de 179 indígenas do povo Ye’kwana. Nas suas imediações, está um dos maiores e mais consolidados garimpos da Terra Indígena. Desde maio, indígenas têm relatado um fluxo constante de garimpeiros entre a cidade e o interior da Terra Indígena. Segundo o relato, são ao menos cinco barcos subindo e descendo o rio diariamente, além do fluxo diário de helicópteros e aeronaves. Nessa região, a taxa de contágio é 30% maior do que a taxa observada no estado de Roraima, que tem uma das maiores taxa de contágio do país.
Os garimpeiros dispõe de grande infraestrutura tecnológica e de transporte, que contrasta com a ausência estatal. Barcos e aviões, telefone e internet via satélite. Tudo isso funcionando ilegalmente. Os garimpeiros frequentam a comunidade para compra de alimentos e atendimento no posto de saúde. Em 18 de junho, inclusive, um garimpeiro apresentando sintomas de Covid-19 recebeu atendimento no posto.
Foi em um desses barcos que a Covid-19 chegou na comunidade. Um indígena que viajou com os garimpeiros foi contaminado e levou a doença para a aldeia. O isolamento social dentro das aldeias é quase impossível, já que os indígenas compartilham casas e utensílios domésticos. Assim, a partir desse primeiro caso, outros 35 já foram confirmados. Em Waikás, o cenário é de transmissão comunitária, quando não se tem mais controle da doença. O maior sábio Ye’kwana e outros três idosos (um homem e duas mulheres) apresentaram sintomas, com dificuldade de respirar e muita fraqueza, além da febre.
Quadro semelhante ocorre na região de Kayanaú. Nessa região, está a segunda maior zona de garimpo da Terra Indígena. Até agora, foram confirmados cinco casos, mas seguindo a tendência de Waikás, é possível que a doença se espalhe rapidamente entre os indígenas.
Foi para evitar cenários como esse que lideranças Yanomami e Ye’kwana lançaram no início de junho a campanha #ForaGarimpoForaCovid. Os indígenas pedem que o governo atue para retirar os garimpeiros de suas terras. Estima-se que 20 mil garimpeiros estejam ilegalmente na TIY. Com a pandemia, o problema histórico do garimpo na TI Yanomami torna-se também um problema de saúde pública. A desintrusão é ainda mais urgente.
Profissionais de saúde e inação do governo
Funcionários do Distrito Sanitário Especial Yanomami (DSEI-Y) também podem ter tido contato com o coronavírus. Segundo relato dos próprios indígenas, um funcionário que teve contato com contaminados de Covid-19 e não foi testado, seguiu de Waikás para outro posto de saúde (Halikato) dentro da TIY e pode ter levado o vírus para lá.
Em carta enviada a autoridades, a liderança de Waikás Nivaldo Rocha solicita atendimento para sua comunidade. O DSEI-YY precisa garantir a testagem de toda a comunidade de Waikás que tem mais de 100 pessoas. “Também precisamos de uma equipe de saúde completa que possa acompanhar esses casos que são possíveis infecções de Covid-19. Não temos médico e estamos há 5 meses sem enfermeiro responsável!”, aponta o documento. Depois da carta, o DSEI-Y atendeu a solicitação e enviou equipe, medicamentos e equipamentos para a comunidade.
Na última semana, o ministro da Defesa Fernando de Azevedo da Silva esteve na Terra Indígena em uma ação de saúde na comunidade. Com medidas espetaculosas e de pouca efetividade, a missão do governo foi criticada em nota pela Hutukara Associação Yanomami, sobretudo pelas declarações mentirosas de Silva. Silva afirmou que a situação da Covid-19 estava controlada na TIY, o que é facilmente contrariado pelos fatos, que indicam que a pandemia está em franca expansão. Enquanto o governo nega a realidade e não faz nada para conter o garimpo no território, a doença se espalha entre os Yanomami e Yek’wana que, há décadas, sofrem com as epidemias levadas pelos brancos.
Garimpo dispara em junho
A degradação mensal do garimpo na TI Yanomami disparou em junho, com um aumento de 179% em relação ao mês anterior. É o que mostra monitoramento feito por imagens de satélite do sistema Sirad-Y. Somente neste mês, foram identificados 109 hectares degradados, ante 39,1 hectares do mês anterior. As regiões onde foram observados aumento foram: Aracaça, Waikás, Kayanaú – as mesmas onde foram notificados os caso da Covid-19. Também foram encontradas novas áreas em em Uxiu, Parima, Uraricoera e Homoxi. O aumento em Waikás e Aracaçá, porém, foram significativamente maiores.
O monitoramento analisa três tipos principais de área degradada: 1) garimpos ativos no qual o solo aparece nu; 2) áreas recém abandonadas, que mostram o avanço da vegetação ainda incipiente; e 3) pequenas lagoas decorrentes da ação garimpeira. Ao todo, já foram detectatos 2167,5 hectares degradados na TI.
Os links são da edição do IHU-Unisinos e remetem para outras matérias sobre o tema.