Eduardo Camín, CLAE, 21 de agosto de 2020
Desde o início da pandemia, mais de 70% dos jovens que estudam ou combinam seus estudos com o trabalho foram afetados adversamente pelo fechamento de escolas, universidades e centros de formação, revela um estudo da Organização Internacional do Trabalho - OIT.
Os efeitos desproporcionais da pandemia sobre os jovens exacerbaram a desigualdade e podem minar a capacidade produtiva de toda uma geração, afirma o relatório Os jovens e a pandemia da Covid-19: efeitos sobre empregos, educação, direitos e bem-estar mental.
Seus resultados mostram que 65% dos jovens consideram que sua atividade educacional foi afetada adversamente, desde o início da pandemia, como consequência do período de transição do ensino presencial em sala de aula para o ensino online e a distância, durante a fase de confinamento.
65% dos jovens em países de alta renda puderam assistir aulas por videoconferência, mas a proporção que pode estudar online em países de baixa renda foi de apenas 18%
Apesar dos esforços para continuar os estudos e a formação, metade destes jovens acredita que a conclusão de seus estudos será atrasada, e 9% afirmam que poderão ter que abandoná-los definitivamente.
A situação é ainda pior para os jovens que vivem em países de rendas mais baixas, onde existem as maiores lacunas em termos de acesso à Internet e disponibilidade de equipamento e, por vezes, de espaço em casa.
Isso destaca a enorme “brecha digital” entre as regiões. Enquanto que 65% dos jovens em países de alta renda puderam assistir as aulas por videoconferência, a proporção de jovens que puderam prosseguir seus estudos online em países de baixa renda foi de apenas 18%.
“A pandemia tem uma repercussão muito adversa sobre os jovens. Não apenas reduz seu emprego e futuro profissional, mas também prejudica enormemente sua educação e formação e, portanto, seu bem-estar mental. Não podemos permitir que isso aconteça”, assinala Guy Ryder, diretor-geral da OIT.
Preocupados com o seu futuro
De acordo com o referido relatório, 38% dos jovens manifestam preocupação com o seu futuro profissional e se prevê que a crise dificulte o desenvolvimento do mercado de trabalho e prolongue o período de transição dos jovens, de quando terminam os seus estudos até o seu primeiro emprego.
Alguns jovens já foram afetados, visto que um em cada seis deles teve que parar de trabalhar, desde o início da pandemia. Geralmente os trabalhadores mais jovens trabalham em setores fortemente afetados pela pandemia, particularmente aqueles relacionados ao atendimento ao cliente, prestação de serviços e vendas, portanto, são mais vulneráveis aos efeitos econômicos da pandemia.
Cerca de 42% dos jovens que mantiveram seus empregos tiveram sua renda reduzida. Isso afetou seu bem-estar mental. A pesquisa citada mostra que 50% dos jovens são suscetíveis a episódios de ansiedade e depressão, e que 17% provavelmente já os padeçam.
Apesar da complexa conjuntura atual, os jovens utilizam seu vigor para se mobilizar e fazer ouvir suas vozes na luta contra a crise. De acordo com a pesquisa, um em cada quatro jovens fez algum tipo de trabalho voluntário durante a pandemia.
É fundamental que seja ouvida a voz dos jovens para dar uma resposta mais inclusiva à crise da Covid-19. Segundo o relatório, a participação dos jovens na tomada de decisões de acordo com as suas necessidades e projetos aumenta a eficácia das políticas e programas e lhes oferece a oportunidade de contribuir para a sua implementação.
Também se defende a adoção de medidas políticas em grande escala de forma urgente para evitar que a crise comprometa o futuro profissional de toda uma geração de jovens a longo prazo, como a reintegração no mercado de trabalho de jovens que perderam seus empregos e que tiveram de reduzir o número de horas de trabalho, bem como o acesso dos jovens a subsídios de desemprego e a programas de melhoria do bem-estar mental, em particular o apoio psicossocial e a realização de atividades esportivas.
A geração do confinamento
A resposta dos governos em todo o mundo à propagação rápida e sem precedentes da pandemia de Covid-19 levou a uma desaceleração econômica global. A pandemia afetou todos os aspectos de nossas vidas. Mesmo antes do início da crise, a integração social e econômica dos jovens era um desafio contínuo.
No momento, a menos que seja tomada uma ação urgente, os jovens provavelmente sofrerão impactos graves e duradouros da pandemia. Os efeitos sobre os jovens, nos empregos e nas empresas provavelmente sejam de longa duração, bem como mais notórios entre as populações mais vulneráveis, incluindo os jovens.
A história nos mostra que uma crise como a pandemia de Covid-19 pode ter consequências graves e duradouras para as populações mais jovens, que estão começando a ser chamadas de “geração do confinamento”.
A pandemia está tendo graves repercussões sobre os trabalhadores jovens, matando seus empregos e minando suas perspectivas profissionais. Um em cada seis jovens (17%) que estavam trabalhando, antes do início da pandemia, pararam totalmente, em especial os trabalhadores de menor idade, entre 18 e 24 anos, e os trabalhadores envolvidos na prestação de apoio administrativo, serviços, vendas, artesanato e negócios relacionados.
A jornada de trabalho dos jovens empregados caiu quase um quarto (ou seja, uma média de duas horas por dia) e dois em cada cinco jovens (42%) relataram uma redução em suas rendas. Os jovens que vivem em países de renda baixa são os mais expostos à redução da jornada de trabalho e consequente contração da renda.
A ocupação foi considerada o principal determinante de como a crise afetou de forma diferente as mulheres e os homens jovens. As primeiras apontaram maiores perdas de produtividade em comparação com seus homólogos masculinos. A abrupta interrupção da aprendizagem e do trabalho, exacerbada pela crise de saúde, deteriorou o bem-estar mental dos jovens. O estudo revela que 17% dos jovens provavelmente sofram de ansiedade e depressão.
O bem-estar mental é menor entre mulheres jovens e jovens entre 18 e 24 anos. Os jovens cuja educação e trabalho foi interrompido ou havia cessado totalmente tinham quase duas vezes mais probabilidades de sofrer de ansiedade e depressão do que aqueles que continuaram trabalhando e aqueles cuja educação seguiu seu curso. Isso destaca as ligações entre bem-estar mental, sucesso educacional e integração no mercado de trabalho.
A educação no paradigma neoliberal
Através da experiência, sabemos que nenhum fenômeno surge sem uma causa. Hoje, a prerrogativa de todos os nossos males está concentrada na Covid-19. Portanto, todos os relatos foram analisados a partir dessa premissa, evitando o essencial, que estamos imersos em um sistema baseado na exploração do trabalho assalariado, baseado na propriedade privada dos meios de produção.
A desigualdade e a pobreza devem ser analisadas no quadro da ordem mundial que as produz. A globalização neoliberal, consolidada desde o pós-guerra e transformada em tsunami, juntamente com a expansão das tecnologias da informação, tornou-se o regime econômico hegemônico. Portanto, suas consequências sociais merecem um exame aprofundado que abarque a própria lógica capitalista.
Um planeta absolutamente globalizado, no qual os capitais aparecem como dominadores quase absolutos da cena político-social, com sua consequente influência ideológico-cultural. A ideia de que não existe nada além do modelo de democracia de mercado se pretende totalmente válida, se apresenta com uma força avassaladora.
Daí decorre a atual ideologia dominante, centrada em um individualismo cada vez mais crescente, atravessado por uma irrefreável tendência consumista, o desprezo pelas questões sociais e uma ética de triunfo pessoal.
As novas gerações, criadas em forma crescente neste terreno fértil cultural, bombardeadas constantemente com novas tecnologias de informação e comunicação que fomentam a saída individual sobre todas as coisas, junto com uma certa forma de hedonismo e conformismo político, são as porta-bandeiras dessa ideologia.
Sua cosmovisão está moldada na ideia de Estado burocrático, forçosamente deficiente, na entronização da iniciativa privada e do mais descarado individualismo egocêntrico, tudo isso sempre mediado pelas novas tecnologias da informação. Essas receitas para a entronização absoluta do livre mercado são necessariamente complementadas pelo encolhimento-desmantelamento dos Estados nacionais.
Apesar de viver em um mundo inundado por espetaculares desenvolvimentos tecnológicos e culturais, a luta pela subsistência ainda está ancorada em uma lógica embrutecedora
Todas as empresas públicas são privatizadas, os investimentos sociais em educação e saúde (considerados "gastos" sociais) são reduzidos a percentuais ínfimos e a pregação constante torna o Estado um "paquiderme inútil, corrupto e disfuncional". Vemos essa ideologia, essas práticas concretas de ajuste estrutural, em todo o mundo, produzindo efeitos semelhantes em todos os lugares e independentemente da Covid-19.
A mudança dos fenômenos no tempo segue apenas uma direção, do passado para o presente e para o futuro. O tempo não corre para trás: só nas histórias e romances fantásticos é possível criar a "máquina do tempo" que nos leva ao passado. De forma alguma, é possível dizer que “todo o tempo passado foi melhor”, mas não há dúvida de que o momento atual suscita questões preocupantes sobre a possibilidade de mudanças sociais.
O chamado neoliberalismo, mais do que uma fórmula econômica, parece um programa civilizatório. Daí a importância de considerar alternativas ao modelo dominante. Apesar de viver em um mundo inundado por espetaculares desenvolvimentos tecnológicos e culturais, a luta pela subsistência ainda está ancorada em uma lógica embrutecedora que reduz o sujeito à sua expressão mais primitiva, uma peça insignificante, sem consciência, apenas pura energia (física e intelectual), extraído para alimentar a maquinaria global.
No capitalismo, a lógica das necessidades fica constantemente subordinada à lógica do lucro. Apesar das tentativas dos atuais "gurus" do mundo capitalista de apresentá-lo como um capitalismo "novo", "moderno", que aprendeu com seus erros, na realidade, hoje, o capitalismo globalizado envelheceu e caminha para a morte.
O paradoxo atual é que muitos dos que hoje sofrem com o desemprego ou o subemprego receberam uma sólida educação.
Eduardo Camín é jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra e analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica, em artigo publicado por CLAE, 21-08-2020. Reproduzido do IHU-Unisinos. A tradução é do Cepat.