MINAS GERAIS - No marco de dois anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, o MAB denuncia que ainda não houve justa reparação dos direitos da população atingida pelo crime.
As violações de direitos humanos seguem se multiplicando ao longo da bacia do rio Paraopeba e a situação é agravada com apoio do Estado e de parcelas importantes do judiciário por meio de um “Acordão Global”, em vésperas de finalização, e que exclui a população atingida de qualquer espaço de participação.
A Vale para se livrar de indenizações e se proteger juridicamente vem usando de diversas estratégias por meio de acordos, como o “Acordão Global” entre Vale, o Estado e o Sistema Judiciário. Acordão que vem sendo denunciado constantemente pelo MAB.
No decorrer do texto elaborado pelo movimento, é apresentada uma análise do que significa este acordo, dos objetivos da Vale, os interesses do Estado e a estruturação de um golpe sobre os atingidos, mostrando como a empresa age na busca pela perpetuação da violação dos Direitos Humanos. Violência que pode perdurar por longo prazo, pois a consequência é a ausência da adequada reparação de direitos.
Os atingidos por barragens seguem em resistência. Desde o crime, estão em permanente luta e organização para enfrentar a exploração e opressão, denunciar a violação sistemática de direitos e conquistar uma reparação integral com objetivo de retomar a vida em condições dignas de trabalho e renda.
Ressaltamos a importância da luta dos atingidos e atingidas organizados no MAB na defesa de seus direitos. A organização e o protagonismo dos atingidos são fundamentais para continuar conquistando direitos e para não deixar que o crime da Vale fique impune e que se repita em outros territórios.
Leia um trecho do análise do MAB:
“O único objetivo da Vale é o lucro acima da vida. Na região de Brumadinho, a empresa atua para não pagar pelos seus crimes, a qualquer custo, quer evitar novos gastos na reparação dos direitos violados. Ao mesmo tempo, quer continuar explorando o minério em Minas Gerais, enviando para fora do país sem pagar o mínimo de tributos.
Para conseguir tais objetivos, a Vale utiliza diversas estratégias, desde a captura de governos, parlamentares, judiciário, órgãos do governo e demais estruturas jurídicas institucionais até a desorganização da população e enfraquecimento da sua capacidade de luta por meio de cooptação de atingidos e atingidas e lideranças populares, e até mesmo a divulgação constante de notícias falsas.
Existe também uma estratégia ideológica de comunicação, com muita propaganda perante a sociedade e aos acionistas para ocultar a realidade do povo e burlar os fatos verdadeiros. A empresa faz propaganda de que está resolvendo os problemas dos atingidos\as, quando na verdade está ganhando tempo para minar a capacidade de luta do povo e tirar Brumadinho dos noticiários.
Na prática, o que a Vale está fazendo é, por meio de seu poderio econômico, o controle político e ideológico para dominar o território e continuar garantindo altos lucros para o sistema financeiro, aos banqueiros e fundos internacionais de investimentos – seus proprietários atuais.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a população da bacia do Rio Paraopeba foram surpreendidos no dia 22 de outubro de 2020, na calada da noite, com a notícia de que a empresa Vale S.A., o Governo do Estado de Minas Gerais e Instituições de Justiça, estavam realizando um grande acordão clandestino que decidia o futuro das indenizações e a vida dos atingidos na região.
O acordo é um escândalo, porque decide sobre o processo de reparação decorrente do rompimento da barragem do Córrego do Feijão em Brumadinho de forma escusa, sem a participação das pessoas atingidas e protegidos por sigilo sob decisão de juízes e promotores.
O acordo global envolve a Vale, o governo de Minas, a Defensorias e Ministérios Públicos, além da Advocacia Geral da União. Inicialmente, previa uma ação no valor total de R$ 54 bilhões que correspondia a duas ações: uma de 26 bilhões (correspondente aos danos econômicos sofridos pelo estado) e outra de 28 bilhões correspondente aos danos morais e sociais coletivos (comunidade).
A empresa Vale propôs o pagamento total de R$ 21 bilhões, sendo um “teto global” de pagamentos de R$ 16,45 bilhões – que incluiria a realização de obras em Belo Horizonte, distante 60 quilômetros de Brumadinho, R$ 3 bilhões previstos para a recuperação ambiental, além dos R$ 2,2 bilhões já gastos em indenizações para os cerca de 8 mil atingidos. Uma parcela bilionária também seria distribuída ao judiciário para que eles coordenassem ações no chamado “terceiro setor”.
Esta proposta da empresa propôs um corte para menos da metade do valor total das duas ações. O fato concreto é que o acordo não permite a participação efetiva dos atingidos nas negociações e nem na tomada de decisões sobre os direitos dos atingidos e atingidas. Ou seja, as vítimas seguem excluídas, enquanto os senhores donos do poder querem lucrar em cima do crime e da vida de milhares de atingidos pelo crime da Vale.
Os atingidos e atingidas reivindicam que as discussões sobre reparação de danos não atendem às questões emergências (pagamento emergencial, fornecimento de água, indenizações, entre outros) que garantiriam as condições de vida até a reparação integral. Os atingidos não são contra o acordo, mas, se tratando da vida do povo, devem ser os protagonistas em qualquer acordo que trate sobre o futuro de suas vidas e da definição de um valor justo na reparação de danos, este deve ser um direito assegurado – poder participar das decisões.
O acordão trata-se de uma jogada da empresa criminosa, ao colocar para um Estado financeiramente falido a possibilidade de arrecadar alguns bilhões em “nome dos atingidos”, que representam alguns poucos meses do lucro líquido da empresa, em troca da quitação total do passivo devido pela própria incompetência em gerir a barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Assim a empresa deixa de ser a responsável pela reparação dos direitos das vítimas, passando a responsabilidade ao Estado.
Percebe-se que a justiça não tem se mostrado um instrumento efetivo da reparação integral dos danos, do acesso à justiça e que não garante os direitos das vítimas. O poder Judiciário pouco conhece dos casos e as necessidades reais e urgentes dos atingidos nas localidades. Além disso, as mineradoras possuem um enorme aparato jurídico por meio dos seus inúmeros escritórios de advocacia.
Isso acarreta uma forte incisão jurídica em recorrer às decisões, o que permite que o adiamento de determinações definitivas privilegie quem tem as melhores condições, no caso, as empresas. Dessa forma, isso leva a morosidade de reparação tanto do meio ambiente quanto das vítimas, pois as sobrecarrega com um tempo processual muito longo.
Assim como na bacia do Rio Doce, novamente um acordo foi construído sem a participação da população atingida, sob o pretexto de que a conciliação é a melhor e mais rápida forma para resolução do processo. Porém, denunciamos que a celeridade aqui atende somente os objetivos do governo do Estado de Minas Gerais e da empresa Vale, sem que isso garanta os direitos dos atingidos, especialmente o direito à participação.“
Originalmente publicado no site do MAB, em 25 de janeiro de 2021.