O debate sobre a regulamentação do crime de ecocídio deve ser mais profundo e amplo para que seja mais eficaz, não apenas do ponto de vista político-moral, mas de um posicionamento que reconheça o vínculo que existe entre a proteção do meio ambiente e o sistema econômico, que permita superar o conceito de desenvolvimento sustentável e que avance na justiça ambiental e na sustentabilidade ecológica.
Pilar Rodríguez Suárez, El Salto, 7 de novembro de 2021. A tradução é do Cepat.
Em 2010, a advogada ambientalista escocesa Polly Higgins liderou o projeto que foi apresentado na Comissão de Direito Internacional da ONU (CDI) recomendando a regulamentação do crime de ecocídio e sua inclusão como quinto crime contra a humanidade no Estatuto de Roma, que regulamenta as competências do Tribunal Penal Internacional. Não era uma novidade que sua incursão no Estatuto de Roma fosse considerada. Quando foi aprovado em 1998, essa possibilidade já havia sido sugerida. No entanto, foi rejeitada porque sua regulamentação foi considerada muito prematura.
Também não era a primeira vez que se pretendia regulamentar esse crime. De fato, já havia sido incluído por determinados países em seus ordenamentos. O Vietnã foi o primeiro país a regulamentá-lo, após os efeitos devastadores do uso do agente laranja pelo exército estadunidense.
Na última década, intensificou-se os debates sobre a necessidade de regulamentar o crime de ecocídio, que abarca os danos ambientais mais graves que podem ser produzidos até o ponto em que, mesmo que ocorram no território de um único Estado, seus efeitos são tão destrutivos que a totalidade da humanidade é considerada vítima.
Esses debates são cada vez mais frequentes, mas ainda não são incluídos nas agendas oficiais das grandes cúpulas ambientais. De momento, são abordados em atividades paralelas organizadas por grupos ecologistas ou por especialistas em direito ambiental.
No entanto, as propostas de regulamentação do crime de ecocídio também já estão entrando timidamente nos parlamentos de Estados de todo o mundo: França, Bélgica, Chile, Espanha, México, etc... É que temos motivos mais do que justificados para nos preocupar que, hoje, sejam enormes as dificuldades para poder responsabilizar as pessoas físicas e/ou jurídicas (corporações) sobre danos ambientais transnacionais e internacionais.
Ainda são exceções os casos em que um dano ambiental grave possua uma sentença condenatória e seja possível executar a sanção. Basta ver as enormes dificuldades que um caso como o dos vazamentos da Chevron, no Equador, está tendo para que a multinacional assuma os efeitos da sentença que a condena.
O que nos falta para poder reivindicar responsabilidades sobre esses ecocrimes? Bem, falta-nos praticamente tudo. Em nível internacional, carecemos de um código de direito penal e, em consequência, a regulamentação dos crimes ambientais. Também não existe um Tribunal Internacional com competências para julgar os crimes ambientais. E também nos falta uma regulamentação que permita atribuir responsabilidades penais às corporações.
O direito internacional é uma soma de tratados que recebem a fama de caos normativo, com alguns Estados que fazem parte de determinados tratados e de outros não, razão pela qual não é possível lhes cobrar responsabilidades em relação ao que não fazem parte. Isso permite que ocorra o dumping normativo, ou seja, que as empresas optem por desenvolver suas atividades com maiores riscos ambientais nos Estados em que as regulamentações normativas são menos exigentes, ou naqueles em que seja mais fácil a corrupção das administrações públicas que conferem as licenças. Por isso, para que seja eficaz, a regulamentação do crime de ecocídio deve ser um pacto universal.
No entanto, novamente, as expectativas são baixas. Caso seja considerado quinto crime pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), devemos lembrar que muitos dos Estados mais poluentes, como Estados Unidos, China e Rússia, não fazem parte. Além disso, pelo Conselho de Segurança da ONU, do qual, sim, tais Estados fazem parte, podem vetar investigações da Promotoria do Tribunal Penal Internacional.
Por outro lado, o TPI não prevê a possibilidade de julgar corporações e é acusado de ter um viés pós-colonial, pois nos mais de 20 anos de funcionamento, a maioria dos acusados e condenados é de origem africana. Todas essas circunstâncias fazem com que, a partir de algumas vozes doutrinais, seja avaliado que seria mais eficaz a criação de um Tribunal Internacional do Meio Ambiente para julgar os crimes ambientais internacionais, incluindo o crime de ecocídio.
De fato, já existem mais de 350 tribunais ambientais no mundo, entre 50 Estados, com excelentes resultados em muitos deles. No entanto, a controvérsia é mais ampla do que o próprio campo jurídico.
Se vamos aos fatos, os crimes ambientais são o terceiro crime mais lucrativo do mundo, depois do narcotráfico e o contrabando, sobretudo pelo tráfico ilegal de espécies e os crimes florestais. Na prática desses ecocrimes se entrelaçam atividades legais e autorizadas pelas administrações dos Estados, junto com atos ilegais de grupos criminosos e o desenvolvimento econômico de corporações internacionais que atuam sob a aparência de legalidade e que nutrem os mercados internacionais de seus produtos.
Tais circunstâncias dificultam a rastreabilidade da responsabilidade dos danos ambientais. Por sua vez, é o ponto mais controverso do direito penal ambiental, seja internacional ou não. É que apesar da importância central estar nas grandes catástrofes ambientais, como afirma Ian Urbina, em seu magnífico trabalho, Océanos sin Ley: “Diante da atenção despertada pelos vazamentos de petróleo desse tipo, a verdade é que muito mais combustível é lançado na água de propósito”.
Esse é o verdadeiro paradoxo, que, diante da vontade de regulamentar um novo crime contra a humanidade, há comportamentos que, de modo fragmentado e ao longo do tempo, produzem mais danos ambientais que os acidentes. Essa destruição cotidiana é autorizada pelos Estados, sob o amparo da avaliação entre o lucro econômico obtido e o custo médio ambiental que gera.
Portanto, o debate sobre a regulamentação do crime de ecocídio deve ser mais profundo e amplo para que seja mais eficaz, não apenas do ponto de vista político-moral, mas de um posicionamento que reconheça o vínculo que existe entre a proteção do meio ambiente e o sistema econômico, que permita superar o conceito de desenvolvimento sustentável e que avance na justiça ambiental e na sustentabilidade ecológica, dotando-nos com as ferramentas necessárias para responsabilizar aqueles que destroem o meio ambiente.
No entanto, o caminho não é fácil, em junho deste ano, um painel de especialistas compostos por doze advogados internacionalistas apresentou uma proposta de regulamentação do crime de ecocídio que não previa a possibilidade de atribuir responsabilidades penais às empresas. Quando foram questionados sobre o motivo de tal ausência, a resposta foi clara: não queriam assustar os Estados.
Pilar Rodríguez Suárez é advogada ambientalista e colaboradora de Ecologistas en Acción.