Lucas Zinet, para Le Monde Diplomatique
O cenário da luta contra a Crise Ecológica está cada vez mais emergencial e ao mesmo tempo mais difícil. De um lado, as condições climáticas do planeta se mostram cada vez mais hostis à vida humana na Terra, de outro, o fortalecimento da extrema direita à nível mundial aumenta as barreiras para o enfrentamento desse trem descarrilhado da civilização capitalista.
Extrema-direita e questão climática
O ano de 2024 foi, segundo pesquisadores da agência de monitoramento climático Copernicus, o ano mais quente da História, superando 2023 [1]. Diversos eventos extremos foram registrados no mundo todo. No Brasil entre o fim de abril e começo de maio parte significativa do Rio Grande do Sul ficou alagada, o mesmo foi visto no Quênia [2] onde mais de 200 pessoas morreram e cerca de 50 mil ficaram desalojadas. Na Espanha, a maior chuva do século foi registrada em outubro de 2024, interrompendo dezenas de vidas. Esses foram apenas alguns dos eventos catastróficos ocorridos no ano passado.
2025 não começou melhor, Trump assim que assumiu retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris (o que já tinha feito em seu primeiro governo) e decretou emergência energética em seu país [3], iniciativa que permite a intensificação da utilização de fontes fósseis de energia.
Em que pese o acordo ter limites para o combate profundo à crise climática e os EUA tampouco terem sido bons cumpridores das disposições e metas do Acordo de Paris, é preciso considerar que, por meio da medida, Trump estimula outras lideranças a fazer o mesmo. Milei, na Argentina, que desde 2024 vinha considerando sair do Acordo, deve concretizar a saída ainda este ano.
Trata-se de uma extrema direita que está mais forte, mais articulada e mais ecocida. Antes da posse de Trump, lideranças de todo mundo se reuniram e reafirmaram o compromisso com uma agenda que articula, entre várias coisas, negacionismo climático e aprofundamento de uma agenda econômica de intensa predação da natureza.
Ainda do ponto de vista das dinâmicas internacionais, é importante ter em mente que a extrema direita, mais do que nunca, tem as redes sociais sob seu domínio e a seu serviço. Nunca antes os bilionários da comunicação no mundo estiveram tão publicamente alinhados ao discurso da extrema direita e estimulando as redes sociais como território sem lei para todo tipo de opressão e fake news. Nesse cenário, as teorias negacionistas da crise ecológica devem ganhar ainda mais adeptos, não apenas entre bilionários, mas entre a população em geral.
Além disso, de modo direito, esses bilionários estão associados a dinâmicas extrativistas agressivas como no caso do Cobalto, minério utilizado para construção de equipamentos de tecnologia recarregáveis (smartphones eafins) e que tem impactos socioambientais bastante significativos no Congo, por exemplo [4]..
Brasil, COP e disputas internas
Diante do cenário descrito, o Brasil tem batalhas importantes.
É entendimento uníssono entre pesquisadores que a proteção de florestas tropicais em áreas demarcadas como Territórios Indígenas é intensamente maior do que em áreas não demarcadas. Essa questão é central para manutenção de dinâmicas climáticas que combatem eventos extremos e processos de desertificação de enormes regiões do país.
Caso a tese se consagre vitoriosa no STF ou no Congresso (há chance de aprovação de PEC que constitucionaliza o marco temporal) não apenas o bioma amazônico, mas todos os biomas brasileiros devem sofrer drásticas reduções nos próximos anos.
Nesse contexto internacional e nacional que haverá no Brasila COP em novembro deste ano. Antes de qualquer coisa, o governo federal enfrenta a descrença nos espaços internacionais de debates e acordo para o combate à crise climática. Não é de hoje que esses espaços demonstram insuficiência e contradições profundas. Controlados por países centrais que resistem em se comprometer com a reversão de dinâmicas econômicas predatórias, esses espaços estão cada vez mais influenciados por grandes corporações.
A COP 28, realizada no ano de 2023 foi presidida pelo sultão Al-Jaber, que é CEO da Adnoc, a empresa petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos. Nessa edição, o documento final aponta para uma “transição gradual para redução do uso” de combustíveis fósseis. Ou seja, no que diz respeito aos acordos internacionais, de um lado há abandono total da extrema direita, de outro há cinismo e manutenção de uma forma de produção e reprodução ecocida.
Nesse sentido, a contribuição possível da COP no Brasil é a sua construção como um espaço de articulação e fortalecimento de lutas socioambientais dos setores em luta no sul global.
Séculos de colonização e imperialismo resultaram na destruição de diversos biomas e a reprodução de um modelo econômico que torna os países do Norte os principais responsáveis pela elevação da temperatura da Terra e toda gama de dinâmicas da Crise Climática. A organização de setores em luta do Sul Global em torno das lutas socioambientais é central para o combate aos impactos do aquecimento global.
É preciso fortalecer iniciativas de articulação em torno dos povos indígenas, dos trabalhadores de atividades extrativistas, dos trabalhadores do campo que cultivam a partir da agroecologia, das comunidades organizadas contra obras de grande impacto e mais uma série de grupos que há décadas (quando não, séculos) vem se organizando contra o imperialismo ecológico que atravessa os Estados do chamado Sul Global.
A esse respeito, vale citar que no ano passado, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil junto com outras entidades de organização de diversas etnias, apresentou uma carta [6] ao Governo Federal em que demandava que a COP, geograficamente e politicamente referenciada na Amazônia, fosse presidida por uma pessoa indígena.
Desse ponto de vista, é importante reconhecer que, internamente, para que haja alguma chance da COP ser marcada politicamente por esse propósito, não é possível que no Brasil avance a política de exploração de petróleo do rio Amazonas e se aprofunde um processo de fortalecimento do agronegócio (o que definitivamente ocorrerá caso a tese do marco temporal avance).
O enfrentamento à Crise Ecológica exige (e exigirá cada vez mais) uma profunda ruptura com as entranhas de um sistema que tem como paradigma de desenvolvimento a acumulação, o consumo, a exploração do trabalho e a predação da natureza. Esse desafio exige coragem e audácia. Para os povos latino-americanos é necessário recuperar o espírito de solidariedade entre os povos e o anti-imperialismo que o presidente da Colômbia resgatou em recente confronto com Donald Trump.
Lucas Zinet é doutorando em Direito pela USP e mestre pela UFMG. É militante da Insurgência/PSOL.
Texto originalmente publicado em 29 de janeiro de 2025, na Le Monde Diplomatique.