A COP26 será uma importante feira comercial para uma série de negócios internacionais e tecnologias fantasiosas, um show bonito para enganar a Humanidade. O capitalismo é hoje um culto da morte e a COP é uma das suas principais celebrações.
João Camargo, Expresso, 28 de outubro de 2021
Alguém fez as contas(link is external) e os governos prometem aumentar as emissões de gases com efeito de estufa em 16% até 2030, em vez de cortarem o necessário para evitar os piores cenários (corte de 50% para manter aumento de temperatura abaixo dos 1,5ºC). Em 2021. Só colocando a discussão num patamar ridiculamente baixo – regras para o lucrativo mas inútil comércio de emissões, a raquítica e nunca entregue verba dos países mais ricos para ajudar a adaptação dos países mais pobres, enquanto os mantêm sobre o garrote das dívidas, acertar as datas dos cortes insuficientes que anunciam à imprensa – é que alguém poderá fazer uma avaliação final “positiva”. A COP26 será sempre um falhanço porque, como as suas antecessoras, foi construída para falhar.
As emissões globais de gases com efeito de estufa em 2021 vão ser apenas ligeiramente inferiores às de 2019. Apesar da forte queda de emissões em 2020, a concentração de CO2 na atmosfera não caiu, já que o gás fica lá até centenas de anos. Ainda assim, o Bill Gates aparece em milhares de milhões de anúncios de Youtube todos os dias para anunciar que serão os mercados a criar novas tecnologias mágicas para cortar as emissões até zero. Este discurso será repetido na COP em Glasgow, onde Gates deverá fazer companhia a governantes e outros bilionários, se entretanto estes não tiverem uma imprescindível viagem à lua marcada. Entretanto, o assunto da cimeira, as alterações climáticas, dará um passo atrás para o espectáculo de cores e luzes que é a liderança do capitalismo global dizer à Humanidade e a todas as gerações futuras que terá "mais ambição". O que está previsto, segundo os seus planos, é o colapso. O único grande desacordo parece ser sobre a data.
Não há qualquer plano realista para cortar as emissões de gases com efeito de estufa para cumprir sequer o Acordo de Paris. Em qualquer país do mundo. Faltaria depois a árdua tarefa de passar do plano para a realidade.
O assunto do financiamento por parte dos países ricos aos países pobres para adaptação aos piores efeitos da crise climática arrasta-se desde muito antes do Acordo de Paris, desde a COP em Copenhaga. Mesmo quando há acordo, a transferência acaba sempre por ser uma fração do acordado e nunca chega no tempo certo. Deveriam ter sido 100 mil milhões por ano, todos os anos, até 2020, apesar de ser obviamente pouquíssimo. Claro que os países ricos acharam que isto devia ter a forma de empréstimos, para aumentar as dívidas neocoloniais. No ano em que mais se emprestou, não chegou aos 80 mil milhões(link is external).
Entretanto, milhares de novos projectos fósseis – sejam novos poços, infraestruturas, gasodutos e oleodutos, novos aeroportos e autoestradas – continuam a ser prioridade de investimento para os governos e empresas, para selar definitivamente o destino da Humanidade na catástrofe. O hábito é uma coisa terrível. Os combustíveis fósseis receberam 554 mil milhões de dólares por ano em 2017, 2018 e 2019. Esta é a ambição que conta no que diz respeito à crise climática.
A possibilidade da resolução de qualquer aspecto da crise climática na COP26 é anedótica. Será, no entanto, uma importante feira comercial para uma série de negócios internacionais e tecnologias fantasiosas, um show bonito para enganar a Humanidade. O capitalismo é hoje um culto da morte e a COP é uma das suas principais celebrações.
Sobra a única coisa relevante que há muitos anos se mantém: a Cimeira dos Povos(link is external), onde as articulações internacionais entre o movimento social global se fortalecem. Entre 7 e 10 de Novembro, em Glasgow e online, o movimento pela justiça climática vai usar esse espaço para preparar-se para a sua tarefa: travar o colapso. Em 2021 isso implica derrubar este sistema.