Várias informações precisam ser produzidas no Brasil e algumas respostas precisam ser dadas às seguintes questões: Qual foi o nível de exportação dos grandes frigoríficos brasileiros? Quantos trabalhadores destes frigoríficos morreram durante a pandemia?
José Rodrigues Filho, IHU-Unisinos, 21 de maio de 2022
O Congresso dos Estados Unidos acaba de divulgar relatório mostrando que no auge da Covid-19, o lobby da indústria de carnes, representado por grandes empresas tais como Tyson Foods, Smithfield Foods, JBS, Cargill e National Beef enganou o governo de Donald Trump e conseguiu o bloqueio de medidas de saúde pública que poderiam ter salvado muitas vidas durante a Pandemia.
A enganação foi de que as medidas de restrições da Covid-19 não deveriam atingi-las, sob pena de desabastecimento de carne no país. Porém, pelo que foi divulgado, o mercado interno dos Estados Unidos não sofria nenhum risco de desabastecimento. Atiçando o medo, o que os produtores de carne queriam mesmo era não parar suas atividades, visando grandes lucros com volumosas exportações de carne para a China. Assim sendo, conseguiram o bloqueio de medidas de saúde pública, quando muitas mortes se tornaram obscuras para as autoridades de saúde.
A ordem proposta pelas empresas Smithfield e Tyson era uma tentativa ostensiva de anular os órgãos de saúde pública e forçar os trabalhadores destas empresas, que em geral são imigrantes e refugiados, a continuarem trabalhando sem as proteções adequadas, enquanto se mantinha a blindagem delas de ações judiciais. O presidente do subcomitê do Congresso americano, James Clyburn, condenou a conduta dos executivos destas empresas e aliados do governo como vergonhosa.
O relatório mostra o quanto foi intenso o esforço dos executivos destas empresas e de representantes do governo Trump em parar as medidas de segurança e saúde pública como em dissuadir os trabalhadores da ideia de ficarem em casa com medo da Covid-19. Tais empresas pediram que o Presidente Trump ou seu vice transmitisse para os trabalhadores que “ter medo da Covid-19 não é uma razão para deixarem o trabalho e se tornarem elegíveis para benefícios de desemprego”.
Estas perversidades desumanas não estão alinhadas com os valores de uma sociedade civilizada e tais empresas colocaram os lucros acima da segurança de seus trabalhadores. Numa das manifestações de trabalhadores da JBS, em junho de 2020, observa-se o que está escrito num dos cartazes: “JBS cuida mais de seus lucros do que de seus trabalhadores”.
À medida que a Covid-19 se expandia, os produtores de carne foram informados sobre o elevado risco de transmissão em suas instalações. A situação chegou a tal ponto que um médico do setor de saúde, próximo das instalações da JBS, em Cactus, Texas, escreveu um e-mail para um dos executivos da empresa dizendo: “100% de todos os pacientes com Covid-19 que temos no hospital são seus empregados ou membros da família deles”, alertando que “seus empregados ficarão doentes e podem morrer, se esta fábrica continuar aberta”.
Portanto, o relatório, com mais de 150 mil páginas de documentos coletados da indústria de carne, mostra um quadro assombroso de um setor que inclui matadouros e fábricas de processamento, sendo um dos mais lucrativos e perigosos nos Estados Unidos. É um monopólio de negócios, representado por meia dúzia de multinacionais poderosas, dominando a cadeia de suprimentos que, mesmo antes da Covid-19, já produziam péssimas notícias para os fazendeiros, trabalhadores, consumidores e bem-estar dos animais.
A JBS tem suas origens no Brasil, tendo a sua expansão se dado com financiamento de recursos públicos do BNDES, juntamente com outros grandes frigoríficos do país. Não se tem ainda uma análise dos custos e benefícios dos bilhões de reais que irrigaram o crescimento dos grandes produtores de carne no Brasil.
A CPI da Covid levantou várias denúncias contra a gestão da Pandemia no país, mas deixou de fora os produtores de carne, quando se sabe que podem ter contribuído e muito para disseminar o vírus. Não se sabe ainda dos resultados de várias denúncias da justiça do trabalho contra a JBS e, até que ponto, os órgãos públicos facilitaram suas atividades de exportação, como aconteceu nos Estados Unidos.
Várias informações precisam ser produzidas no Brasil e algumas respostas precisam ser dadas às seguintes questões: Qual foi o nível de exportação dos grandes frigoríficos brasileiros? Quantos trabalhadores destes frigoríficos morreram durante a pandemia? Será que os grandes frigoríficos priorizaram o aumento de produção em detrimento da saúde da população brasileira durante a Pandemia? Será que estas empresas cumpriram com as restrições de saúde pública? Estas e outras questões precisam ser respondidas pelos órgãos públicos.