Luiz Fernando Rosa, 13 de maio de 2021
É 13 de maio, libertação dos negros escravizados. Porém, nessa data que a tanto se apregoa a importância de uma mulher branca para a libertação da população negra, nada se diz sobre os movimentos que essa mesma população fez para o fim da escravização das pessoas pretas. Além disso, pouco se reflete nesta data sobre os impactos do racismoestrutural na vida da população negra e as políticas de morte do estado.Enquanto escrevo esse texto, 27 pessoas do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, foram mortas em uma ação militarizada da polícia militar. Eu espero que a justiça caia sob a cabeça desses homens de violência autorizada, não a justiça burguesa, mas a justiça do povo. Esse texto é para pensarmos o 13 de maio de uma perspectiva de ruptura e, se possível, de engajamento.
Da criação raça
Quando nos deparamos com o termo raça, em um primeiro momento, nos vem à mente a questão classificatória que utilizamos para estabelecer diferençasbiológicas entre animais e plantas, e socialmente falando, entre pessoas.Assim, as relações raciais sociais se desenvolvem materialmente na história daorganização econômica e política das sociedades contemporâneas.
Logo, o conceito de raça foi forjado para sustentar, e tentar explicar, a contradição da subjugação dos povos ameríndios e negros por meio do colonialismo. Universaliza-se então o homemracional para operar o seu ciclo de necropolítica. Essa classificação foi, e é,o pilar tecnológico do colonialismo europeu e da opressão dos povos do terceiromundo por meio do imperialismo, principalmente nas Américas e na África.
É importante compreender que esse dispositivo, como nos ensina o filósofo Silvio Almeida [1], tinha como objetivo estabelecer as sociedades europeias como superiores emrelação aos povos dominados.
Raça, instrumento de escravização
Todo mundo sabe que a escravização de grupos diferentes entre si remonta à antiguidade, uma vez que, a mão de obra escravizada, era a principal forma de trabalho e objeto de comercializaçãodessas antigas civilizações. No entanto, diferente do colonialismo europeu,naquela época, as populações escravizadas eram, em sua maioria, espólios deguerra ou indivíduos pertencentes às classes mais baixas de sua sociedade.
Chegando ao século XVI, com a expansão marítima e do tráfico negreiro, a escravização dos povos de África passou a favorecer a exploração econômica das Américas. Assim, para justificara dominação desses povos que era fortemente pautada na raça, os europeus adotaram o discurso de civilizar esses grupos e, ainda, salvá-los espiritualmente, a partir do cristianismo.
Assim, com uma mão de obra que nãonecessitava de pagamento e, muito menos, do básico para a sobrevivência, a Europa utilizou de forma arbitrária esses grupos para o desenvolvimento de suascolônias nas Américas.
No Brasil, o povo negro foi escravizado durante, aproximadamente, 300 anos e no dia 13 de maio de 1888, a escravidão foi oficialmente abolida por aqui.
Notas sobre a Lei Áurea
Com as revoluções Francesa e Americana, em meados do século XVIII, e impulsionado pelos ideais de liberdade que essas revoluções propagavam, o movimento abolicionista ganhou força aoredor do mundo no século XIX. Porém, esses ideais traziam um forte carátereconômico por trás e nem um pouco humanistas. Na mesma época, a RevoluçãoIndustrial, ovo do capitalismo, expandia o seu mercado consumidor e alterava,minimamente, as relações de trabalho.
A Inglaterra, que chocaria o ovo da serpente liberal, tinha como objetivo expandir o seu mercado para o Brasil, porém precisava que a sociedade brasileira tivesse mais consumidores, ou seja,de operários e trabalhadores livres. Dessa forma, em 1807, os ingleses proibiram o tráfico com a Lei Aberdeen e, ainda, podiam prender e punir osnavios negreiros que fossem encontrados.
Embora houvesse essa pressão inglesa, o governo brasileiro pouco fazia para diminuir o tráfico de pessoas negras escravizadas. Algumas leis até foram criadas na época, porém não eram muitorespeitadas. O movimento abolicionista, que lembrem-se, não tinha ideais humanistas por trás, ganhou força após a Guerra do Paraguai.
Com a pressão inglesa, a pressão sobre o mercado aumentou e o preço das pessoas escravizadas aumentou. Assim, os países europeus passaram a incentivar a imigração da população europeias pobree, dessa forma, os fazendeiros passaram a contratar aquela mão de obraassalariada pois era mais barato do que os custos de um negro escravizado.
Ligado a essas questões econômicas, haviam também, os aquilombamentos que tiveram papel importante na resistênciada população negra e que impactaram, de certa forma, para o fim da escravidão. [2]
Pouco antes do fim da subjugação da população negra, algumas outras leis foram sancionadas como: a Lei do Ventre Livre (1971), que concedia a liberdade a filhos de mães escravizadas, massomente aos 21 anos para os homens e 16 para as mulheres; A Lei dosSexagenários (1885), que libertava as pessoas pretas que chegavam aos 60 anos -isso para uma população que tinha, em média, entre 19 e 29 anos de expectativade vida; e, por fim, a Lei Áurea, ou a Lei de Ouro, que findou um ciclo de exploração da população negra, para dar início a outro.
Fim da escravidão e liberdade
O fim da escravização dos povos oriundos de África e de brasileiros negros não significou liberdade plena, essa população foi jogada e relegada à marginalidade da sociedade pré capitalista eo Estado burguês criou diversos empecilhos para a estratificação desse grupo.
Por exemplo, enquanto os imigrantes europeus ganharam concessões estatais para a criação de colônias, a população negra não ganhou nada. Em 1850, a Lei de Terras foi criada e desenvolvida paraque pretos não conseguissem ter acesso à terra. A lei acabava dando direito aoestado distribuí-las mediante pagamento, porém, para que uma pessoa pudesseadquirir esse bem, em um primeiro momento, ela deveria ser livre e ainda despenderuma alta quantia monetária para adquirir a terra. Como dito anteriormente, diferentemente dos imigrantes europeus, a população negra não recebeu nenhuma concessão e isso acabou favorecendo os latifundiários.
Surge então, na sociedade brasileira, os brasileiros de segunda classe, aqueles que por não representarem o ideário do homem-branco-burguês-heteronormativo,são relegados aos trabalhos de segunda linha. Gostaria de destacar ainda, quenesse momento, o capitalismo estrutura as opressões que passam a ser objeto demanutenção desse sistema. Logo, o racismo não é uma estrutura fria ou solta noespaço, como diriam alguns liberais de esquerda, ele é estrutura fundamental do capitalismo.
Para finalizar esse tópico, Florestan Fernandes nos ensina que ainda na década de 70, cinquenta anos atrás, a população negra ainda se encontrava excluída e marginalizada após a abolição. Em um estudo sobre a inserção do negro nasociedade de classes, ele evidencia que apesar de quase cem anos de distância,o povo preto ainda ocupava espaços de subalternidade e marginalização.Recentemente, o último estudo do IBGE revela que mais de 100 anos não foram o suficiente para sarar as feridas sociais do estado para com o nosso corpo. A população negra no Brasil ainda tem os piores salários (cerca de 57% a menos do que ganha um homem branco), tem menos acesso a educação de qualidade, e é a que mais morre, principalmente, nesse último ano, de coronavírus.
Uma dívida que nunca foi paga
Dessa forma, compreendemos que há uma dívida histórica que nunca foi paga, e algumas tentativas pífias foram tomadas, porém sem surtir grande efeito nas massas. Do que adianta políticas públicas que não mexem diretamente na estrutura do problema? A população negra no Brasilmorre todo dia, não só pela arma de fogo de um policial [3] despreparado e autorizado a violência, morre-se também pela falta de leito emUTI, pela fome, pela falta de oportunidade, e por diversas outras que estãointerligadas a falha e a omissão do estado brasileiro.
Assim, devemos refletir o 13 de maio de forma crítica para que possamos superar o estado capitalista ao qual nos acorrentaram, e conquistar uma liberdade plena e de garantia de direitos. Devemos repensar a luta antirracista que o movimento negro de mercado tem feitoe compreendermos que o ser negro está ligado a nossa realidade material, e nãoem um sentido ontológico extremamente subjetivo. Devemos entender de vez que aluta antirracista, assim como nos ensina Angela Davis, está estritamente ligada a luta anticapitalista e que enquanto esse sistema perdurar, estaremos relegados a própria sorte. Temos que ocupar os parlamentos, para que possamos conquistar direitos e pararmos de apenas defendê-los, está na hora de atacar. Vamos eleger mulheres negras socialistas que tenham como objetivo a ruptura com esse sistema que tanto nos oprime e nos silencia. Só assim, então, iremos alçar voo em direção a um humanismo radical e nos tornaremos, enfim, livres.
Luiz Fernando Rosa é um insurgente nascido e criado nas periferias de Curitiba, finalizando o curso de Letras Português na UTFPR. Atuou em escolas do estado por meio do PIBID Interdisciplinar e trabalhou como professor de textos na ONG Em Ação. Foipresidente do DCE UTFPR Curitiba, é participante ativo do Coletivo Enedina daUTFPR e militante do PSOL Curitiba. Adora cinema, RAP, Naruto e literatura. É editor na Kotter Editorial e redator do projeto #possofazerdiferente.
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Referências
Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil - InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: bge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf>
Racismo Estrutural - Sílvio Almeida
Pequeno Manual Antirracista - DjamilaRibeiro
Pele Negra, Máscaras Brancas - FrantzFanon
No País do Racismo Institucional: dezanos de ações do GT Racismo no MPPE - Fabiana Moraes
As intersecções entre o racismoestrutural e a necropolítica - Thiago Teixeira
A integração do negro na sociedade declasses: O legado da "raça branca." - Florestan Fernandes
Históriado negro brasileiro - Clóvis Moura
Mulheres,Raça e Classe - Angela Davis
Esquerdismo:Doença Infantil do Comunismo - Vladimir Lenin
Notas
[1] RacismoEstrutural, Silvio Almeida, 2019.
[2] Destaca-se aqui o Quilombo dos Palmares que alcançouquase cem anos de existência e abrigou uma população de quase 20 mil pessoas. (Angola Janga - o que Palmares e ocomunismo têm em comum?)
[3] A Luta de Classes na Polícia Militar.