Dani Monteiro é deputada estadual, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj e militante da Insurgência/IV Internacional
Há exatos seis meses, no dia 6 de maio, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro deflagrou a Operação Exceptis, na favela do Jacarezinho, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O resultado da ação, coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), não poderia ter sido mais trágico: além de um policial, morreram outras 27 pessoas, no que se transformou na maior chacina da história desse estado, onde não se curam as feridas causadas pela violência.
O rastro do sangue desestruturou famílias, enlutou a comunidade onde se escancara o desamparo, expôs as fragilidades e equívocos de um sistema e uma política de segurança que deveriam nos proteger e resguardar a todos.
O policial civil André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos, foi baleado na cabeça logo no início da ação, que contou com a participação de 250 policiais civis, quatro veículos blindados e duas aeronaves. Não houve recuo. O tiroteio intenso e mortal seguiu manhã adentro e invadiu a tarde. Pessoas armadas ocuparam lajes e telhados da comunidade; agentes policiais avançaram por entre as ruas, becos e vielas. O cenário aterrador se estendeu até por volta das 14h.
Todos os mortos tinham nome e sobrenome, as mães não esquecem. Segundo a Secretaria Estadual de Polícia Civil, em resposta ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, “a operação teria se iniciado em razão de investigações acerca do aliciamento de crianças e adolescentes para integrar o Comando Vermelho, organização que atuaria em atividades como tráfico de drogas, roubo de cargas, assaltos a pedestres, homicídios e sequestros de trens.”
Há muito mais a ser dito e esclarecido. A Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Segurança Pública da Alerj elaboraram, a partir da realização de audiências públicas sobre as consequências da Operação Exceptis, um relatório em que são apontados indícios de irregularidades e mesmo crimes no âmbito da ação policial no Jacarezinho. Ressalto aqui dois pontos importantes.
O primeiro deles é que, na lista de mortos, como apontamos no documento, somente três eram alvos de mandados expedidos pela Justiça e cujos cumprimentos justificavam a operação. É no mínimo questionável a proporcionalidade entre a finalidade e a força e os recursos empregados na ação. Vale lembrar que o Brasil não tem pena de morte instituída, e, como assegura o Art. 5º,XLVII, alínea a, da Constituição Federal, é direito fundamental de qualquer cidadão o devido processo, assegurados a ampla defesa e o contraditório, perante um órgão judicial imparcial.
Na esteira da legalidade, ressaltamos também que, em junho de 2020, o ministro Edson Fachin, do STF, julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que impede as operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia de covid-19, salvo em casos excepcionais. As circunstâncias, no entanto, reforçam não somente a suspeita de descumprimento da decisão do Supremo, mas sugerem uma afronta à suprema corte por parte de agentes públicos, como o próprio nome com que foi batizada a Operação Exceptis sugere.
Se nos interessa como sociedade que tragédias como essa não se repitam, precisamos agir. E as ações devem partir do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Como recomendamos no relatório, a tarefa é de todos: do Ministério Público Federal e do Estadual; das secretarias de Polícia Civil, de Polícia Militar e de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos; da Assembleia Legislativa; do governador do estado. Que todos encaremos com seriedade o desafio de tornar o Rio menos letal.