A pandemia mostra a fragilidade tanto das governanças nacionais como da global. Por um lado, uma Organização Mundial da Saúde mais forte e melhor conduzida poderia ter sido mais eficaz em reunir e difundir informação e em desenvolver terapias e vacinas. Mas, o que é ainda mais importante, muitos governos nacionais – o governo federal dos Estados Unidos, em particular – administraram muito mal a crise.
Guillermo Gutter entrevista Dani Rodrik, La Voz de Asturias, 13 de outubro de 2020. A tradução é do Cepat.
A ata do Prêmio Princesa de Astúrias de Ciências Sociais dizia: “Seus estudos enfatizam a necessidade de melhorar o governo da globalização, um assunto de grande relevância em um tempo em que o multilateralismo está em questão”. Concorda com este ponto de vista?
Precisamos de maior governança da globalização, tanto no âmbito local como no internacional. Penso que muitos países começaram a pensar na globalização econômica - competitividade internacional e fluxo de capitais - como em um fim em si mesmo, mais do que em um meio para conseguir economias e sociedades exitosas. E isso gerou de alguma maneira prioridades equivocadas, com muito pouca atenção ao que deve ser feito localmente para construir um modelo econômico inclusivo e exitoso. A gestão da economia local se tornou refém da globalização, ao invés da globalização servir às necessidades da gestão da economia local.
Você escreveu sobre o fenômeno da globalização há mais de 20 anos. Considera, agora, que sua análise foi correta? Qual é a diferença entre o mundo de 2020 e o que você imaginou em 1997?
Quando escrevi “A Globalização foi longe demais?” (Has Globalization Gone Too Far?), em 1997, era o pico da febre globalizante. A globalização fretaria todos os navios e enriqueceria todas as nações. E, de qualquer forma, era inevitável, de modo que não fazia sentido tentar controlá-la. Eu ressaltei que tanto a teoria como a história econômica podiam oferecer uma narrativa mais ponderada sobre as prováveis consequências da globalização avançada. Haveria ganhadores e perdedores, e tensões crescentes entre eles. Haveria também conflito entre os valores dos globalistas e os partidários dos acordos locais e a diversidade institucional. Considero que estes conflitos aconteceram. [Donald] Trump, sua guerra comercial e os desafios econômicos que a China apresenta são consequências de termos visto nossos acordos econômicos internacionais por meio de lentes que eram muito coloridas.
Em que consiste o paradoxo da globalização?
É realmente um trilema, mas meu editor pensou que não se podia colocar o termo trilema em uma capa! Disse que não pode haver democracias responsáveis, soberania nacional e hiperglobalização ao mesmo tempo. Uma das três precisa se render. Para a União Europeia, especificamente, significa o seguinte: Se queremos sustentar a democracia na União Europeia, precisamos alcançar ou bem uma integração política muito mais intensa entre estados ou uma integração econômica muito menor. Em outras palavras, é uma alternativa entre renunciar à soberania nacional ou abandonar elementos do mercado único da união monetária. Enquanto a União Europeia não tomar uma decisão, a democracia estará em perigo.
O que podemos aprender sobre a pandemia de covid-19? Somos suficientemente fortes, como sociedade global, para enfrentar isto ou até mesmo algo pior?
Penso que a pandemia mostra a fragilidade tanto das governanças nacionais como da global. Por um lado, uma Organização Mundial da Saúde mais forte e melhor conduzida poderia ter sido mais eficaz em reunir e difundir informação e em desenvolver terapias e vacinas. Mas, o que é ainda mais importante, muitos governos nacionais – o governo federal dos Estados Unidos, em particular – administraram muito mal a crise. A covid é uma chamada de atenção para uma melhor liderança de governo a nível nacional.
De certo modo, você previu o retorno do populismo como uma resposta a alguns desajustes econômicos e sociais: Trump, Bolsonaro, Johnson, talvez Putin... Era inevitável esse desdobramento político?
Penso que uma reação populista era muito provável, embora não inevitável. Foi o resultado de desigualdades crescentes em muitos países - e até mesmo onde a desigualdade não necessariamente cresceu -, do aumento da incerteza econômica, de espremer a renda da classe média e do desaparecimento dos trabalhos bons. Estas últimas tendências foram bastante universais.
O que estava menos claro é como a reação viria da direita ou da esquerda do espectro político. Por vários motivos, a esquerda demorou a dar respostas. Sendo assim, foi a ala direita do populismo que tirou vantagem da ansiedade econômica e social produzida por nossas políticas em tecnologia, globalização e mercados em geral.
Enxerga algum paralelismo com os anos 30, do século passado, ou estamos em um mundo completamente diferente?
Sim, há alguns paralelismos, mas não acredito que as coisas caiam tão baixo. Aprendemos algumas lições da Grande Depressão. Por exemplo, a resposta fiscal à pandemia foi rápida e muito mais efetiva. De forma similar, temos uma interdependência econômica muito maior e é improvável que ocorra um colapso total do comércio. O cenário ruim de hoje consiste muito mais em como abrir passagem, mais do que um desastre das proporções dos anos 30.
Você está preocupado com alguma situação internacional, em concreto?
A mudança climática e o conflito entre os Estados Unidos e China são dois desafios inflamados que precisam ser abordados. Os roteiros de pesadelo em ambos os casos são muito espantosos para considerá-los: o desastre ambiental e a guerra nuclear, respectivamente.
Em 1900, a população mundial era de 2 bilhões de pessoas. Atualmente, alcançamos os 7,8 bilhões. Quanto ainda a população pode crescer e quais seriam as consequências, considerando previsões mais altas ou mais baixas?
Eu não vejo que o crescimento da população seja necessariamente um problema. Afinal, um desenvolvimento econômico exitoso tem como consequência uma redução da taxa de fertilidade. Isto ocorreu em muitos países que eram pobres há poucas décadas. O desafio é garantir que os países de baixa renda na África, Ásia e América Central tenham oportunidades para se desenvolver.
Há alguns anos, o movimento ambientalista está crescendo rapidamente, especialmente entre os jovens. Está mudando o modelo?
Espero que os jovens de hoje sigam lutando por políticas ambientais mais responsáveis. Essa é, realmente, nossa única esperança.
Isso são boas ou más notícias para a economia?
A mudança climática é o exemplo mais importante do que os economistas chamariam de “externalidade negativa”. Por sorte, a economia e a energia política da juventude estão completamente alinhadas neste caso. Isso são boas notícias!