O "derrotismo revolucionário" é uma posição de princípio: diante de uma guerra imperialista travada por sua burguesia, os marxistas revolucionários têm como linha de atuação a transformação da guerra em revolução. Eles são, portanto, pela derrota de seu próprio lado, pela derrota de seus próprios exploradores capitalistas. Eles explicam à população que a propaganda desta última é apenas uma máscara, que os verdadeiros objetivos da classe dominante são objetivos de rapina, de conquista de mercados e colônias, e que a realização destes objetivos será sempre às custas da classe trabalhadora. O derrotismo revolucionário é a orientação adotada por Lenin durante a guerra de 1914-18; ele abriu efetivamente o caminho para a revolução na Rússia e na Alemanha.
Daniel Tanuro, Europe Solidaire Sans Frontière, 23 de março de 2022
O derrotismo revolucionário se aplica no caso da guerra na Ucrânia? Sim e não. Aplica-se ao lado russo, porque a guerra iniciada por Putin é claramente uma guerra de agressão imperialista. O objetivo é quebrar pela força o direito à autodeterminação do oprimido povo ucraniano. O objetivo é criar uma potência fantoche para restaurar o domínio colonial que o império czarista exerceu sobre o povo ucraniano e, por sua vez, sobre os outros pequenos povos periféricos da Rússia. A tarefa da esquerda russa é combater esta guerra de ladrão imperialista, e assim trabalhar pela derrota de sua própria classe dominante, pois esta derrota abrirá o caminho para uma possível mudança revolucionária.Mas a situação é bem diferente do lado ucraniano. A guerra aqui não é imperialista, é uma guerra de autodefesa. Seu objetivo é proteger o direito do povo ucraniano de existir como uma nação autônoma, como uma nação que se administra e escolhe seus próprios líderes. Se esta autonomia é mais ou menos imperfeita não é a questão aqui: é claramente este próprio princípio que Putin quer destruir pela força, e ele está usando meios bárbaros, de uma brutalidade tipicamente imperialista. A grande maioria do povo ucraniano está se mobilizando e se organizando para resistir à agressão de mil maneiras diferentes.
Esta resistência não só é legítima, mas também assume a forma de auto-organização, na qual as classes trabalhadoras desempenham um papel de liderança. Defender o derrotismo aqui não é revolucionário, mas sim contra-revolucionário. A tarefa dos socialistas revolucionários nesta situação é participar da resistência popular, dando-lhe uma orientação social, democrática e internacionalista (contra o ódio ao russo, por exemplo).
E além do teatro de operações, que linha devemos tomar? Parte da resposta a esta pergunta deve ser dada a partir do diagnóstico da natureza da guerra. Um povo que luta contra sua dominação imperialista colonial deve ser apoiado em sua resistência em todas as suas formas, assim como o povo antiguerra no campo do agressor deve ser apoiado. Isto é fundamental. Mas outra parte da resposta deve levar em conta o fato de que o imperialismo "ocidental" está manobrando para aproveitar a luta do povo ucraniano em sua rivalidade crescente com a aliança emergente entre o imperialismo chinês e russo, e o fato de que esta rivalidade crescente pode de fato levar a uma guerra mundial nos próximos anos.
Em tal guerra mundial, o derrotismo revolucionário seria certamente a estratégia correta. Entretanto, argumentar que existe o perigo de uma futura guerra mundial a fim de forçar o povo ucraniano a desistir de sua justa luta é iníquo, e é de fato o resultado de uma mentalidade imperialista e colonialista mesquinha e burguesa. Para a esquerda ocidental, isto equivale a impor à resistência popular ucraniana uma linha contra-revolucionária de capitulação, na esperança de "salvar a paz" através da diplomacia. A esperança de que o "diálogo" entre os bandidos capitalistas permita preservar "nosso" conforto não esta na obrigação de construir uma perspectiva revolucionária de luta contra a ameaça de uma guerra anti-imperialista.
Desde o início do caso ucraniano, eu retomei esta fórmula cujo autor esqueci: existem dois níveis de conflictualidade. Um conflito está aberto, o outro ainda está latente, mas sem dúvida está crescendo. Como lutar contra este segundo nível é a questão. A resposta deve consistir, por assim dizer, em antecipar a estratégia do derrotismo revolucionário. Como podemos fazer isso? Recusando qualquer sacrifício, qualquer austeridade, qualquer paz social que a classe dominante aqui gostaria de impor sob o pretexto da guerra na Ucrânia, em particular para aumentar os orçamentos militares. Exigir que a conta da guerra seja paga não apenas pelos oligarcas russos, mas também por nossos oligarcas. Impor que os métodos usados para identificar as fortunas desses oligarcas russos sejam usados contra os "nossos" paraísos fiscais. Virar o acolhimento dos refugiados ucranianos contra a odiosa política colonial e racista de asilo do "nosso" imperialismo. Apoiar a demanda pela abolição da dívida ucraniana e de todas as dívidas dos países dominados. Lutar pela expropriação dos magnatas do setor energético (que estão ficando escandalosamente ricos) e pela socialização do setor, a única maneira de deter a catástrofe climática. Tomar medidas anticapitalistas contra os especuladores que lucram com o crescimento do trigo, etc, etc.
Não se pode, por um lado, invocar a retórica anti-capitalista de Jaurès (o capitalismo traz a guerra dentro de si mesmo...) e, por outro, imaginar que a ameaça de uma futura guerra imperialista interina poderia ser eliminada por uma negociação que satisfizesse pelo menos parte das exigências imperialistas de Putin (a idéia "brilhante" de Chomsky...) às custas do povo ucraniano. Esta ameaça de guerra só pode ser evitada pela luta de classes cuja força potencial é demonstrada pela corajosa resistência do povo ucraniano. A ameaça de guerra deve ser enfrentada com a guerra de classes. É nisto, e não na esperança de uma nova Ialta, que consiste o acúmulo dos debates entre marxistas sobre a guerra imperialista.