Seca extrema na Europa, canículas, efeito bola de neve entre os fatores da crise climática, risco de modificação brutal da circulação oceânica com consequências incalculáveis.
Daniel Tanuro, Esquerda.net, 20 de agosto de 2022
É inútil, no quadro deste artigo, dissecar os factos e números que demonstram a gravidade extrema da seca que atinge o continente europeu. Mesmo quem siga pouco as notícias viu as imagens assustadoras do rio Pó seco, do Loire reduzido a um fio de água, do Tamisa seco na nascente e ao longo de oito quilómetros, do Reno tão baixo que a navegação se tornou impossível… Esta situação sem precedentes é o resultado de um grave deficit de precipitação, acumulado desde o fim do inverno, depois de vários anos consecutivos de seca. A água tornou-se rara e, em algumas regiões, muito rara.
Também é inútil alinhar aqui os dados sobre a canícula. É dizer pouco quando na televisão se afirma que as temperaturas “são superiores às médias da época”: ultrapassam-nas em muito. A marca dos 40°C foi ultrapassada várias vezes em muitas regiões – incluindo regiões com clima marítimo temperado, como a Grã-Bretanha. Evidentemente, a canícula agrava a seca. A combinação atual dos dois fenómenos é excecional pela sua amplitude geográfica, a sua intensidade e a sua duração.
Abordaremos brevemente três pontos: as explicações e a sua causa, a evolução possível e as políticas a implementar.
Explicações e causalidade
Comecemos pelas explicações. Vamos referir-nos utilmente a um bom artigo de divulgação publicado na página da RTBF-Info. [1]. Este explica com simplicidade e apoiando-se em esquemas como o desdobramento do jato polar envolve um anticiclone (uma área de alta pressão) numa região geográfica, de modo que uma massa de ar quente fica permanentemente bloqueada acima dela. A articulação do desdobramento do jato com a deslocação para norte do anticiclone dos Açores é alvo de um debate entre os cientistas. Como diz o autor daquele artigo: para alguns, “é o anticiclone que provoca o desdobramento do jato”; para outros, “é o desdobramento que favorece a subida do ciclone”. Uma coisa é certa: “o desdobramento é uma realidade que faz crescer nas nossas latitudes a amplitude dos períodos secos e quentes.
Outra certeza: não há dúvida que o aquecimento do planeta é a causa subjacente ao desdobramento do jato. De facto, a estabilidade deste é condicionada pelo diferencial de temperatura entre o polo e o equador. Como o aquecimento no Ártico é maior do que a média global, o diferencial enfraquece-se e o jato torna-se mais irregular, mais lento, mais caprichoso, o que pode conduzir ao seu desdobramento.
Canícula e seca são assim muito claramente atribuíveis às alterações climáticas sobre as quais o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, IPCC, emite avisos desde há trinta anos. Segundo o seu último relatório, “é virtualmente certo que a frequência e a intensidade das vagas de calor aumentou desde 1950 ao nível global e continuará a aumentar no futuro ainda que o aquecimento global tenha estabilizado em 1,5°C”. O relatório precisa que “a conjugação da vaga de calor e da seca provavelmente aumentou” e que “esta tendência vai continuar”. No que diz respeito à Europa, o relatório projeta (com um alto nível de confiança) um aumento das inundações pluviais no nordeste do continente e um aumento das secas na região mediterrânea, com a redução das precipitações estivais no sudeste.
Não estamos assim perante nenhuma surpresa: a realidade observada está em conformidade com as projeções científicas. Exceto, e isto não é um pormenor, que as ultrapassa de longe. Por muito.
Na realidade, tudo está a acontecer mais rápido do que indicavam os modelos matemáticos. Os climatólogos entrevistados pela imprensa não escondem a sua surpresa face a temperaturas que ficam subitamente 4° ou 5°C acima das médias da época. Tais extremos eram esperados à volta de 2030 ou mais tarde – no caso dos governos continuarem a não fazer (quase) nada.
É preciso ter isto em mente para abordar o segundo ponto: a evolução possível.
O que o futuro nos reserva ou arrisca reservar
Como outros, chamei frequentemente a atenção para uma publicação científica muito recente e que causou muito impacto [2]. Assinada pela sumidades na matéria, trata das retroações positivas do aquecimento (dito de outra forma os efeitos do aquecimento que favorecem o aquecimento). A sua originalidade está em examinar a forma como estas retroações positivas poder-se-iam alimentar umas às outras num efeito de bola de neve ou de reação em cadeia.
A citação seguinte é cristalina: “as retroações em cadeia poderiam levar o sistema terrestre a um limite planetário que, se for ultrapassado, poderia impedir a estabilização do clima em temperaturas altas intermédias e provocar um aquecimento contínuo em direção a um “planeta estufa” mesmo se as emissões humanas forem reduzidas”.
Segundo os autores, o processo poder-se-ia desencadear a um nível de aquecimento relativamente baixo, entre +1°C e +3°C.
Uma das retroações mais suscetíveis de desencadear o processo é a desestabilização da calota glaciar da Gronelândia. Esta calota constituiu um ponto de fragilidade particular. Os especialistas estimam que o ponto de inflexão para a sua desintegração esteja entre +1° (+1,5°C de acordo com o IPCC) e +3°C de aquecimento médio. Estaríamos, portanto, já na zona de perigo, ou em processo de aproximação em alta velocidade (se as políticas se mantiverem inalteradas, +1,5°C será ultrapassado antes de 2040, segundo o IPCC).
Se o ponto de inflexão for ultrapassado, quais seriam as consequências? Por um lado, o afluxo de água no oceano aceleraria a subida do nível dos mares. O processo demoraria muito tempo a chegar ao seu termo – um novo ponto de equilíbrio – mas seria irreversível. Por outro lado, este afluxo poderia levar a um colapso abrupto, súbito, da circulação oceânica chamada AMOC (Atlantic Middle Ocean Circulation) que condiciona o clima nas regiões costeiras do Atlântico. E, aí, o impactos seriam imediatos.
Eis o que o relatório recente do Grupo de Trabalho 1 do IPCC diz acerca do risco de colapso do AMOC: “o declínio do AMOC não incluirá um colapso abrupto antes de 2100 (com um grau de confiança médio). MAS um tal colapso poderá ser provocado por um afluxo inesperado (de massas de água) proveniente da calota da Gronelândia. Em caso de colapso, este causaria muito provavelmente mudanças abruptas dos climas regionais e do ciclo da água: um deslocamento para sul da cintura das chuvas tropicais, um enfraquecimento das monções em África e na Ásia, um reforço das monções no hemisfério sul e seca na Europa (GT1, Technical summary, p. 73, sublinho).
Tudo está evidentemente neste “mas” que abre a possibilidade de “mudanças abruptas”. Uma coisa é certa: as consequências destas mudanças seriam extremamente severas para os ecossistemas e as populações. Em particular, evidentemente, para as massas pobres da Ásia e de África. Centenas de milhões de humanos seriam confrontados com situações dramáticas. Como lemos, a Europa não seria poupada. A península ibérica está particularmente ameaçada. A desertificação nesta zona progride já há anos. Ela atingiria um limite qualitativo, irreversível à escala humana.
Qual é a possível ligação com a atual seca e onda de calor, sabendo que a Gronelândia não está envolvida pelo desdobramento da corrente de jato que as explica? A ligação consiste em que, por uma série de razões, o aquecimento no Ártico é duas vezes mais importante que a média mundial. Segundo o IPCC, é “virtualmente certo” que a calote da Gronelândia “perde massa desde 1990”: os especialistas estimam que 4.890 gigatoneladas (milhares de milhões de toneladas) de gelo (+- 460) tenham derretido entre 1992 e 2020, levando a uma subida do nível dos oceanos de 13,5 mm.
O IPCC sublinha (uma vez mais!) um ponto importantíssimo: estas projeções estão baseadas unicamente nas estimativas de derretimento de gelo, não incluem os processos dinâmicos que aceleram a perda de massa (o desprendimento de enormes frações da calota que deslizam para o oceano) porque a sua “quantificação é altamente incerta”, escreve o IPCC.
Com base no que se passa noutros pontos do planeta não é insensato temer que a evolução, também na Gronelândia, seja mas rápida do que aquilo que projetam os modelos. É um eufemismo. De facto, vários índices apontam claramente neste sentido.
Desta forma, no fim de julho de 2022, a temperatura na Gronelândia ultrapassou um muito os valores normais para a época. O derretimento de gelo foi duas vezes maior que nos outros anos do mesmo período. Em três dias, estima-se que 18 milhões de toneladas de gelo se tenham transformado em água. Os cientistas calcularam que a quantidade de água libertada desta forma cobriria o território da Virgínia ocidental (62.259 km2) com uma camada de água de 30 centímetros. Esta aceleração do derretimento não tem precedentes.
É inútil estendermo-nos mais: o futuro climático é mais ameaçador do que nunca. Os sinais estão no vermelho, a piscar insistentemente, e os mais pobres, os mais frágeis correm o risco de sofrer o impacto de forma muito forte.
Que fazer? (refrão já conhecido)
Passemos às políticas a implementar. A catástrofe está em curso e o IPCC diz-nos que continuará a progredir “ainda que o aquecimento seja limitado a 1,5°C”. Notemos de passagem que o desastre atual é o produto de um aquecimento de “apenas” 1,2°C relativamente à era pré-industrial. Não é muito difícil imaginar a continuação… Dada a situação, é claro que não nos podemos contentar em exigir medidas radicais de redução das emissões de gás com efeito de estufa: estas medidas são evidentemente indispensáveis – mais do que nunca! – mas devem ser combinadas com uma política imediata e muito concreta de adaptação ao aquecimento observado e previsível.
Face à combinação cada vez mais frequente e intensa de seca e de canícula, que fazer para proteger as pessoas, as plantas e os animais? É necessária uma visão a curto, médio e longo prazo. Ela deve visar articular um plano público de adaptação que seja ao mesmo tempo obrigatório (para ser eficaz) e flexível (para ser adaptável ao imprevisto).
Este plano deve comportar componentes prioritárias em matéria de gestão da água, de prevenção dos efeitos sanitários do calor extremo (para as pessoas frágeis e ao nível das cidades, confrontadas com o fenómeno dos “ilhéus de calor”), da agricultura florestal, da gestão do território, das infraestruturas e da energia.
O último relatório do 2º Grupo de Trabalho do IPCC pode dar ideias sobre a maneira de conceber o plano e de lutar por ele a partir dos movimentos sociais. Este relatório não é, evidentemente, anti-capitalista mas nele se lê que “as estratégias de desenvolvimento dominantes chocam com o desenvolvimento sustentável do ponto de vista climático”. As razões citadas são: o aumento das desigualdades de rendimentos, a urbanização selvagem, as migrações e deslocamentos forçados, a alta contínua das emissões de gás com efeito de estufa, a insistência nas alterações de uso dos solos, a inversão da tendência de longo prazo à extensão da esperança de vida… (IPCC, AR6, WG2, 27/2/2022).
A denúncia das políticas neoliberais está implícita mas muito claramente.
Do lado positivo, o relatório do IPCC insiste justamente no facto de que a adaptação às alterações climáticas deve ser holístico, social, democrático, participativo, reduzir as desigualdades, apoiar-se nos grupos sociais mais fracos, reforçar as posições sociais das mulheres, dos jovens e das minorias, etc. Mas a abordagem é ancorada nos decisores que se procuram convencer, não nos movimentos sociais e nas suas lutas. Ora, é destes movimentos sociais que tudo depende, não dos governos.
Não cabe aqui elaborar um catálogo de reivindicações, vamo-nos contentar com algumas indicações e reflexões.
A gestão da água é um ponto chave. Como escreve o IPCC (GT2), “a manutenção do estatuto da água como bem público está no coração das questões de equidade". É o fio de prumo.
Implica nomeadamente questionar a apropriação dos recursos de água pelos grupos capitalistas produtores de água em garrafa e bebidas diversas, das florestas pelos produtores de pasta de papel ou outras mercadorias (vejam-se os danos ecológicos e humanos das plantações de eucalipto em Portugal!), o das águas subterrâneas pelo agro-negócio (na Andaluzia, por exemplo).
Mas o fio de prumo da água como bem público implica também uma multidão de exigências concretas mais imediatas: recuar na impermeabilização de superfícies, em mandar às águas da chuva para os esgotos, na retificação dos cursos de água, na destruição das zonas húmidas; promover técnicas agrícolas e florestais que restaurem os solos e a sua capacidade de absorção limitando o escoamento; reorientar muito mais radicalmente a agricultura para a agro-ecologia; sem esquecer o investimento nas redes de distribuição (na Valónia, por exemplo, 20% da água produzida não é faturada – as fugas nas redes são assim muito importantes).
Uma gestão racional, social e ecológica da água necessita de uma outra política tarifária. A política liberal do “custo-verdade” [uma taxa comunal na Valónia que resulta da aplicação do princípio do poluidor-pagador ao nível do cidadão no que diz respeito à gestão de resíduos, nota da tradução] é socialmente injusta porque todos os consumidores acabam por pagar o tratamento das águas usadas em grandes quantidades pela indústria. Por outro lado, a política neoliberal incita ao desperdício do recurso, uma vez que o rendimento financeiro do distribuidor depende em parte do facto de os utilizadores também pagarem pela tratamento – inútil – da água da chuva que vai pelo cano abaixo…
Um outro sistema deve ser implementado: para os lares, gratuitidade do consumo correspondente à satisfação razoável das necessidades reais (beber, lavar-se, lavar a casa, lavar a roupa e a loiça), acima disso tarifário rapidamente progressivo.
A proteção das pessoas deveria ser uma prioridade efetiva. Não é o caso. Dirigida pelo climatólogo JP van Ypersele, a Plataforma valã para o IPCC nota que a canícula de 2003 fez mais de 1.200 mortos enquanto que a de 2020 fez mais de 1.400… Entre as duas datas, nada foi feito… apesar das promessas [3]…
Um plano público de adaptação ao calor extremo deveria, no mínimo, organizar o esverdear sistemático dos aglomerados populacionais (árvores em todo o lado para fazerem sombra), bem como o isolamento térmico de hospitais, escolas, lares para pessoas idosas ou incapacitadas.
Mais amplamente, é preciso reafirmar a necessidade urgente de isolar e renovar todas as habitações. Não apenas para reduzir radicalmente as emissões causadas pelo aquecimento (e pelo ar condicionado) mas também para proteção da saúde e do bem-estar. Nesta matéria como noutras, a constatação está aí: as políticas neoliberais de incitamento aos mecanismos de mercado são ao mesmo tempo ineficazes ecologicamente e injustas socialmente. Esta política contraproducente deve dar lugar a uma iniciativa pública, sem a qual as soluções individuais como a compra de aparelhos de ar condicionado prevalecerá, aumentando o consumo de energia e de emissões de CO2.
O IPCC insiste na importância de uma política holística que encare ao mesmo tempo a adaptação ao aquecimento e a redução das emissões (“mitigação” no seu jargão). Tipicamente, o setor da energia abrange os dois domínios. Falta-lhe água para arrefecer os reatores nucleares. Dadas as projeções esta realidade só se pode agravar nos próximos anos, de forma que a política de adaptação será confrontada com alternativas infernais: a água deve servir prioritariamente para aquecer as centrais (aquecendo os rios!), para produzir eletricidade, para beber, para regar culturas (e quais)? Mais uma razão (e há muitas outras!) para não confiar no nuclear como solução de “mitigação”…
Não volto a frisar aqui as medidas a tomar em matéria de redução estrutural das emissões de gás com efeito de estufa às quais já consagrei numerosos escritos. Resumindo: a energia e a finança devem ser socializadas, tal como a água, é preciso sair do agro-negócio e organizar o fim rápido da mobilidade baseada no automóvel individual. Este conjunto de transformações estruturais profundas constitui a condição necessária – mas não suficiente – para uma descarbonização rápida e efetiva da economia mundial.
Sem esta dose cavalar de remédio anti-capitalista, será rigorosamente impossível cumprir as restrições climáticas explicitadas pelos cientistas. Neste caso, o “planeta estufa” de Johann Rockström e de outros autores tornar-se-á uma realidade irreversível. Isto significará um cataclismo humano e ecológico de uma amplitude inimaginável. Inconcebível.
Política climática “nocional” ou ecossocialismo?
O mal serve para alguma coisa: podemos todos hoje consciencializar-nos da extrema gravidade da situação e do perigo terrível com o qual estamos confrontados. Reproduzo aqui um extrato de uma publicação publicada a 11 de agosto nas redes sociais sobre a seca na Europa:
“Com as inundações (de 2021 na Bélgica e na Alemanha), as alterações climáticas deram-nos, por assim dizer, uma paulada na cabeça. Uma paulada faz mal e pode matar quem esteja na primeira linha. Com a seca, o aquecimento mostra que nos pode agarrar pela garganta e ir apertando lentamente, cada dia um pouco mais, sem se apressar, de forma a que tenhamos todo o tempo para ver a morte a vir-se aproximando – os mais lúcidos já a veem: a morte dos vegetais, a morte dos rios, a morte dos animais, a nossa própria morte. Porque como poderíamos sobreviver quando tudo desaparecer?” [4]
Face a este desafio, todos podem também tomar consciência que as políticas dos governos são totalmente inadequadas e, para dizer tudo, criminosas.
Estas políticas não permitem reduzir as emissões rapidamente (as emissões continuam a aumentar!) para chegar ao “carbono zero” em 2050. É mesmo o inverso que estamos a ver: a retoma pós-pandemia e a guerra de Putin contra o povo ucraniano desencadearam uma corrida generalizada e sem complexos aos combustíveis fósseis (carvão na China, Rússia e Turquia; lignite na Alemanha; gás de xisto nos EUA; gás na União Europeia). Resultando num frenesim de apropriação neocolonial, rivalidades entre potências e gestão bárbara das migrações.
Não apenas as políticas climáticas dos governos são ineficazes, não apenas aumentam as desigualdades sociais, mas para além disso não protegem as populações contra as catástrofes. Esta proteção das populações é, contudo, em teoria, a tarefa constitucional elementar de qualquer governo, de qualquer Estado.
Esta confusão enorme é um fator potencial de aprofundamento espetacular da crise de legitimidade das potências mundiais, seja qual for o “campo” ao qual pertençam.
A instabilidade criada não deveria deixar de ter repercussões no plano ideológico. Tivemos recentemente um exemplo, na Bélgica, com a tribuna livre, em forma de autocrítica que Bruno Colmant publicou no “La Libre” [5]. Neste texto, o ex-chefe de gabinete do muito liberal Didier Reynders, o economista que concebeu o logro dos "juros nocionais" [um dispositivo fiscal belga destinado supostamente a favorecer o auto-financiamento em detrimento dos empréstimos e que reduz na prática a carga fiscal sobre os lucros das empresas, nota da tradução], acredita que "o capitalismo neoliberal já não é compatível com o desafio climático". Tem razão: o “mercado livre” não nos fará sair do impasse. Enfrentar o desafio climático requer imperativamente um plano público, objetivos sociais e ecológicos que vão além do lucro, meios públicos e portanto uma redistribuição radical das riquezas ao invés das “reformas neoliberais”.
Porém, tendo criticado o “capitalismo neoliberal” Colmant encontra-se na posição desconfortável de quem fica a meio caminho. De facto, o dogma neoliberal do mercado livre não é o único obstáculo a uma gestão racional da catástrofe climática: a obrigação capitalista do crescimento é outra, ainda mais fundamental e que Colmant não está em posição de criticar. Um capitalismo não liberal, keynesiano ou neo-keynesiamento, pode existir. Um capitalismo sem crescimento é, como dizia Schumpeter, uma contradições nos termos. Ora, sem decrescimento do consumo final de energia – e consequentemente sem decrescimento da produção e dos transportes – não se consegue chegar às “emissões zero” em 2050. Mesmo varrendo o carbono para debaixo do tapete a golpes de “compensações”, de “captura e armazenamento de carbono” e outras “reduções nocionais de emissões”, isso está excluído.
É uma necessidade objetiva: é preciso produzir menos, trabalhar menos, transportar menos, partilhar as riquezas, cuidar prudente e democraticamente dos seres e das coisas. É preciso, por outras palavras, quebrar a máquina capitalista produtivista. Produtivista? Deveríamos dizer “destrutivista” de tal forma é claro que “o capital arruina as duas únicas fontes de toda a riqueza: a Terra e o trabalhador” (como dizia Marx depois da sua viragem anti-produtivista).
A guerra do clima começou e é uma guerra de classe. Quero com isto dizer que requer um ponto de vista sobre as necessidades REAIS dos homens e mulheres, ou seja um ponto de vista liberto da alienação mercantil e da corrida ao lucro egoísta que mostra a realidade de cabeça para baixo.
Sem uma orientação ecossocialista, internacionalista, feminista não haverá saída. Organizemo-nos para o dizer e para agir nesta perspetiva, para lá das fronteiras, dos “campos” e dos “blocos”. Em suma, é o momento de ousar ser revolucionários.
Texto publicado originalmente na página da Gauche anticapitaliste. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.
Notas: