Jonas Jorge, IHU-Unisinos, 29 de setembro de 2020
Como colocar a vida no centro? Como atender aos interesses e objetivos da humanidade, saindo do labirinto da organização capitalista? Essa foi a tônica do debate [online] “Sustentabilidade da vida humana”, com Marilane Oliveira Teixeira, economista, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), da Unicamp, pelo quarto encontro da série de debates “Ecologia, economia e trabalho no ciclo da vida”, ocorrido no último sábado, 26 de setembro.
A atividade conta a parceria e o apoio de diversas instituições: Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Núcleo de Direitos Humanos da PUCPR, Conselho Nacional do Laicato do Brasil - CNLB, Comunidades de Vida Cristã - CVX, Observatório Nacional Luciano Mendes de Almeida - OLMA, Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Maringá e Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais – CLACSO, por meio do GT “Futuro do Trabalho e Cuidado da Casa Comum”.
O sistema capitalista não consegue incorporar as necessidades vitais da população em sua agenda. É um modelo que responde aos interesses prioritários das grandes corporações mundiais, em detrimento aos interesses coletivos. Com isso, configura-se uma organização socioeconômica em favor da sociedade de consumo, que exclui uma grande parte da população, que também está fora do mercado de trabalho ou em condições de trabalho precárias. Nesse sentido, para Marilane Oliveira Teixeira, vive-se uma crise de diferentes dimensões, que acarreta uma crise da reprodução social, que nada mais é que uma crise dos cuidados.
O grande desafio é superar a fragmentação entre o que se entende como produção econômica e a reprodução social da vida. A primeira esfera é totalmente mercantilizada, com atribuição de valores a bens e serviços que interessam ao capitalismo, com o reconhecimento e a legitimação social. Trata-se de um modelo de só inclui pelo consumo, pela capacidade de alguém acessar bens e serviços mercantilizados.
Por outro lado, na esfera da reprodução social, assiste-se a uma invisibilização de quem garante as condições para a vida social, principalmente no que diz respeito ao trabalho das mulheres na dinâmica dos cuidados no seio familiar e doméstico. Teixeira destacou que embora esse trabalho seja invisibilizado pela sociedade, é crucial, pois “as pessoas precisam de cuidados a vida inteira. Não existe ninguém que viva de forma autônoma e independente” e os trabalhos de cuidados, em sua grande maioria, são exercidos por mulheres. Trata-se de uma dimensão central da vida que precisa ser rediscutida.
Portanto, para Teixeira é preciso questionar as razões pelas quais a esfera da produção econômica é legitimada e a da reprodução social menosprezada. No fundo, trata-se de mudar de perspectiva, colocando a centralidade na vida humana e não no mercado. A vida não pode estar subordinada à lógica do capital, para a sua acumulação de riqueza, pelo contrário, devem ser estabelecidas bases para o bem viver, para a sustentabilidade da vida (alimentação, saúde, educação, moradia, lazer, mobilidade, etc.). É o cuidado com a vida que garante todas as outras atividades humanas.
A perspectiva da sustentabilidade da vida implica a valorização da dimensão coletiva e cooperativa na sociedade. Diferente do ideário neoliberal, que tenta convencer que a sociedade é sempre egoísta, competitiva, focada no desempenho individual das pessoas, o debate acerca da sustentabilidade da vida humana defende uma relação justa e solidária entre as pessoas. Como exemplo, Teixeira lembrou que neste momento em que há um aumento no preço do arroz, oportunidade aproveitada pelo agronegócio para aumentar os seus lucros, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra decide manter um preço justo para a sua produção, em favor das necessidades da sociedade e não do mercado. Alternativas de resistência são possíveis.
Além disso, em favor da sustentabilidade da vida, cidadãos e cidadãs devem retomar o controle de sua própria vida. Em termos coletivos, Teixeira recorda que a produção de bens essenciais também passa pela autonomia da sociedade em decidir o que quer para si, livre da determinação do que é decidido pelas grandes corporações mundiais. Nesse sentido, o desafio está em reforçar a dimensão coletiva da vida, preservando as individualidades, mas sem entrar no discurso da meritocracia. Os ganhos da produtividade, que são construídos coletivamente, precisam ser sociabilizados e não apropriados por uma minoria.
O atual desenvolvimento tecnológico permite uma redução da jornada de trabalho e não pode ser visto como um obstáculo, ao contrário, deve ser colocado a serviço das necessidades coletivas. Tudo passa pelo debate da conversão dos benefícios tecnológicos em favor do coletivo.
Teixeira reconhece que existem muitas possibilidades de alterar a forma de organizar a vida em sociedade, revertendo um processo acelerado de mercantilização da vida, que se dá, por exemplo, na redução do papel do Estado, com suas reformas e privatização dos serviços públicos. Em sua opinião, é possível, sim, organizar o Estado para uma mudança nessa direção, de modo que coexistam solidariamente várias formas de organização da sociedade e do trabalho que escapem da lógica da exploração e subordinação extrema em que está inserida atualmente.
Em termos de saída desse labirinto capitalista, Teixeira propõe olhar para a realidade das mulheres, para o modo como são fundamentais para a vida em sociedade, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, são desvalorizadas e distanciadas das benesses da riqueza produzida pelo modelo econômico.
Para Teixeira, a guinada que a sociedade atual precisa fazer para garantir a sustentabilidade da vida passa pelo compartilhamento. Passa pelo envolvimento de todas as pessoas na divisão das tarefas e trabalhos de cuidado. “Nem tudo precisa ser medido monetariamente, mas precisa ser socializado”, reconhece. Nesse sentido, também defende que o Estado tem responsabilidade na reprodução social da vida e precisa garantir condições para que mulheres e homens possam ter condições dignas de sobrevivência. Este debate também passa pela superação do patriarcalismo, com suas relações de hierarquias, subordinação e opressão, que tornam as mulheres negras e pobres o elo mais fraco dessa cadeia.
Para escapar do atual esvaziamento das políticas públicas, é preciso colocar o tema dos cuidados no centro do debate político a respeito dos rumos que a sociedade almeja para si. Faz-se necessário aprender das experiências positivas e das mazelas da sociedade, com o objetivo de avançar em suportes que, de fato, sejam garantidores da vida plena e digna para todos/as, sem distinções.