“Sua recessão não é o meu decrescimento”
José Eustáquio Diniz Alves, EcoDebate, 23 de abril de 2021
O Brasil foi um dos países que apresentaram maior crescimento econômico ao longo da maior parte do século XX, mas, nos últimos 40 anos cresceu menos do que a média mundial e teve decrescimento em dois momentos, as chamadas “décadas perdidas”. Particularmente, a última década (2011-20) teve redução da renda per capita e o poder de compra médio da população brasileira voltou aos níveis de 2008.
Portanto, o Brasil sabe o que é decrescimento. Mas o decrescimento experimentado pelos brasileiros foi marcado pelo retrocesso econômico, social e ambiental. Houve desindustrialização, reprimarização da estrutura produtiva e uma “especialização regressiva” da economia. Houve aumento da pobreza e um esgarçamento do tecido social. E houve uma grande degradação do meio ambiente com agravamento do desmatamento, perda da biodiversidade e aumento da poluição. Portanto, o Brasil experimentou um tipo de decrescimento que não é bom para ninguém.
Mas qualquer país teria condições de planejar um decrescimento com prosperidade, na linha do livro de Tim Jackson: “Prosperidade sem Crescimento – Vida Boa em um Planeta Finito” ou como mostrado na faixa abaixo (exibida durante a Conferência Rio + 20, ocorrida em 2012) que defende o decrescimento com desenvolvimento humano, ecologicamente sustentável e socialmente justo.
No Decrescimento com Progresso, o fundamental é decrescer as atividades poluidoras, mas estimular o crescimento das atividades amigáveis ao meio ambiente. Como apresentei no artigo “O decrescimento demoeconômico e o trilema da sustentabilidade” (Alves, 20/06/2018), há diversas maneiras de fazer decrescer as atividades mais poluidoras e degradadoras do meio ambiente, abrindo espaço para crescer as atividades mais voltadas para a preservação e a regeneração ecológica, tais como:
Decrescer os gastos militares e reduzir a produção e uso de instrumentos de guerra e aumentar os investimentos em atividades de engrandecimento da solidariedade nacional e internacional, na promoção da paz e na ampliação do bem-estar social (com melhoria da saúde, da educação e cultura ecocêntrica).
Decrescer a produção e o consumo de fertilizantes químicos e agrotóxicos e aumentar os investimentos na agricultura orgânica, na permacultura e na agricultura urbana, produzindo alimentos saudáveis perto dos grandes centros urbanos (para decrescer os custos de transporte e o desperdício dos alimentos).
Decrescer as áreas de pastagem e a produção e o consumo de proteína animal, promovendo a transição para uma dieta vegetariana e vegana, além de aumentar as áreas de florestas e vegetação nativa.
Decrescer a produção e o uso de carros particulares (principalmente aqueles grandes, pesados e que demandam muita energia por quilômetro rodado) e aumentar os investimentos em transporte coletivo e no compartilhamento de automóveis elétricos.
Decrescer as desigualdades, o consumo conspícuo, os bens de luxo e investir em bens e serviços que permitam a universalização do bem-estar, aumentando as atividades da economia solidária, da economia colaborativa, de forma a diminuir os impactos das atividades antrópicas.
Decrescer a demanda dos serviços ecossistêmicos, reduzir a poluição e diminuir as áreas ecúmenas, aumentando as áreas verdes (florestas e matas), limpando os rios, lagos e oceanos para viabilizar a recuperação da biodiversidade, o aumento das áreas anecúmenas e o incremento do bem-estar ecológico.
Decrescer a economia material e aumentar a economia imaterial, a produção de bens intangíveis e a sociedade do conhecimento, da solidariedade e do compartilhamento.
O fato é que a humanidade precisa mudar o estilo de vida e o padrão de produção e consumo para diminuir a degradação ambiental. O alerta feito, em 1972, no livro “Limites do Crescimento” continua válido. Mas não basta mais limitar o crescimento. O desafio atual é promover o decrescimento demoeconômico, reduzindo a Pegada Ecológica e aumentando a Biocapacidade do Planeta.
Portanto, é preciso um decrescimento tanto da população, quanto da economia, pois se houver redução do PIB e manutenção do volume da população haverá redução da renda per capita e as pessoas, em média, ficarão mais pobres. Decrescer apenas a população exigiria uma redução muito forte para equilibrar a Pegada Ecológica com a Biocapacidade, o que seria inviável na prática. Mas existe um caminho que o mundo pode trilhar no sentido de promover um decrescimento demoeconômico com prosperidade econômica e social e com sustentabilidade ambiental.
Por exemplo, a população mundial deve atingir 8 bilhões de habitantes em 2023, segundo a Divisão de População da ONU, o PIB mundial, em poder de paridade de compra, deve ficar em US$ 147,3 trilhões, com uma renda per capita de US$ 18,4 mil. Numa situação hipotética, vamos imaginar que haja uma redução da população de 0,3% ao ano e uma redução de 0,1% ao ano do PIB entre 2024 e 2100.
Como mostra o gráfico abaixo, haveria um aumento da renda per capita de US$ 18,4 mil para US$ 21,5 mil, em 76 anos, um aumento de 17%. No mesmo período a população mundial cairia de 8 bilhões para 6,4 bilhões de habitantes (uma queda de 20% em 76 anos) e o PIB teria uma queda de US$ 147,3 trilhões para US$ 136,4 trilhões (uma redução de 7,4% em 76 anos).
Ou seja, se a redução da população acontecer em ritmo mais rápido do que a queda do montante de bens e serviços produzidos anualmente, ao contrário do decrescimento recessivo, o mundo poderia ter um decrescimento demoeconômico com prosperidade, com aumento da renda per capita e elevação do bem-estar social e ambiental.
O Brasil e vários países do mundo já vivem um decrescimento econômico recessivo. Diversos países (como, por exemplo o Japão) já apresentam decrescimento populacional e a China vai perder mais de 400 milhões de habitantes entre 2030 e 2100 (segundo projeções da ONU).
Com as mudanças demográficas e o agravamento da crise ambiental, o decrescimento demoeconômico vai ser um fator cada vez mais comum ao longo do século XXI. Trata-se, pois, de planejar este processo para que o mundo tenha um decrescimento demoeconômico com aumento do bem-estar humano e ambiental.
Referências:
ALVES, JED. O decrescimento demoeconômico e o trilema da sustentabilidade, Ecodebate, 20/06/2018. Disponível aqui.
ALVES, JED. Planejando o decrescimento demoeconômico, Ecodebate, 05/06/2013. Disponível aqui.
ALVES, JED. A grande contradição do capitalismo: capital antrópico versus capital natural. Ecodebate, RJ, 29/06/2012. Disponível aqui.
ALVES, JED. As fronteiras planetárias e a autolimitação do espaço humano, Ecodebate, RJ, 06/06/2012. Disponível aqui.
Nicholas Georgescu-Roegen, O decrescimento: Entropia – Ecologia – Economia. Ed. Senac, 2013.
Dave Lindorff. Growth is the Enemy of Humankind. 17/01/2013. Disponível aqui.