As constatações são de boletim do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Sibélia Zanon, Mongabay, 28 de julho de 2020
É um fenômeno que começou ficar mais evidente em 2012. “A seca começou no Nordeste e durou quase sete anos de forma muito severa”, diz a pesquisadora Adriana Cuartas, do Cemaden. “Depois, em 2014, o abastecimento de água na área metropolitana de São Paulo ficou em condições críticas. Agora, as preocupações estão voltadas para o Sul, onde há quase dois anos as chuvas estão abaixo da média.”
O cientista Antonio Donato Nobre, autor do relatório O Futuro Climático da Amazônia, é enfático. “A América do Sul está secando devido aos efeitos combinados do desmatamento e das mudanças climáticas”, diz.
A falta de chuvas impacta de imediato a agricultura. A seguir, vem o abastecimento de água e a geração de energia. Diversos reservatórios de usinas hidrelétricas vêm sofrendo com baixos níveis de armazenamento – Itaipu, a segunda maior hidrelétrica do mundo, entre eles. “A água que vem dos rios para o reservatório está abaixo do mínimo já registrado desde 1993. É uma situação bem crítica”, alerta Adriana Cuartas. “A bacia do Itaipu não é usada só para a geração de energia, mas também para abastecimento.”
Recentes chuvas no Sul podem trazer alívio temporário para a agricultura, mas as condições hídricas demoram a voltar ao normal. “Seria preciso chover vários meses na média, ou acima dela, para o sistema hídrico começar a se recuperar e voltar aos níveis esperados”, diz Adriana.
O agronegócio vem sofrendo prejuízos decorrentes da seca, mas também é causador das alterações do regime hídrico. O desmatamento na Amazônia, voltado para pecuária, agricultura e exploração madeireira, impacta na diminuição de chuvas no Brasil e em outros países da América Latina. Com o desmatamento crescente na Amazônia, o agronegócio e a geração de energia podem entrar em colapso no Brasil.
A Floresta Amazônica funciona como um sistema de refrigeração. Uma árvore robusta, com seus 20 metros de copa, bombeia por volta de 1.100 litros de água para a atmosfera em um único dia. Essas massas de ar com o vapor da transpiração da floresta, os chamados “rios voadores”, transportam umidade da Bacia Amazônica até o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, e países vizinhos. Com menos árvores na floresta, há menos umidade no ar. E seca.
Com o déficit de chuvas em toda a região Sul, os prejuízos chegaram à lavoura, afetando a safra de verão 2019/20. O Paraná enfrenta a maior estiagem da história desde que o Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) começou a monitorar as condições do tempo, em 1997. Relatório do Departamento de Economia Rural (Deral) do Governo do Estado do Paraná mostra perdas na produção de milho e feijão, além de prejuízos no abastecimento de água. Alguns municípios entraram em estado de emergência.
Em Santa Catarina, a produção de soja, feijão e milho foram afetadas. No Rio Grande do Sul, a safra de grãos teve volume 28,7% inferior ao total colhido na mesma época do ano passado. A seca afeta a qualidade dos grãos e, com o tamanho e peso muito fora do padrão, a colheita não compensa. O problema se estende ao milho, com perda de 32% na produção. Em certas regiões, o grão foi destinado à alimentação bovina, com rendimentos bem mais baixos. O plantio da nova safra de arroz também foi prejudicado: exige uso abundante de água e a falta de chuvas prejudicou a reposição dos mananciais.
Além de provocar significativas perdas para o plantio em larga escala, as secas no Sul afetam o pequeno produtor, não habituado a condições extremas de falta de chuvas. “O Nordeste, de alguma forma, já tem uma prática com condições de seca e estratégias de adaptação social, como as cisternas. A seca no Sul faz com que a grande produção agrícola seja afetada e isso causa prejuízos econômicos. Quando a seca afeta a agricultura familiar, há ainda o impacto social”, diz Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden.
As áreas que têm sofrido sucessivas e agravadas secas são justamente áreas irrigadas pelos “rios voadores”. Sem a umidade que vem da Amazônia, as regiões brasileiras com maior infraestrutura produtiva teriam provavelmente clima bastante hostil.
“Interessa para a agricultura a coluna do meio, ou seja, o equilíbrio, a regulação climática, em que os extremos de falta ou excesso sejam moderados”, explica Antonio Nobre. “E, nessa moderação, nenhuma tecnologia consegue competir com as múltiplas capacidades das florestas de promover e regular um clima amigável, seguro e produtivo.”