Governo prepara-se para desmontar a Ceitec, única empresa brasileira capacitada a produzir circuitos integrados — essenciais em todas as atividades sofisticadas de Tecnologia da Informação. General é nomeado para conduzir desmanche
Marina Oliveira, Congresso em Foco, 22 de fevereiro de 2021
O governo federal conseguiu derrubar uma liminar da Justiça Federal do Rio Grande do Sul que impedia a realização de uma assembleia geral extraordinária para dar continuidade à extinção do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec). O oficial da reserva da Marinha Abílio Eustáquio de Andrade Neto foi escolhido nesta quinta-feira (11) para comandar as atividades de diluição da chamada “estatal do chip”.
O militar terá 30 dias para apresentar um plano de trabalho ao Ministério da Economia, com o cronograma de atividades da liquidação, prazo de execução e a previsão de recursos financeiros e orçamentários para a realização das atividades. Abílio já atuou na liquidação de outra estatal, a Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais (Casemg).
Sediado em Porto Alegre, o Ceitec produz semicondutores, etiquetas eletrônicas, sensores e é a única empresa da América Latina capaz de fabricar chip no Vale do Silício. Atualmente, a empresa tem 170 funcionários concursados e outros dez comissionados, sem contar os terceirizados. Com a extinção, o governo deve criar uma organização social sem fins lucrativos do tipo Sistema S, à princípio bancada pelo Estado, para incorporar a tecnologia e as 44 patentes criadas pela “estatal do chip”.
Em nota, o Programa de Parceria de Investimentos (PPI) – braço do governo federal responsável por concessões e privatizações – afirma que a razão para a dissolução do Ceitec é o prejuízo dado pela empresa aos cofres públicos, argumento também utilizado pelo ex-secretário de desestatização do Ministério da Economia Salim Mattar, no ano passado.
“A demanda pelos produtos desenvolvidos pelo Ceitec não atingiu as projeções da companhia, e, entre 2010 e 2018, o Tesouro Nacional precisou repassar cerca de R$ 600 milhões à empresa a fim de cobrir os seus custos. Mesmo com o recebimento de recursos públicos, a companhia registrou prejuízo acumulado, no mesmo período, de R$ 160 milhões”, diz o PPI.
De acordo com o porta-voz da associação dos trabalhadores da estatal (Acceitec), Julio Leão, a empresa “ainda está no negativo, mas a cada ano diminui a dependência financeira do Estado. Quando focou em vender para a indústria privada, passou a faturar”, diz. Em 2020, a empresa atingiu a marca de R$ 15,4 milhões em vendas.
Segundo o PPI, “As atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação até então a cargo do Ceitec devem continuar, tendo em vista as políticas públicas relacionadas à pesquisa de longo prazo da cadeia de semicondutores e microeletrônica. Por esse motivo, foi determinada a publicização destas atividades, que envolve sua transferência para organização social (OS) qualificada por meio de procedimento de chamamento público”.
Extinção
A extinção do Ceitec foi decretada por Jair Bolsonaro em dezembro de 2020. No entanto, a Acceitec alega que o rito do processo de dissolução não foi respeitado pelo governo federal, já que há duas decisões da Justiça Federal (confira aqui e aqui) que impedem a extinção da empresa sem um relatório prévio do Tribunal de Contas da União (TCU). O tribunal, por sua vez, afirma que “ainda não há deliberações” e que “não há previsão para que o processo seja apreciado pelo plenário”.
Em paralelo, o PDT ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão da privatização do Ceitec e de outras cinco empresas. Neste processo, diz Julio, consta documento da Casa Civil afirmando ser preciso aguardar decisão do TCU para andamento da desestatização.
Essa semana o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria, que não é necessária lei específica para a privatização ou a extinção de empresas estatais. A decisão, contra a ação do PDT, abre caminho para a venda do Ceitec e outras estatais. Na prática, o STF tira a autonomia do Congresso para decidir quais estatais devem ser extintas ou privatizadas, bastando, assim, um decreto específico do Executivo. (Confira decisão na íntegra aqui)