Racismo e Genocídio sem fim: Manifesto da Coalizão Negra por Direitos sobre a Chacina do Jacarezinho – Rio de Janeiro – Brasil
Em 1951, o movimento pelos direitos civis nos EUA acusava aquele país de genocídio de sua população negra por meio da histórica petição “We Charge Genocide”. O documento fazia um paralelo entre “o assassinato bárbaro de milhōes de judeus” e “os negros mortos por causa de sua raça”. Também na África do Sul ativistas negras e negros sul-africanos chamaram a atenção do mundo por mais de quarenta anos para o terror racial do Apartheid, levando a ONU a condenar o regime em 1973 e declarar sanções econômicas nos anos seguintes.
O movimento negro brasileiro tem sistematicamente pedido a solidariedade do mundo para denunciar o genocídio antinegro colocado em curso pelo Estado brasileiro. É genocídio! Tomando a definição da ONU, da qual o Brasil é signatário, “entende-se por genocídio (…) atos cometidos com a intenção de destruir no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.
Quando se olha para o número de mortes de negros pelo Estado brasileiro, evidencia-se esse processo. Somente no ano de 2020, mais de 5.600 pessoas foram mortas pelas polícias no Brasil. Há mortes sistemáticas de jovens negros e negras nas periferias brasileiras. Pelo menos 75% das vítimas do terror policial pertencem a esse grupo racial.
A Chacina do Jacarezinho contabiliza, até o momento, ao menos 29 mortes. Vidas e histórias exterminadas pelas forças do Estado, sem respeito e nenhum direito previsto em lei. Corpos cuja humanidade e cidadania são negadas na vida e na morte. Assassinatos resultantes de uma operação policial ilegal e proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Desde junho de 2020 até março deste ano, mais de 823 pessoas foram mortas em operações policiais, mesmo com a proibição da Suprema Corte (ADPF das Favelas).
Vivemos em um país no qual amanhã poderemos estar mortos pelo fato de sermos negros. Seja pelo coronavírus, seja pela fome, seja pela bala, o projeto político e histórico de genocídio negro avança no Brasil. Mas a sociedade não acredita nisso, ou não se importa. Em 1994, um grupo de pastores de uma pequena comunidade no interior de Ruanda escreveu uma carta ao líder de sua congregação pedindo ajuda frente ao perigo iminente. A carta, imortalizada em publicação de Philip Gourevitch, intitulada “Desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos”, foi ignorada.
Todos foram assassinados. Mais tarde, o apelo se transformaria em uma denúncia do desprezo do mundo frente às mais de 800 mil vítimas do genocídio de Ruanda. Até quando as racial. A cor dos mortos nesta e nas inúmeras operações policiais nas periferias urbanas do país revelam a prática sistemática do genocídio da população negra brasileira. A situação exige um posicionamento da sociedade civil brasileira, da comunidade internacional, do sistema ONU e da sociedade civil global acerca do que vivemos.
Neste 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, a Coalizão Negra por Direitos, uma aliança que reúne mais de 200 organizações de todo país, convoca manifestações em todos os Estados pelo fim do genocídio negro, das operações policiais assassinas, das chacinas de todo dia e pela construção de mecanismos objetivos de controle social da atividade policial. Exigimos:
I – Que se informe os protocolos empregados para prevenir o uso de força letal e a vitimização da população civil, especialmente de pessoas negras, nos termos da resolução;
II – Que seja garantida uma investigação independente, célere, transparente e imparcial, conduzida por órgão independente, alheio às forças de segurança e instituições públicas envolvidas na operação, nos termos da obrigação;
III – Que seja formado um corpo pericial independente, que garanta a imparcialidade e transparência para investigar os assassinatos, observando-se os termos do Protocolo de Minnesota;
IV – Que os familiares das vítimas e todas as pessoas que sofreram violações sejam devidamente reparadas;
V – Que haja uma enérgica atuação por parte do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro e Ministério Público Federal para que haja a responsabilização das forças policiais;
VI – O imediato afastamento das forças policiais dos responsáveis pela Chacina de Jacarezinho; VII – Que seja cumprida a decisão do STF na ADPF das Favelas;
VIII – Que seja implementada a condenação internacional recebida pelo Brasil no caso Favela Nova Brasília, também localizada no Rio de Janeiro;
IX – Que seja criado pelo estado do Rio de Janeiro um plano de redução da violência e letalidade policial, conforme já recomendado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos; X – Que sejam adotadas políticas de proteção à segurança e integridade das testemunhas que vivem na comunidade de Jacarezinho, bem como das defensoras e defensores de direitos humanos que estão atuando na comunidade e na denúncia desse caso.
Nem bala, nem fome, nem Covid. Queremos viver! Não esqueceremos a Chacina do Jacarezinho. Vidas Negras Importam.manifestações, a elaboração e os apelos do movimento negro brasileiro serão ignorados? O que vimos no Jacarezinho foram execuções sumárias de indivíduos eleitos como inimigos públicos por sua origem