Por Josefina L. Martinez. Outras Palavras. Tradução: Vitor Costa
“Não tenho tempo”, me disse uma amiga quando perguntei se ela conseguiu ficar com seu último match. “Com dois empregos e um filho, não tenho tempo para nada”, diz outra. Uma terceira pensa na mãe, que não terá mais tempo para aproveitar a aposentadoria, porque chegam dois netos, a irmã trabalha e não tem ninguém para cuidar deles o dia todo. Essas conversas de sexta à noite me levam a pensar no tempo que não temos e no que queremos. Antes contávamos horas e minutos, agora carregamos cronômetros digitais sofisticados em nosso bolso. Um alarme para microondas, um aplicativo para calcular quando chega o ônibus ou para verificar o tempo que falta para a bateria acabar. Estamos mais cronometrados do que nunca, mas nunca temos tempo suficiente. Este texto é sobre como vencer essa batalha e revolucionar a vida.
Há uma relação com o tempo típica do capitalismo. Em seu grande livroCostumes em Comum (Companhia das Letras, 1998), o historiador britânico E.P. Thompson traça as mudanças na percepção do tempo entre as classes subalternas com a imposição da disciplina industrial. Enquanto as sociedades camponesas tradicionais mediam a passagem do tempo com o nascer e o pôr do sol, a mudança das estações e das colheitas, nas cidades os artesãos regulavam o tempo gasto no trabalho e no lazer de forma desigual. Thompson recupera a instituição da “Santa Segunda-feira” [orig.: San Lunes] em algumas profissões, em que não se trabalhava naquele primeiro dia da semana para descansar ou recuperar-se da farra dominical. A revolução industrial impõe outra noção de tempo, quantificando com precisão os 1.440 minutos de cada dia. O relógio de bolso é generalizado e aquele pequeno instrumento mecânico passa a controlar a vida, marcando o início e o fim da jornada de trabalho.
O sociólogo francês Razmig Keucheyan aponta em seu novo livro Artificial Needs [“Necessidades artificiais”, sem tradução em português], (Akal, 2021) que a “contaminação luminosa” é um dos flagelos de nosso tempo. Nos últimos 50 anos, o nível de iluminação aumentou dez vezes nos países desenvolvidos. Para ganhar tempo a seu favor, o capital come fatias da noite, alterando os relógios biológicos e a capacidade de descanso. Com a globalização, as modalidades de trabalho noturno espalharam-se nas empresas de produção e logística, adequando as cadeias de produção e circulação ao just-in-time. “Tempo é dinheiro”: enquanto for produtivo para o capitalista. Antes de Marx, os economistas clássicos já haviam explicado que o tempo de trabalho era a medida do valor das mercadorias. Marx revelou que os capitalistas apropriam-se de uma grande massa de tempo de trabalho excedente, muito além do que eles pagam aos seus trabalhadores com os salários. Nesse roubo, perde-se a vida. É por isso que, desde a existência do capitalismo, existe uma batalha pelo tempo de trabalho.
Em Overtime. Why We Need A Shorter Working Week [“Sobretempo. Por que precisamos de uma jornada semanal de trabalho mais curta”, sem tradução em português] (Verso Books, 2021), Kyle Lewis e Will Stronge lembram que os primeiros a conseguirem uma redução da jornada de trabalho foram os operários da construção civil na Austrália, em 1856. A cidade de Melbourne estava em constante expansão, promovida pelas mãos desses trabalhadores, em longas jornadas de mais de dez horas. Cansados dessa situação, em 21 de abril daquele ano os operários iniciaram uma manifestação que paralisou todas as obras. Três meses depois, eles venceram. A greve Pão e Rosas, de 1912 nos Estados Unidos, teve como protagonistas jovens trabalhadores imigrantes que se recusaram a aceitar uma redução de salário, após uma redução da jornada de trabalho que havia sido regulamentada por lei. Na Espanha, a grande greve da La Canadiense em 1919 deu lugar à jornada de oito horas. Os autores de Overtime destacam que a redução da jornada de trabalho nunca foi uma concessão amigável dos capitalistas, mas o resultado de uma luta de classes pela sua redefinição.
No último século, a produtividade do trabalho aumentou várias vezes nos países mais ricos, mas a jornada de trabalho permaneceu inalterada. Ou pior, com as “reformas” trabalhistas neoliberais, os empregadores organizam o horário de trabalho como preferem, por meio de horários flexíveis, horas extras que não são pagas, etc. Com o teletrabalho, a esfera do trabalho colonizou ainda mais o espaço da “vida”, deixando muito pouco tempo livre, aumentando o estresse e a ansiedade. Marx escreveu nos Grundrisse que, embora o capital tenda a criar tempo livre, ele “o transforma em trabalho excedente”. Em outras palavras, os avanços tecnológicos permitiriam hoje reduzir a jornada de trabalho para algumas horas diárias, mas em vez de libertar os trabalhadores do peso do trabalho, o capital os prende em correntes mais pesadas.
O fato de, em vários países, começarem a ser debatidas propostas para reduzir a jornada de trabalho para quatro dias por semana ou seis horas por dia, sem redução salarial, é muito auspicioso. Mas não se trata de convencer as grandes empresas a “ter empatia” com os trabalhadores e aceitar de bom grado uma redução em seus lucros, como sugere a esquerda institucional. Isso nunca aconteceu na história. Em vez disso, é urgente implantar os métodos de luta da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, com auto-organização a partir de baixo, para impor uma medida que desafia os lucros dos capitalistas.
Mulheres, o tempo do patriarcado e o tempo do capital
Se cada segundo é contado na fábrica ou no escritório, o tempo de trabalho doméstico parece desaparecer no ar. Porque se é amor, como medi-lo? Enquanto, para os homens, o relógio marcava aquela separação nítida entre “trabalho” e “vida”, para as mulheres isso nunca foi tão claro. Com a introdução maciça das mulheres no mundo do trabalho, há uma justaposição de tempos, dando origem uma dupla jornada, sempre desgastante. Por isso, o movimento feminista colocou as tarefas domésticas sob o prisma do trabalho e exigiu reconhecimento pelo tempo que as mulheres passam cozinhando, lavando ou cuidando dos filhos.
A precariedade da vida também altera nossa percepção do tempo. E como você pode imaginar, classe e gênero se cruzam nos ponteiros do relógio. Segundo o Instituto Nacional de Estatística da Espanha, uma em cada quatro mulheres trabalha em tempo parcial (23%), uma percentagem que é três vezes maior que a dos homens. As obrigações familiares e o cuidado de outras pessoas, aliadas à impossibilidade de encontrar outro tipo de trabalho, são apontadas como causas principais. Para mais da metade das mulheres, é uma situação de trabalho indesejada. No entanto, a maioria delas continua a trabalhar mais do que os homens, se somarmos o trabalho remunerado e o não remunerado. De acordo com a Pesquisa Nacional de Condições de Trabalho (2015), as mulheres dedicam 63,6 horas semanais na soma do trabalho remunerado, trabalho não remunerado e deslocamento entre casa e trabalho, cerca de dez horas semanais a mais que os homens.
A parcialidade e precariedade do trabalho é um fenômeno generalizado também entre jovens e imigrantes. Em grande parte do mundo, milhões de pessoas trabalham menos do que precisam, muitas outras trabalham mais do que podem suportar e muitas não conseguem um emprego. Reduzir a jornada de trabalho, sem redução salarial, é um passo necessário para conseguir lavorare meno per lavorare tutti [“trabalhar menos para que todos trabalhem], conforme exigiam os trabalhadores do “Outono Quente” italiano. Essa é também uma demanda feminista, pois permitiria conciliar vida profissional e vida social de forma menos desigual. E é uma medida ambiental, porque implicaria menos viagens para o trabalho, menos poluição e gasto desnecessário de energia, etc. Mas, acima de tudo, seria uma forma de avançar na libertação da prisão do trabalho, para ganhar tempo para a vida.
Contra o ceticismo sobre as possibilidades de avançar nesta direção, contra o conformismo daqueles que tantas vezes deram como morta a classe trabalhadora mundial, é importante estarmos atentos aos sintomas de uma mudança profunda. Nos Estados Unidos – onde a ideologia neoliberal do “fim do trabalho” era mais prevalente – milhares e milhares de trabalhadores lançaram uma onda de greves sem precedentes nos últimos anos. Mineiros, enfermeiras, trabalhadores da alimentação ou de máquinas agrícolas. Uma classe trabalhadora feminizada, diversa e racializada que mais uma vez levanta bandeiras e vota para entrar em greve. E vale lembrar o ditado: nunca se deve furar um piquete.