Um apanhado de artigos da grande mídia analisando a crise do governo Bolsonaro: Igor Gielow, Vinicius Sassine e Gustavo Uribe (UOL), Kennedy Alencar (UOL), Thaís Oyama (Folha de S.Paulo), Andréia Sadi (G1), Carla Jiménez (El País Brasil) e Rodrigo Vianna (hoje independente).
Comandantes das Forças Armadas pedem demissão em protesto contra Bolsonaro
Inédita, crise militar é a maior desde 1977, mas fardados trabalham para baixar a temperatura
Igor Gielow, Vinicius Sassine e Gustavo Uribe, UOL, 30 de março de 2021
Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta por discordar do presidente da República.
Todos reafirmaram que os militares não participarão de nenhuma aventura golpista, mas buscam uma saída de acomodação para a crise, a maior na área desde a demissão do então ministro do Exército, Sylvio Frota, em 1977 pelo presidente Ernesto Geisel.
Na manhã desta terça, Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) colocaram seus cargos à disposição do general da reserva Walter Braga Netto, novo ministro da Defesa.
Braga Netto tentou dissuadi-los de seguir o seu antecessor, o também general da reserva Fernando Azevedo, demitido por Jair Bolsonaro na segunda-feira (29), que também estava na reunião.
Houve momentos de tensão na reunião, segundo relatos. Com efeito, na nota emitida pelo Ministério da Defesa, é dito que os comandantes serão substituídos —e não que haviam pedido para sair.
É uma forma de Bolsonaro asseverar autoridade em um momento conturbado, evocando princípio de hierarquia. Ao mesmo tempo, evitar amplificar a crise.
Na reunião, segundo relatos feitos à Folha, o comandante da Marinha teve um momento de exaltação com o novo ministro da Defesa, Braga Netto. Insatisfeito com a demissão de Azevedo, o almirante apontou que a mudança pode gerar apreensão no país e que afeta a imagem das Forças Armadas.
A tendência hoje é a de que seja indicado o atual secretário-geral do Ministério da Defesa, almirante Garnier Santos, para o comando da Marinha, e o comandante militar do Nordeste, general Marco Freire Gomes, para o comando do Exército. Para a Aeronáutica, ainda não há um nome definido.
A nomeação de Freire Gomes, no entanto, enfrenta forte resistência nas Forças Armadas, uma vez que há seis generais quatro estrelas mais antigos que ele na hierarquia militar. A cúpula militar do Palácio do Planalto tem tentado convencer o presidente a escolher outro nome.
Há reverberações. Generais do Alto-Comando do Exército afirmaram que a pressão pela saída de Pujol vai alienar ainda mais Bolsonaro da Força, o contrário do movimento proposto.
O mal-estar pelo anúncio inesperado da saída de Azevedo, que funcionava como pivô entre as alas militares no governo, o serviço ativo e o Judiciário, foi grande demais.
O motivo da demissão sumária do ministro foi o que aliados dele chamaram de ultrapassagem da linha vermelha: Bolsonaro vinha cobrando manifestações políticas favoráveis a interesses do governo e apoio à ideia de decretar estado de defesa para impedir lockdowns pelo país.
O presidente falou publicamente que "meu Exército" não permitiria tais ações. Enquanto isso, foi derrotado no Supremo Tribunal Federal em sua intenção de derrubar restrições em três unidades da Federação, numa ação que não foi coassinada pelo advogado-geral da União, José Levi —ajudando a levar à sua queda, também na segunda.
Enfrentar medidas de governadores para tentar restringir a circulação do novo coronavírus, que já matou 310 mil pessoas, é a obsessão do presidente desde que ele capitulou ante o governador João Doria (PSDB-SP) e abraçou a causa da vacinação.
As restrições têm menos apoio popular do que a imunização, e o presidente acredita que lockdowns e afins dificultarão ainda mais seus planos de reeleição pelo natural efeito negativo na economia. Sua popularidade vem em queda.
Ele chegou a comparar as medidas a um estado de sítio, uma impropriedade, mas só a referência a um instrumento de exceção levou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, a questionar suas intenções.
Em reuniões na segunda, segundo interlocutores, os três comandantes concordaram que seria importante fazer uma transição pacífica e controlada, com consenso sobre os nomes dos substitutos.
Há o temor de agitação nos quartéis, até porque nesta quarta (31) serão completados 57 anos do golpe que deixou os militares mais de duas décadas no poder, até 1985. A palavra de ordem é acalmar os ânimos.
A lembrança do episódio de Frota em 1977 é viva na cabeça dos oficiais-generais, todos formados em turmas em anos próximos.
Mas há diferenças: vivia-se uma ditadura em abertura por Geisel, e Frota se opunha a isso. Além do mais, ele era ministro —a pasta da Defesa só viria a ser criada em 1999, e ficou com civis à sua frente até 2018. O ministério, aliás, se acostumou com crises: 5 de seus 12 titulares até aqui saíram de forma conturbada.
Os comandantes se encontraram com Azevedo nesta manhã, na Defesa. Braga Netto conversou com eles na sequência.
Todos eles são mais antigos do que o ministro, jargão militar para dizer que se formaram em turmas anteriores à dele. Isso tem um peso grande no esquema hierárquico das Forças.
O mais agastado era Pujol, desafeto de Bolsonaro desde o ano passado, por divergências na condução do combate à pandemia: enquanto o presidente adotava uma agenda negacionista, o general lhe ofereceu o cotovelo em vez de um aperto de mão.
O presidente tentou removê-lo do comando, sem sucesso por falta de apoio de Azevedo. Recentemente, cobrou uma posição crítica ao Supremo Tribunal Federal devido à restauração dos direitos políticos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Azevedo e Pujol não repetiram o ex-comandante Eduardo Villas Bôas, que gerou celeuma ao pressionar a corte em 2018 a não conceder um habeas corpus ao ex-presidente, o que abriu caminho para seus 580 dias de prisão.
Pujol também foi duro ao dizer claramente que os militares tinham de ficar fora da política, no fim de 2020. A insatisfação do serviço ativo com a gestão do general Eduardo Pazuello, que não foi à reserva, à frente da Saúde foi outra fonte de estresse.
O trabalho de Braga Netto agora será acertar uma acomodação de nomes. Para Marinha e Aeronáutica, Forças de menor peso relativo, a sucessão deverá ser menos nevrálgica do que no Exército.
Ambas as Forças estão reunidas nesta tarde de terça para discutir os nomes a serem indicados para Braga Netto.
Em reunião na noite de segunda, o Alto-Comando da Força elencou os nomes à mesa, todos os mais longevos com quatro estrelas sobre os ombros.
A partir desta quarta (31), o mais longevo será José Luiz Freitas (Operações Terrestres), que irá à reserva em agosto. O mais antigo, Decio Schons (Departamento de Ciência e Tecnologia), deixa a ativa neste dia.
O segundo mais antigo é o chefe do Estado-Maior, o número 2 da hierarquia, Marco Antônio Amaro dos Santos. Ele trabalhou com Dilma Rousseff (PT), o que dificulta suas chances.
Mais obstáculos se colocam para o terceiro, Paulo Sérgio (Diretoria de Pessoal, que cuida da saúde dos fardados). Ele concedeu uma entrevista elencando as medidas restritivas que fizeram o Exército ter um índice de contaminação muito menor do que o da população, irritando o presidente.
Laerte Souza Santos (Comando Logístico) é o próximo da lista, mas era chefe do general Eugênio Pacelli, que perdeu o cargo após ter portarias de controle de armas derrubadas por ordem de Bolsonaro.
O próximo na fila é o comandante do Nordeste, Marco Antônio Freire Gomes.
Todos são próximos de Pujol, mas Freire Gomes tem simpatia no Palácio do Planalto por ter seguido uma carreira muito próxima à de Luiz Eduardo Ramos (Brigada Paraquedista, Forças Especiais), o general que agora foi para a Casa Civil e é um dos mais antigos amigos de Bolsonaro.
Ele sai como favorito para o lugar de Pujol, portanto. O fato de não ser o mais antigo não é impeditivo: já houve outros comandantes que foram escolhidos na mesma condição.
Bolsonaro discute com Centrão trocas em mais três ministérios
Kennedy Alencar, UOL, 30 de março de 2021
O presidente Jair Bolsonaro discute com aliados do Centrão a substituição de mais três ministros. O presidente disse a aliados que deverão deixar os postos os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Gilson Machado Neto (Turismo).
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deverá ser o padrinho de um dos novos integrantes do primeiro escalão de Bolsonaro. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), também está sendo ouvido pelo presidente.
As trocas se inserem no contexto político de evitar um impeachment devido ao desastre na pandemia e alimentar alguma chance de reeleição em 2022. Ontem, Bolsonaro fez uma dança de cadeiras em seis ministérios.
Bolsonaro queria que Pujol se manifestasse contra decisão do STF sobre Lula.
Thaís Oyama, Folha de S.Paulo, 30 de março de 2021
A gota d'àgua que fez o presidente Jair Bolsonaro pedir a cabeça do comandante do Exército, Edson Pujol, foi a recusa do general em se manifestar sobre a decisão judicial que anulou as condenações do ex-presidente Lula no início do mês. "O presidente esperava um posicionamento e ele não veio", afirmou um assessor palaciano.
Pujol pediu a renúncia do cargo nesta tarde, juntamente com os comandantes da Marinha e Aeronáutica. Bolsonaro cobrava do general uma iniciativa semelhante à que teve o ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, em 2018. Naquele ano, às vésperas do julgamento no Supremo Tribunal Federal do habeas corpus que poderia tornar Lula elegível, o general publicou um tuíte dizendo que o Exército repudiava a impunidade — no que foi interpretado como uma tentativa dos militares de pressionar o STF a barrar a candidatura do petista.
Pujol, embora crítico da decisão que tornou Lula ficha-limpa, tomada no dia 9 de março pelo ministro Edson Fachin, se recusou a endossar qualquer manifestação pública contra ela.
Seu superior imediato, o agora ex-ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, por sua vez, disse ao presidente que não poderia obrigar o comandante do Exército a fazer o que ele, Bolsonaro, desejava, e que uma tomada de posição do Exército naquele momento poderia lançar as Forças Armadas num terreno perigoso.
O governo já discute os nomes que poderão substituir Pujol, cujas convicções legalistas lhe renderam no entorno de Bolsonaro o epíteto de "isentão".
A iminente substituição do comandante do Exército, a saída do ministro da Defesa e a demissão do Advogado-Geral da União, José Levi, fazem parte de um mesmo pacote (que não comporta a exoneração do chanceler Ernesto Araújo nem a nomeação de Flávia Arruda para a Secretaria de Governo, estes movimentos da cota do centrão).
Levi foi dispensado ontem por motivo semelhante ao que empurrou Azevedo e Silva para fora do governo: ao se recusar a assinar a ação que o Executivo apresentou ao STF há dez dias visando a impedir governadores de decretarem lockdown, o Advogado-Geral da União, como Azevedo e Silva e Pujol, estava se negando a cumprir uma ordem presidencial que achou indevida.
Com o pacote de demissões na área militar e na entidade responsável por representar judicialmente a União, Bolsonaro pretendeu "dar um recado" àqueles que, acredita, têm "esticado a corda" - o que inclui não apenas o STF (a mudança de voto da ministra Carmem Lúcia na ação que julgou a parcialidade do ex-ministro Sergio Moro e beneficiou Lula no caso do tríplex do Guarujá foi o mais recente motivo para irritação do presidente com a Corte), como também lideranças no Congresso.
A Arthur Lira, por exemplo, o ex-capitão quis indicar que, se o presidente da Câmara, como disse, dispõe de "remédios amargos" e "até fatais" contra o governo, ele, Bolsonaro, também tem os seus.
A possibilidade, aventada pelo ex-capitão onze dias atrás, de tomar uma "ação dura", por exemplo, não sumiu do radar presidencial.
Diz o assessor palaciano que uma eventual decretação do estado de defesa teria um importante efeito político: "Seria uma forma de restaurar a autoridade federal".
Bolsonaro cortou cabeças, mostrou os dentes e libertou seus cachorros para latirem alto nas redes sociais. Mas é cedo para dizer se com isso sossegará.
Para generais, Bolsonaro busca uso político das Forças, perfil como de Villas Bôas no Exército e 'recados de apoio' nas redes sociais
Interlocutores afirmam que presidente passou a cobrar postagens em defesa do governo tanto do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, quanto do comandante do Exército, Edson Pujol.
Andréia Sadi, G1, 30 de março de 2021
Generais do Exército — da ativa e da reserva— ouvidos pelo blog desde ontem concordam que o presidente Bolsonaro quer fazer uso político das Forças Armadas — e que o general Edson Pujol, então comandante do Exército, era uma “pedra no sapato” nesses planos do presidente. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, tentava blindar o comandante do Exército ao mesmo tempo em que se mantinha leal ao presidente Bolsonaro.
Entre as ‘’missões’’ que o presidente gostaria que o general Fernando sinalizasse e que Pujol estivesse alinhado, estão “recados de apoio” nas redes sociais defendendo medidas da pandemia criticadas pelo governo, por exemplo, na área da segurança pública.
Segundo o blog apurou, Pujol deixou claro desde o começo que não faria nenhum gesto ao Executivo. Pior: irritou Bolsonaro quando, durante uma visita do presidente ao Sul, recusou-se a dar a mão para cumprimentá-lo, oferecendo o cotovelo, por medida de segurança contra a Covid.
Mas a situação entre Bolsonaro e Pujol foi ficando insustentável nas últimas semanas, quando o presidente passou a cobrar postagens nas redes sociais de defesa do governo tanto do general Fernando quanto do comandante do Exército. Nas palavras de um interlocutor dos militares, “um perfil parecido com o de Villas Bôas”, ex-comandante do Exército que, apesar de respeitado entre os militares, foi duramente criticado por colegas nas Forças Armadas, políticos e STF por ter postado nas redes sociais, na véspera do julgamento de Lula, em 2019, uma mensagem em tom de ameaça de ruptura institucional.
Bolsonaro, por sua vez, é um fã do general Villas Bôas —e tem preferência por um perfil no Exército que “se intrometa” na política, como avaliam generais ao blog.
No entorno do ministro Fernando Azevedo e Silva, interlocutores reforçam que isso jamais aconteceria com Pujol —ficou combinado, desde o começo da sua gestão, que o ministro Fernando e o governo cuidariam “do muro do quartel para fora e, ele, do muro do quartel para dentro”. O ministro Fernando tem excelente relação com Pujol e com os demais comandantes das Forças Armadas —e se recusou algumas vezes a tirar Pujol. No Exército, cansou a insistência do presidente de associar as Forças Armadas ao seu governo. Pujol foi contra a indicação de Eduardo Pazuello —general da ativa— para a Saúde, por exemplo.
Já o ministro Fernando, no papel de equilibrista, deu força a Eduardo Pazuello para ser secretário-executivo, assim como avalizou Braga Netto na Casa Civil e Luiz Eduardo Ramos na Secretaria de Governo. Mas o comando do Exército seguia incomodado com a tentativa de misturar imagens. Reclamou, inclusive, quando Bolsonaro promoveu uma reunião no Alvorada, convocando em maio de 2019 as Forças Armadas, e, no dia seguinte, foi a uma manifestação antidemocrática com discurso insinuando que as forças estavam com ele.
Para acalmar os ânimos, generais que atuam como mediadores, em meio à crise, querem propor o seguinte: Braga Netto assume a Defesa e, após esfriar a crise, o governo poderia trocar os comandantes das três Forças Armadas. Mas o Ministério da Defesa anunciou nesta terça a troca, sem indicar os motivos ou nomes dos substitutos.
Sobre a troca mirar o uso da força, como uma ameaça às instituições, generais repetem ao blog que o Exército é uma instituição “muito sólida” e não embarcaria em uma “aventura” do presidente da República.
Troca na Defesa denuncia crise militar e marca divisão entre generais sobre radicalismo de Bolsonaro
Saída de ministro e comandantes das Forças Armadas pega o país de surpresa e abre incógnita sobre as apostas do presidente, pressionado pelo Centrão e o setor econômico
Carla Jiménez, El País Brasil, 29 de março de 2021
A segunda-feira parecia agitada pela notícia da saída do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Mas foi a carta de demissão do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, que revelou o tamanho do caos no Governo Bolsonaro. Num momento de turbulências em Brasília com a pressão pela gestão pífia da pandemia de covid-19, a saída de Azevedo, amigo de longa data do presidente Jair Bolsonaro, mostrou que a estabilidade do Governo está cambaleante neste final de março. A leitura é clara: quando o ministro que dirige as Forças Armadas pede para sair de um Governo dominado por militares há uma discrepância maior do que parecia sobre os rumos da instituição. O anúncio de última hora de uma reunião dos três comandantes das Forças Armadas aumentaria a tensão. Nesta terça, confirmou-se que o trio desembarca do Governo Bolsonaro. “O Ministério da Defesa (MD) informa que os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica serão substituídos. A decisão foi comunicada em reunião realizada nesta terça-feira (30), com presença do Ministro da Defesa nomeado, Braga Netto, do ex-ministro, Fernando Azevedo, e dos Comandantes das Forças”, avisou o comunicado.
“Esta é uma crise militar séria”, diz João Roberto Martins Filho, estudioso das Forças Armadas no Brasil, organizador do livro recém lançado Os militares e a crise brasileira (Alameda Editorial). “É a primeira vez desde a redemocratização que acontece isso. O que falta desvendar é o que Bolsonaro vai fazer”, diz Martins Filho. Ao que tudo indica, a falta de posicionamento diante de anúncios radicais do Governo Bolsonaro estaria cobrando seu preço, culminando na saída de Azevedo.
Em meio ao anúncio de saída de outros ministros, foi a queda do ministro da Defesa a que mais deixou atônitos os brasileiros. Três generais de reserva ouvidos pela reportagem nesta segunda souberam pela imprensa que ele estava saindo e se disseram surpreendidos. Dois preferiram não comentar até se inteirar melhor dos detalhes. As versões e especulações se multiplicaram com o passar das horas logo após a divulgação da carta de demissão por volta das 16h. De certo, o consenso de que algum limite foi ultrapassado para as forças militares, que já vinham desgastadas pelos erros no Ministério da Saúde e na gestão da proteção à Amazônia.
Desde o início do seu mandato, Bolsonaro abusou de impulsos autoritários, como falar no emprego do artigo 142, que supostamente daria poderes às Forças Armadas de intervir em outros poderes, assim como insuflou protestos contra o Supremo Tribunal Federal. Embora tenha sido brecado pela Corte, manteve sua postura de radicalismo para agradar sua base de eleitores. No dia 8 deste mês disse que “meu Exército não vai obrigar o povo a ficar em casa”, confrontando o lockdown proposto por governadores para estancar as mortes pela pandemia. “Este é um Governo disposto a qualquer coisa, não tem limites”, diz Martins Filho. “A questão agora é saber por que a instituição se afasta dele. Precisam se distinguir?”, questiona.
A crise militar chega num momento péssimo para o Brasil que já prevê uma terceira onda da pandemia. Péssimo também para o Governo Bolsonaro, que entregou a cabeça do ministro Ernesto Araújo depois de uma briga escancarada do diplomata com o Congresso e forçou uma reforma ministerial com troca em outras cinco pastas, além da Defesa. Por trás dessa troca açodada, está o papel do Centrão, o grupo de partidos que prometeu sustentação a Bolsonaro desde que a presidência do Congresso foi renovada. O general da reserva Paulo Chagas acredita que a saída de Azevedo passa pelos acordos políticos do Governo. “A minha leitura pessoal é que o presidente quer mexer no time de ministros, mais fácil tratar com um contemporâneo seu”, diz Chagas, lembrando que a relação do ministro demissionário com Bolsonaro é de décadas e sempre foi muito boa, tanto do ponto de vista pessoal como profissional.
A crise chegou aos quartéis: Bolsonaro divide até a caserna
Bolsonaro está próximo de um beco sem saída. Busca no comando militar o único apoio institucional que lhe resta fora do Centrão; este último, por sua vez, parece mais alinhado com a elite econômica disposta a encerrar este desastroso desgoverno
RODRIGO VIANNA (29/03/2021)
O governo Bolsonaro se desfaz. Depois de ter trocado o terceiro Ministro da Saúde em um ano, e de ter sido obrigado a demitir o Ministro das Alucinações Exteriores, o presidente vê agora a crise desembocar na caserna.
A nota seca publicada pelo Ministro da Defesa, logo após ser obrigado a pedir demissão por Bolsonaro, deixa um recado certeiro: no cargo, diz o demissionário Fernando Azevedo e Silva, sempre “preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”. Há alguém querendo usá-las de outra forma? Todos sabemos que sim.
Lembremos que Azevedo foi o chefe militar levado por Toffoli para o STF. Era ele uma ponte entre fardados e togados, a negociar vetos e votos. A ponte se quebrou, o que indica que o Supremo pode virar alvo não apenas de cabos e soldados, mas também de generais.
Aí está o centro de tudo, a mãe de todas as crises que agora se desenlaça. Atordoado, pressionado e vendo seu governo se desfazer, Bolsonaro pediu arrego aos comandantes das três forças. Certamente há entre eles (na reserva e na ativa) quem tope usar as FFAA como instituição não de Estado, mas de salvação de um governo que implode sob a sombra de 300 mil mortos.
General Etchegoyen, articulador do golpismo de Temer, saiu das sombras nos últimos dias para reclamar duramente das decisões do STF que trazem Lula de volta ao jogo. Bolsonaro, é o que se diz em Brasília, procurou os comandantes militares para pedir apoio na aventura golpista. O filho dele Eduardo tuitou dizendo que é hora de romper a “ditadura” dos governadores – que tentam colocar alguma ordem na baderna bolsonarista da Saúde.
O jogo de palavras de Eduardo Bolsonaro, como sempre invertido e pervertido, deixa claro o objetivo da radicalização: fechar o regime, se possível com apoio das três forças. E salvar Bolsonaro do vexame de ser derrotado nas urnas por Lula em 2022.
O jogo de palavras de Eduardo Bolsonaro, como sempre invertido e pervertido, deixa claro o objetivo da radicalização: fechar o regime, se possível com apoio das três forças. E salvar Bolsonaro do vexame de ser derrotado nas urnas por Lula em 2022.
A nota mostra que há grave divisão política nas Forças Armadas:
- se estivessem todos fechados com a ideia de um autogolpe bolsonarista, Azevedo não precisaria se demitir, e seria ele mesmo chefe do arranjo militar que levaria o Brasil a um abismo ainda maior;
- se houvesse clara maioria contra o golpismo fardado, Azevedo enquadraria os rebeldes e ajudaria a encerrar o desastroso governo do capitão genocida.
Ao se demitir, de surpresa, Azevedo revela que a grave crise de governabilidade chegou aos quartéis. Isso em meio a ameaças de rebelião policial, fomentada por deputados extremistas, e às vésperas do 31 de março, quando a linha dura militar pretende comemorar mais um aniversário infame da ditadura de 1964.
Bolsonaro está próximo de um beco sem saída. Busca no comando militar o único apoio institucional que lhe resta fora do Centrão; este último, por sua vez, parece mais alinhado com a elite econômica disposta a encerrar o desastroso governo.
Bolsonaro começou 2021 com a perspectiva de um arranjo firmado no binômio: Militares + Centrão = estabilidade.
A equação mudou: Militares + Centrão = instabilidade. Os fardados e os extremistas seguem a ser maioria no ministério.
Não esperemos um confronto aberto de deputados e senadores conservadores com a caserna. Mas uma disputa desgastante e preocupante, num país já dominado pela epidemia e o desgoverno.
Enquanto isso, Mourão conta as tropas nos quartéis e os votos no Congresso. E pisca para a elite econômica: por que não eu?