Impacto da covid-19 na saúde mental é maior entre os jovens
Estudo realizado no Reino Unido revela ansiedade, incapacidade de concentração e preocupação sobre o emprego em níveis elevados em pessoas com idade entre 18 e 24 anos
Esquerda.net, 31 de Agosto, 2020
A investigação, realizada pela YouGov e projetada pela Resolution Foundation, sendo posteriormente analisada pela Health Foundation, abrangeu mais de 6.000 adultos. De acordo com os resultados obtidos, um terço das pessoas com idade compreendida entre 18 e 24 anos perdeu o emprego na pandemia, em comparação com um sexto dos adultos em idade ativa em geral, e aquelas que estão atualmente em regimes como o lay-off esperam ter um risco aumentado de desemprego quando estes terminarem.
“Os jovens foram atingidos de maneira particularmente dura pela crise económica, que afetou a sua segurança financeira e ameaçou as suas perspetivas de emprego”, afirmou o diretor assistente de parcerias estratégicas da Health Foundation, citado pelo Guardian. De acordo com Tim Elwell-Sutton, o impacto na saúde mental do grupo de menores de 24 anos é particularmente preocupante: “É essencial que os jovens tenham o apoio de que precisam para superar este período difícil. O governo precisa de colocar os jovens no centro das suas políticas de recuperação, para garantir que tenham a melhor hipótese de um futuro saudável”, alertou.
Num relatório da YouGov para a empresa financeira TransferWise, é assinalado que quase metade das pessoas com menos de 25 anos mudou de planos no que respeita à sua carreira profissional devido à pandemia. Tal deve-se ao temor de que a covid-19 tenha interrompido as suas perspetivas de emprego no futuro. Nos últimos meses, 65% dos jovens de 16 a 25 anos atualmente licenciados no Reino Unido alteraram os seus planos.
Prevê-se que a crise económica terá efeitos profundos sobre os que abandonam a escola e a universidade, e que muitos irão prolongar o seu percurso académico por mais tempo por forma a evitar entrar um mercado de trabalho atingido pela crise.
John Holmwood, professor de sociologia da Universidade de Nottingham, afirmou que a covid-19 exacerbará a desigualdade entre os alunos que podem atrasar a entrada no mercado de trabalho mediante a ingressão num mestrado e os seus colegas com menor capacidade económica.
Sinais de alerta na prevenção do suicídio
Isolamento e falas negativas devem ser tratados com atenção, acolhimento e respeito. Durante o mês de setembro é discutida a prevenção do suicídio. Um tema delicado, que requer cuidados para observar situações que podem levar o indivíduo atentar contra a própria vida.
Chris Xavier, EcoDebate, 31 de agosto de 2020
O psicólogo analítico Kléber Marinho já esteve à frente de instituições que lidam diretamente com pessoas vulneráveis ao suicídio e hoje ainda atende pacientes severos em seu consultório. Com experiência de mais de 20 anos na área, ele listou cinco sinais que uma pessoa pode emitir ao ter pensamentos suicidas.
Isolamento
Um indício forte de que algo está acontecendo é o isolamento da pessoa. O indivíduo se fecha e não desenvolve mais interesse por coisas que antes gostava de fazer. “Observar principalmente adolescente se estão muito no quarto. Mesmo respeitando o espaço deles é importante observar essa falta de movimento”, explica o profissional.
Falas negativas
De acordo com o psicólogo, algumas manifestações verbais não podem ser vistas meramente como chantagem ou um jeito de chamar atenção. “Muitas pessoas acreditam que quem diz que quer cometer suicídio, não faz. Essa situação é preocupante sim. Falas como “perdi o sentido da vida”, “quero sumir”, “vou deixar vocês em paz” ou que sinalizem baixa autoestima devem ser ouvidas com cautela e acolhimento”, afirma Marinho.
Falta de diálogo
O peso e a tristeza profunda que assolam a pessoa que pensa em acabar com a própria vida é imensa. Com medo de ser julgada ou de causar mais problemas aos que estão à sua volta, a pessoa se fecha e não fala de seus sentimentos. “É sempre importante insistir no diálogo, de forma respeitosa, porém é necessário procurar um lugar calmo e um momento de tranquilidade para isso. Oferecer ajuda especializada e canais de suporte são essenciais “, aconselha o psicólogo.
Depressão, álcool ou drogas
A maioria de pessoas que se suicidaram apresentavam um quadro de depressão. O abuso do álcool ou o uso de substâncias tóxicas agravam o caso e intensificam a impulsividade. “Drogas podem servir de gatilho para pessoas que já apresentam um comportamento suicida”, explica Kléber.
Redes sociais
Outro sinal que pode ser observado são “pedidos de ajuda” camuflados nas mídias sociais, sinalizando que estão com problemas ou quando seguem páginas relacionadas a morte. “Outra evidência é quando o usuário compartilha com seus amigos conteúdo impróprio que incitem o suicídio”.
Kleber Marinho enfatiza outras mudanças de comportamento, como alimentação, sono e agressividade e devem ser observadas. E assim que um ou mais desses sinais forem identificados é preciso conversar de forma acolhedora e empática, e em seguida procurar ajuda especializada.
Saúde mental, a eterna “loucura” do capitalismo
Os aparatos ideológicos do sistema constroem um ideal de desejo exigente e insaciável, ao passo que, através dos anos, especialmente com o avanço do neoliberalismo, se reduziu o padrão de vida dos trabalhadores e se condenou a juventude à precarização no trabalho. O consumo de psicofármacos, instabilidade mental, ansiedade, depressão, intolerância ao sofrimento, frustração e estresse no trabalho são consequências de tudo isso.
Eduardo Camín, CLAE, 3 de agosto de 2020
Para informar a gestão da Covid-19, é vital compreender o impacto socioeconômico das políticas utilizadas para administrar a pandemia, que inevitavelmente terão graves efeitos na saúde mental, ao aumentar o desemprego, a insegurança econômica e a pobreza.
A fim de proteger o bem-estar dos trabalhadores, durante esse período de crise e mudança, a Organização Internacional do Trabalho - OIT publicou um novo guia dirigido aos empregados, empregadores e gerentes, denominado Gerenciar os riscos psicossociais relacionados ao trabalho, durante a pandemia de Covid-19.
O guia abrange dez áreas de ação, durante o confinamento e o retorno ao local de trabalho. Contém orientações sobre como organizar o espaço físico no local de trabalho, incluindo a disposição e os pontos de exposição aos agentes perigosos, a forma de avaliar o volume e a distribuição do trabalho no contexto específico da Covid-19.
Indica como lidar com a violência e o assédio, e de que maneira uma liderança firme e eficaz pode ter um impacto positivo sobre os empregados. Além disso, explica aos trabalhadores como proteger a si mesmos de demissões injustas, em situações em que se recusam a trabalhar por medo de que sua saúde ou sua vida possam estar em perigo.
Manal Azzi, especialista em segurança e saúde do trabalho, observou que “com um número tão alto de trabalhadores sofrendo as consequências psicológicas da pandemia, a saúde mental não pode continuar sendo um tabu. (…) Diante desse impressionante nível de incerteza, os trabalhadores podem sofrer alterações de humor, baixa motivação, fadiga, ansiedade, exaustão e até pensamentos suicidas”.
“Também pode haver uma série de reações físicas, como problemas de digestão, alteração de apetite e peso, reações dermatológicas, cansaço, doenças cardiovasculares, distúrbios osteomusculares, dores de cabeça e outras dores. Além disso, pode levar ao aumento do uso de tabaco, álcool e drogas como forma de lidar com o estresse", acrescentou.
Passar por essa pandemia é difícil. Muitos de nós nunca viveram essa situação. Não temos normas, experiência ou modelos a seguir. É por isso que ter orientações e falar sobre saúde mental no local de trabalho é vital para quebrar o tabu.
Patologias de uma velha/nova "normalidade"
O teletrabalho tornou-se parte da nova normalidade. Submeteu os trabalhadores a novas tensões, já que se encontram isolados e tentando conciliar responsabilidades profissionais e familiares, e percebem que as fronteiras entre a vida profissional e a pessoal não são claras, quando se trabalha a distância. O fenômeno foi tão repentino e massivo que nenhuma norma de teletrabalho oferece proteção adequada para esse novo espaço de trabalho.
Os trabalhadores que estão na linha de frente, como os da saúde e de serviços de emergência, mas também aqueles envolvidos na produção de bens essenciais, na entrega e transporte a domicílio, e os responsáveis por garantir a segurança da população, também enfrentam muitas situações estressantes devido à pandemia.
Nos últimos meses, tiveram que suportar um aumento na carga de trabalho, mais horas de trabalho, pouco tempo de descanso e o medo constante de se infectar no trabalho e transmitir o vírus para familiares e amigos.
Além disso, muitos temem perder o emprego. Demissões em massa estão afetando todos os setores da economia. O desemprego está nos níveis mais altos, desde a Grande Depressão, não se deve estranhar que todos sintamos insegurança em relação ao futuro. Se não forem avaliados e gerenciados de maneira apropriada, esses riscos psicológicos podem desencadear e exacerbar a ansiedade e se transformar em problemas de saúde mental reais.
Na medida em que a pandemia continua presente em nossas vidas, os especialistas falam, e enfatizam cada vez com maior frequência, a pandemia de Saúde Mental que o confinamento e a esta crise de saúde pública vão gerar. Os efeitos psicológicos, sociais e neurocientíficos da Covid-19 estão sendo explorados em diferentes partes do mundo.
Mesmo antes do termo Covid 19 entrar em nosso vocabulário, o esgotamento, o estresse e a ansiedade eram problemas críticos no local de trabalho. Obviamente, com a pandemia, as coisas pioraram muito. Nos últimos meses, muitos trabalhadores se sentiram impotentes diante das mudanças profundas que sofreram.
A saúde mental: pandemia do capitalismo
Dado que a situação de isolamento social exigida pela Covid-19 coloca sobre a mesa a saúde mental, suas patologias e como abordá-las, seria necessário contribuir para o debate a partir de uma perspectiva classista que contemple integralmente essas problemáticas.
Como se percebe a saúde mental? É verdade que a maioria dos transtornos mentais e/ou desordens não são facilmente perceptíveis, visíveis. Não apresentam os sintomas físicos claros e universais de doenças conhecidas como tais, como a tosse e a de uma gripe, ou marcadores bioquímicos precisos, como os vírus.
Se as pessoas com essas condições não falam, ou seu ambiente social não percebe a situação - que apresenta indicadores e sintomas próprios -, o problema é ignorado e, portanto, não é tratado em conjunto com um profissional a tempo.
Isso é acompanhado pela construção de preconceitos em torno de patologias mentais, que vão do medo ao negacionismo. Preconceitos que são construídos e reforçados quando não se oferece, por nenhuma instituição, informações científicas e claras sobre a problemática e que se aprofundam juntamente com o próprio problema, quando não se acessa o atendimento psicológico gratuito.
Muitas vezes, essa situação se condensa em um círculo vicioso, quando a patologia produz exclusão social e é acompanhada de desespero, medo e pode levar à autoagressão e até suicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada 40 segundos, uma pessoa se mata.
Os aparatos ideológicos do sistema constroem um ideal de desejo exigente e insaciável, ao passo que, através dos anos, especialmente com o avanço do neoliberalismo, se reduziu o padrão de vida dos trabalhadores e se condenou a juventude à precarização no trabalho. O consumo de psicofármacos, instabilidade mental, ansiedade, depressão, intolerância ao sofrimento, frustração e estresse no trabalho são consequências de tudo isso.
Isso não é coincidência e nem culpa de um vírus. De qualquer forma, o vírus é o capitalismo voraz, desumanizante, que durante todas as suas crises tentou sair delas passando por cima das classes mais desprotegidas, reduzindo a qualidade de vida das pessoas de baixo, a estabilidade socioeconômica e, portanto, a estabilidade mental das pessoas.
Existe um mandato de felicidade construído dentro do capitalismo neoliberal, potencializado pelo pós-modernismo adaptado, no qual a felicidade é alcançada apenas a partir da individualidade. Um mandato de felicidade irrealizável, fantasioso e meritocrático, que pode responder aos ideais burgueses (ter casa, filhos, carro e cachorro) ou a uma fantasia pós-moderna de felicidade fora da sociedade (viver sozinho na montanha e cultivar sua comida).
A obrigação de produtividade, os horários de trabalho alterados e, é claro, o desemprego, particularmente nesse contexto. A saúde mental dos trabalhadores não tem absolutamente nenhuma importância para os patrões.
Essa sociedade capitalista desumanizou, alienou e fez desaparecer a diferença entre tempo de trabalho e espaço de lazer, relações sociais e vida privada, criatividade e produtividade, necessidades humanas e autossegurança, a serviço da valorização do capital, em detrimento do bem-estar das pessoas.
Os movimentos sociais chilenos cunharam em suas paredes uma daquelas frases que ilustram bem a situação: “Não é depressão, é capitalismo". Isso não significa que as patologias como tais não existam e que o sofrimento que geram não seja real. Quebrar os mitos negacionistas implica aceitar que o problema existe e ver como deve ser analisado na perspectiva classista.
Portanto, os problemas de saúde mental não são estranhos ao sistema, pelo contrário, são característicos dele, são sistêmicos. Vivemos em um sistema excludente, como consequência, as medidas de atenção e contenção dessas patologias também são excludentes: o acesso ao atendimento psicológico, tratamentos adequados, incluindo as hospitalizações, são estratificados como em todo o sistema de saúde em geral.
Esses problemas afetam especialmente os setores populares, a juventude e os trabalhadores. Portanto, devem ser abordados como tal, sem negacionismo, nem infantilismos. Tem que ser uma preocupação de toda a sociedade e não apenas daqueles que sofrem e dos trabalhadores da saúde.
O sistema capitalista é um sistema desumanizador, que reprime e expulsa indivíduos que não lhe são úteis, que carrega seus mecanismos de poder, que tenta se perpetuar através de um mecanismo social que se alimenta de contradições.
Infelizmente, milhares de pessoas cometem suicídio todos os anos e muitas outras sofrem de doenças mentais relacionadas não apenas à estrutura econômica do capitalismo, mas também à sua própria essência repressiva.
Há um longo caminho a percorrer. É necessária uma abordagem classista da saúde mental, que permita uma visão integral sobre a problemática. O capitalismo gera sofrimento e nega as possibilidades de tratá-los adequadamente. Será necessário alcançar uma sociedade mais justa, onde a saúde e o bem-estar sejam verdadeiramente direitos universais.
Eduardo Camín é jornalista uruguaio credenciado na ONU-Genebra, analista associado do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica. Matéria reproduzida do IHU-Unisinos. A tradução é do Cepat.
Pandemia e saúde mental: o que sabemos sobre impactos e medidas mitigadoras?
"Aluno que não consegue aprender, professor que não consegue ensinar, assistente social ou profissional de saúde afastados do trabalho e homens que abusam das mulheres e familiares são casos de afetações pela pandemia em termos de saúde mental. Sem enquadrar esses problemas nesses termos ou colocando-os à margem, perde-se de vista um importante mecanismo causador de problemas sociais e econômicos"
Monika Dowbor, Marilia Veronese, Lidia Ten Catee Brenda Thamires Comandulli, IHU-Unisinos, 20 de julho de 2020
A pandemia do Covid-19 é inédita em termos de abrangência, mas não é a primeira que ocorre no mundo; neste sentido, retornar às pandemias, desastres e crises de emergência humanitária anteriores pode ser uma importante fonte de aprendizagem. Mais ainda quando colocamos em foco os efeitos de médio prazo de um evento tal como uma pandemia, ou seja, aqueles que se desdobram ao longo dos primeiros anos, quando o problema em si some das agendas de governos e dos noticiários. A literatura identifica três principais efeitos, dentre os quais segurança alimentar, trabalho e renda, assim como efeitos na saúde mental. Neste artigo, resultado da pesquisa em fontes acadêmicas secundárias nacionais e internacionais sobre efeitos de médio prazo, vamos apresentar o que se sabe sobre os impactos na saúde mental desses eventos catastróficos, com foco em algumas populações mais vulneráveis, bem como discutiremos os achados sobre as medidas anteriormente adotadas e a serem potencialmente utilizadas para mitigar esses efeitos.
O desafio de lidar com a saúde mental é grande. Os problemas relacionados com ela tendem a ser vistos como individuais, pesando sobre eles o preconceito social que os relega à esfera doméstica ou ao tratamento farmacêutico. O acesso às psicoterapias individuais e grupais é fortemente dificultado pelas desigualdades sociais. Seus impactos tampouco tendem a ser claramente identificados como tais e não raramente a atribuição de causas dos problemas sociais oculta a especificidade da saúde mental.
Os problemas relacionados com saúde mental tendem a ser vistos como individuais, pesando sobre eles o preconceito social que os relega à esfera doméstica ou ao tratamento farmacêutico
No entanto, as pesquisas identificam uma forte associação entre os problemas de saúde mental e dificuldade no aprendizado, desempenho profissional abaixo da média, sobrecarga do sistema de saúde público e agravamento da violência. Essas são situações em que a saúde mental debilitada dos sujeitos impacta nas relações sociais, políticas públicas e economia, sendo por elas também impactadas. Aluno que não consegue aprender, professor que não consegue ensinar, assistente social ou profissional de saúde afastados do trabalho e homens que abusam das mulheres e familiares são casos de afetações pela pandemia em termos de saúde mental. Sem enquadrar esses problemas nesses termos ou colocando-os à margem, perde-se de vista um importante mecanismo causador de problemas sociais e econômicos.
Efeitos na saúde mental em contextos de pandemias e outros desastres
Os problemas de saúde mental surgem como consequência direta e indireta da própria infecção pela doença, bem como das estratégias e intervenções para evitar o descontrole da pandemia. Entre as intervenções para diminuir a disseminação de um vírus está o isolamento de pacientes, distanciamento social e/ou quarentena (Schuchmann et al., 2020). Tais medidas impactam na saúde mental da população interferindo nas reações emocionais sobre a pandemia (Talevi et al., 2020).
Os problemas de saúde mental surgem como consequência direta e indireta da própria infecção pela doença, bem como das estratégias e intervenções para evitar o descontrole da pandemia
Em geral costuma-se pensar na saúde mental da população que foi acometida pela doença ou vírus em relação à vivência direta da pandemia; mas o número de pessoas afetadas tende a se estender à população geral e a se reproduzir no tempo (Ornell et al., 2020). Um estudo realizado um ano após o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), em 2003, identificou o isolamento e a quarentena como fatores preditivos para Transtorno de Estresse Agudo (TEA), Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT), abuso de álcool e substâncias, estando presentes na população geral, infectados ou não, mesmo após um ano do ocorrido (Lee et al., 2007).
Dessa forma, durante e após situações de pandemia há o aumento de sintomas como estresse, ansiedade, depressão, evitação, manifestações psicossomáticas, abuso de álcool e outras substâncias psicoativas, produzindo transtornos mentais e sofrimento psicológico (Qiu et al., 2020). Além disso, pode ocorrer o aumento do número de suicídios (Petterson et al., 2020), e o agravamento de transtornos mentais preexistentes (Haider, Tiwana & Tahir, 2020).
Nesse sentido, pesquisadores apontam alguns grupos mais vulneráveis aos efeitos na saúde mental provocados pela pandemia, como profissionais da saúde (Talevi et al., 2020), profissionais da educação (Alisic et al., 2012); crianças e jovens (Yoshikawa et al., 2020; Haider, Tiwana & Tahir, 2020); pessoas com transtorno mental preexistente (Haider, Tiwana & Tahir, 2020; Usher, Bhullar & Jackson, 2020); e pessoas em situação de vulnerabilidade social (Banco Mundial, 2016; Armitage & Nellums, 2020).
Durante e após situações de pandemia há o aumento de sintomas como estresse, ansiedade, depressão, evitação, abuso de álcool e outras substâncias psicoativas
Os profissionais da saúde que atuaram na linha de frente durante a pandemia da SARS expressaram maiores índices de ansiedade, depressão, medo, frustração e propensão a desenvolverem Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) (Wu, Chan & Ma, 2005). Um ano após o surto, esses trabalhadores apresentaram níveis mais altos de estresse e sofrimento psíquico do que os trabalhadores de outras áreas (Talevi et al., 2020). Uma pesquisa recente realizada com médicos, enfermeiros e equipe técnica que atuaram durante a Covid-19 na China apontou resultados substancialmente negativos em saúde mental. Esses profissionais revelaram altas taxas de depressão, ansiedade, estresse e insônia, necessitando de apoio psicológico (Lai et al., 2020). Além dos fatores estressantes do trabalho, o afastamento do convívio com a rede de apoio social e a ausência de protocolos e tratamentos para Covid-19 desencadearam sentimentos de solidão e desamparo nos profissionais da área (Ornell, Halpern, Kessler & Narvaez, 2020).
Com o fechamento das escolas, crianças e jovens tendem a vivenciar a violência doméstica e o abuso infantil ficando próximos de seus agressores por mais tempo, sendo esses fatores importantes para desenvolvimento e o agravamento dos transtornos psiquiátricos (Haider, Tiwana & Tahir, 2020). Além disso, crianças que muito cedo são expostas ao isolamento social podem sofrer seus efeitos psicológicos ao longo de muitos anos, ou mesmo pelo resto da vida (Yoshikawa et al., 2020).
No contexto escolar, uma pesquisa realizada na Holanda identificou que um a cada cinco professores têm dificuldade em lidar com as questões emocionais das crianças, dando um apoio inferior ao necessário (Alisic et al., 2012). Deve-se atentar à alta carga emocional que professores costumam ter de lidar no cotidiano, após experiências traumáticas vivenciadas pelas crianças ou por eles/as mesmos/as. Nesse sentido, é importante levar em conta os elevados os índices de afastamentos de educadores na região metropolitana do RS por questões de saúde mental (Carlotto et al., 2019), revelando vulnerabilidades anteriores à própria pandemia.
As pessoas que estão em tratamento para diferentes condições se tornam mais vulneráveis em função do isolamento social forçado (Usher, Bhullar & Jackson, 2020). O estresse vivenciado nesse período contribui para o estabelecimento de transtornos mentais, além de agravar os preexistentes (Haider, Tiwana & Tahir, 2020). O aumento da ansiedade pode intensificar os sintomas de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e ansiedade, estando relacionados à necessidade de lavagem frequente das mãos e medo de infectar os outros ou infectar-se, muito comuns em profissionais da saúde (Ornell, Halpern, Kessler & Narvaez, 2020; Haider, Tiwana & Tahir, 2020).
Vulnerabilidade social: a necessidade de um olhar atento
As relações entre saúde/doença mental e vulnerabilidade social são complexas, e não se pretende fazer uma associação simplista entre ambas, o que poderia reforçar desigualdades e estigmas. As pessoas não são vulneráveis apenas porque são pobres, mas estão vulneráveis em função de uma situação relacional, posicionada num dado espaço-tempo de suas vidas. É importante destacar o caráter relacional e sociopolítico de qualquer situação de vulnerabilidade. Entretanto, a partir do que se encontra na literatura de referência, é possível compreender que o impacto de uma pandemia sobre as populações em vulnerabilidade social é intenso, pois encontram-se mais expostos a intempéries, recebendo menos apoio social de família e amigos/vizinhos, sistemas financeiros e governos (Banco Mundial, 2016).
O estresse vivenciado nesse período contribui para o estabelecimento de transtornos mentais, além de agravar os preexistentes
A pobreza, então, é apontada como fator de risco para situações de vulnerabilidade, sendo que a entendemos a partir de uma leitura multidimensional (Sen, 2010), como privação das capacidades e liberdades básicas dos sujeitos. Dessa forma, baixa escolaridade e menor renda são fatores de risco para o desenvolvimento de sofrimento mental, sendo o Transtorno Mental Comum (TMC) mais observado neste grupo (Patel, 2003; Lorant et al, 2003; Patel & Kleinman, 2003).
São considerados TCM as manifestações de sintomas depressivos, estados de ansiedade, irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade de memória e concentração e queixas somáticas variadas (Parreira et al, 2017). Injustiças e desigualdades de acesso a direitos fundamentais (sistemas de saúde, justiça, trabalho etc.) situam os pobres em um lugar de desqualificação social (Paugam, 2003) e isso tem profundas implicações psicológicas, com efeitos negativos no bem-estar e nos estados de saúde desse segmento da população.
As condições de vida em pobreza são, portanto, produtoras de sofrimentos psicossociais específicos, já que provocam sentimentos de humilhação, inferioridade, baixo controle sobre as condições de vida e impotência, tendo tais sentimentos íntima relação com as experiências de sofrimento psíquico (Barbosa, 2019; Fonseca, 2008). Pode-se encontrar, ainda, um recorte de gênero: as mulheres são mais vulneráveis às depressões e à ansiedade e os homens estão mais sujeitos ao alcoolismo e ao envolvimento em situações violentas, tendo eventualmente as mulheres como vítimas (Nepomuceno e Ximenes, 2019). Num estudo sobre depressão em mulheres na periferia de São Paulo, as entrevistadas identificavam a origem da doença em eventos passados, como perda de filhos, episódios violentos ligados ao tráfico de drogas, desemprego e violência por parte dos companheiros (Martin et al, 2007).
As mulheres são mais vulneráveis às depressões e à ansiedade e os homens mais sujeitos ao alcoolismo e ao envolvimento em situações violentas, eventualmente com mulheres como vítimas
Os estudos nacionais e locais que já estão em curso vão tornar os dados mais precisos e trazer sua face brasileira dos impactos da pandemia na saúde mental. No entanto, o quadro geral já aponta para a gravidade do problema e suas consequências em diversas áreas da vida; a revisão da literatura mostra que muitos países, incluindo o Brasil, têm desenvolvido ações e programas para lidar com essa nova realidade. Tratamentos individuais com uso de tele saúde, cuidado integral à saúde e comunicação confiável compõem a tríade dessas medidas complementares, que protegem a vida, contemplando a saúde mental como parte integral desta.
Como intervir: medidas mitigadoras de efeitos na saúde mental
As terapias individuais são talvez as primeiras intervenções que venham à mente quando se trata de saúde mental. Tendem a ser restritivas seja pelo tempo seja por recursos financeiros, mas em emergências, alguns países têm recorrido a elas. Na pandemia de Ebola, países da África Ocidental, por exemplo, ofereceram suporte psicológico individual a crianças e professores com ocorrência de mortes pelo vírus em seu círculo familiar (UNDP, 2015). A China também priorizou esse tipo de atendimento durante a atual pandemia de COVID-19: a população foi dividida em grupos de um a quatro com escala gradual de prioridade para atendimento (NBC, 2020).
O principal diferencial que a pandemia de COVID-19 traz para esse tipo de intervenção, em função da necessidade de distanciamento social, é o uso de plataformas digitais para atendimentos. Na cidade do Rio de Janeiro o atendimento a profissionais de saúde está sendo feito virtualmente e em horários que dialoguem com seus plantões (Rio de Janeiro, 2020). De forma semelhante a outros setores, o uso de dispositivos tecnológicos e serviços oferecidos no modo virtual se impuseram por força das circunstâncias, quebrando paradigmas e dissipando consensos fáceis e enviesados pelas pessoas com riqueza de recursos. Legitima-se a “telessaúde” e com isso amplia-se o acesso aos tratamentos individuais.
O segundo conjunto de medidas se refere a práticas que integram o cuidado a saúde mental em outros serviços públicos, especialmente nos países em que esses serviços são de caráter universal e de responsabilidade do Estado como no Brasil. A gestão do cuidado integral pode ser compreendida como a soma do cuidado nas dimensões individual, familiar, profissional, organizacional, sistêmica e societária (Siewert et al, 2017). Isso pode ser feito através de equipes multidisciplinares, com a inserção de profissionais da saúde mental em ações de educação, saúde e assistência social (Ornell et al, 2020). Também é realizado através de busca ativa por comportamentos de risco que pode ser feita por todos os profissionais da linha de frente dos serviços, se este forem capacitados a buscar esses sinais e preparados psicologicamente para isso (Haider, Tiwana & Tahir, 2020).
Aproveitar os canais e equipamentos já existentes para a disseminação de cuidados com a saúde mental oferece vantagens adicionais. Um dos principais achados de estudos sobre saúde mental pós desastres é a menor aceitação ao suporte individual pela população (Rodriguez e Kohn, 2008). Nesse sentido, portanto, as ações inseridas em outras políticas permitem a aproximação com a população e facilitam a identificação dos casos de pessoas que de outra forma não buscariam auxílio. Outro ponto específico para o Brasil é que o atual modelo de atenção tanto no Sistema Único de Saúde quanto do Sistema Único de Assistência Social (SUS e SUAS) se apoia em cuidados integrais e capilarizados e que já trabalham com a saúde mental em algum grau. São exemplos desse tipo cuidado as oficinas, grupos terapêuticos e fortalecimento de vínculos. Assim, a inclusão de linhas específicas de ação com foco na saúde mental no contexto de pandemia e seus efeitos de médio prazo encontra um ambiente institucional propício e com maior potencial de eficiência no que se refere a implementação de uma política.
Assim, no âmbito do SUS as práticas desenvolvidas na Atenção Básica e nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são instrumentos com forte potencial para ações de acompanhamento dos efeitos da pandemia sobre a saúde mental no médio prazo. As equipes de estratégia da saúde da família têm em seu escopo a promoção da saúde e prevenção de agravos. Dessa forma, ao depararem-se com casos de transtornos em saúde mental, estes são encaminhados de acordo com o nível de complexidade para outros serviços da rede de atenção psicossocial (RAPS).
Dentro da atenção básica ainda são desenvolvidas atividades de grupos e oficinas de acompanhamento. Como as estruturas dos CAPS são indicadas para Municípios ou regiões de saúde com população acima de quinze mil habitantes (Ministério da Saúde, 2011), a atenção básica se torna fundamental para aproximação de saúde mental da população, uma vez que apenas com a expansão desse tipo de acompanhamento se podem acompanhar transtornos e não deixar que se tornem situações graves.
A confiabilidade e a coerência das informações são fundamentais para a implementação de qualquer política de isolamento social a recomendações de práticas de promoção a saúde mental durante e a pandemia
Por fim, a comunicação confiável, apesar de ser fator menos óbvio, é de justificada importância quando se avalia o contexto pandêmico. Essas situações tendem a gerar incerteza, que desencadeia sentimentos de estresse e ansiedade (Usher, Durkin & Bhullar, 2020), potencializando transtornos mentais já existentes e aumentando a chance de desenvolver novos. Um caso que exemplifica a necessidade de informações é o ocorrido no Brasil em relação as favelas e periferias. Ainda no início da propagação do vírus Covid-19, as especificidades da favela em relação ao contágio não eram apresentadas pelos meios de comunicação de massa; assim, uma série de iniciativas da sociedade civil se debruçou sobre isso e surgiram mapas de contágio na periferia (Instituto Marielle Franco, 2020). Campanhas como a "Coronavírus nas favelas" promovida pela Frente de mobilização da Favela da Maré e outras iniciativas que apesar de focadas em áreas específicas, levaram informação para um grande número de pessoas.
A comunicação confiável gera confiança e credibilidade e é uma ferramenta que pode ser construída por canais governamentais e pela mídia em geral, bem como por organizações da sociedade civil, como vimos nos exemplos das favelas cariocas. A confiabilidade e a coerência das informações são fundamentais para a implementação de qualquer política de isolamento social a recomendações de práticas de promoção a saúde mental durante e a pandemia. A comunicação tem potencial de incidir no período imediato ao diminuir a incerteza, e com isso atenuar sintomas de ansiedade e estresse. A médio prazo também é necessário estabelecer um canal informativo com credibilidade para transmitir segurança à população e esclarecer os impactos e formas de mitiga-los.
Os três conjuntos de medidas não compõem uma lista de opções excludentes e seus impactos se potencializam na medida em que há usos complementares. A oferta de suporte individual é necessária para acolher os casos identificados durante o atendimento nas etapas do cuidado integral (que começa na comunidade, na atenção básica), bem como à população que, através das informações sobre riscos de saúde mental, identifica-se com potencial risco. Por outro lado, o cuidado integral também é necessário para dar vazão à demanda completa dos serviços de saúde mental à população afetada, especialmente aos grupos mais vulneráveis.
A já comentada resistência ao tratamento de condições relativas à saúde mental é observada não só nas emergências de saúde pública; boa parte da população desconhece os comportamentos de risco e os sinais para a busca de ajuda. O debate da saúde mental vem crescendo nos últimos anos, mas ainda está longe de ser tratado no mesmo nível de diálogo que os problemas de saúde física. Essa falta de nitidez gera um comportamento de risco generalizado na população, que tende a abusar da medicalização como única forma de tratamento válido (Amarante e Torre, 2018).
Conclusões
A saúde mental é uma área sensível em situações de emergência, pelo seu potencial de afetar diversos âmbitos da vida em sociedade. Nesse sentido, se relaciona com outros fatores importantes diante de situações de desastre, como segurança alimentar, trabalho e renda. O sujeito em sofrimento psicológico intenso pode ser incapaz de buscar recursos de alimentação ou trabalhar, afetando diretamente a saúde e renda de seu núcleo familiar, e impactando a sociedade quando ocorre em larga escala. Mitigar os impactos nocivos desse tipo de contexto é benéfico tanto em sentido individual quanto coletivo.
Para pensar estratégias e intervenções é necessário contar com os dispositivos das redes já estruturadas. O incentivo à intersetorialidade nas políticas públicas é fundamental para gerar a integralidade necessária na prestação de um cuidado integral. Nesse sentido, o cuidado integral abrange um conjunto articulado de ações e serviços em saúde considerando diferentes níveis de complexidade, superando a fragmentação dos serviços de saúde e potencializando ações coletivas numa construção democrática de cuidado em (Paim & Silva, 2010). Em outras palavras, para além dos dispositivos de atenção à saúde, os de educação e de assistência necessitam formas de gestão que os faça operacionalizar suas iniciativas de forma integrada, otimizando recursos e garantindo um cuidado mais abrangente e eficiente aos indivíduos e grupos sociais.
O artigo teve discussões iniciadas dentro de GT de Políticas Sociais e Educação do Comitê de Dados do Governo do Rio Grande do Sul. Disponível aqui.
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