Aleksandr Dugin, com ligações à extrema-direita mundial, é considerado um importante assessor do presidente da Rússia, Vladimir Putin. É o mentor do euro-asianismo que defende a expansão da Rússia aos antigos territórios da URSS para ganhar a guerra cultural com o Ocidente.
Dani Domínguez, Esquerda.net, 28 de fevereiro de 2022
“O Rasputin de Putin”. Assim chamam muitos ao pensador e analista Aleksandr Dugin, para alguns um dos principais assessores do presidente da Rússia(link is external) Vladimir Putin. De aspeto desalinhado, Dugin parece ter capturado parte da aura mística de Rasputin, que exerceu uma grande influência sobre a dinastia Romanov durante os seus últimos dias. Contudo, não é um personagem muito conhecido fora da Rússia. Pelo menos para o grande público.
Filho de um alto cargo da nomenclatura militar soviética, sempre mostrou um grande interesse pelo orientalismo, pelo ocultismo, pelo hermetismo, pela teologia… Ainda que, no final de contas, os seus livros de cabeceira tenham sido o belga René Guénon e o italiano Julius Évola, considerados como os pais do neofascismo cultural místico durante a segunda metade do século XX, centrais na Nouvelle Droite, ou seja na terceira revolução que a extrema-direita conheceu depois de 1945.
O também chamado “cérebro de Putin” aposta numa aliança entre os países europeus, já que considera que “são demasiado fracos para defender a sua soberania por si próprios”, apostando num populismo total que acabe com o liberalismo e se afaste do nacionalismo xenófobo e racista.
Um discurso que encontrou eco na extrema-direita europeia e que pela sua influência também se materializou noutros países, onde foi acolhida de bom grado a sua Quarta Teoria Política publicada em 2009.
Tal como se explica no livro Patriotas indignados(link is external) (Alianza Editorial, 2019), as relações deste ideólogo com o neofascismo húngaro do partido Jobbik ou com Nikos Michalokiakos, que foi líder dos neonazis da Aurora Dourada na Grécia, foram frutíferas. Os laços do Kremlin também se evidenciaram em Itália com Silvio Berlusconi, cuja boa relação com Vladimir Putin permitiu grandes negócios(link is external) de empresas italianas com a russa Gazprom; ou com a extrema-direita austríaca do FPÖ, os flamencos do Vlaams Belang e com a União Nacional de Marine Le Pen em França. A líder da extrema-direita francesa, segundo o El Confidencial(link is external), conseguiu um empréstimo de uma entidade financeira ligada ao Kremlin num momento crítico do ponto de vista económico para o seu partido.
No dia em que Donald Trump ganhou as eleições, Dugin afirmou(link is external) que se tratava de algo “incrivelmente bonito” e “um dos melhores momentos” da sua vida: “consideramos Trump como o Putin americano”. Também mostrou(link is external) simpatias pela Lega de Matteo Salvini e a sua admiração pelo pensamento de Constanzo Preve e Diego Fusaro.
O nascimento de uma ideologia
Dugin realizou na década de 1990 duas viagens por diferentes países da Europa como a França, Itália ou Espanha para se reunir com determinados círculos de extrema-direita, por isso, os autores de Patriotas indignados – Francisco Veiga, Carlos González-Villa, Steven Forti, Alfredo Sasso, Jelena Prokopljevic e Ramón Moles – chamaram-lhe o “Ulisses da ultradireita russa”. Segundo se explica neste trabalho, durante o seu périplo conheceu Jean Thiriart, político belga de ideologia fascista, e o também belga León Dregrelle, fundador do Partido Reixista e oficial das Waffen SS que conseguiu escapar para Espanha depois da derrota alemã na IIª Guerra Mundial.
Em Espanha, teve contactos com o Clube Espanhol de Amigos da Europa(link is external), um grupo neonazi fundado em 1996, e com o jornalista José Javier Esparza, que junto com Jorge Verstrynge promoveu(link is external) as idas da Nouvelle Droite no país.
Como se explica no relatório Dos neocon aos neonazis(link is external), da Fundação Rosa Luxemburgo, o editor ultradireitista Juan Antonio Llopart manteve durante anos “uma estreita relação de amizade com Dugin, traduzindo algumas das suas obras para o castelhano. Mas foi a publicação da Quarta Teoria Política do filósofo russo o que fez com que uma parte da direita tradicional espanhola se aproximasse dos seus postulados e, assim, da Rússia. “Alguns setores muito minoritários no Vox e na sua órbita namoram com esta aproximação”, explica Pep Ginesta, que assina o capítulo do mencionado relatório dedicado à ligação da extrema-direita espanhola com o Leste da Europa.
Todas estas viagens moldaram o discurso de Aleksandr Dugin, definido como “um camaleónico monstro de Frankenstein”, construido à base de pedaços que vieram de lados diferentes, e que fez a faísca da nova ultradireita russa.
A partir deste momento, o novo Rasputin tornar-se-ia num personagem de renome para o ultra-nacionalismo da Rússia – com a ressurreição do euro-asianismo que defende uma suposta legítima expansão da Rússia aos antigos territórios da URSS para ganhar a guerra cultural com o Ocidente e ser o contraponto do atlantismo.
Dugin, segundo o trabalho editado pela Alianza Editorial, tornou-se “uma das personalidades com maior influência no Kremlin como inspirador da nova política externa russa”, as suas obras tornaram-se(link is external) manuais para a Academia do Estado-Maior da Rússia. As polémicas em que se viu envolvido – em 2014 defendeu(link is external) que os russos deviam “matar, matar e matar os responsáveis pelas atrocidades” na Ucrânia – valeram-lhe ser afastado do Departamento de Sociologia da Universidade Estatal de Moscovo ou para que o Kremlin nunca se tinha gabado ostensivamente da sua relação com ele.
Uma internacional (pós)fascista?
A aposta numa suposta internacional pós-fascista virulentamente anti-globalista foi bem acolhida por Marion Maréchal Le Pen, sobrinha de Marine Le Pen. Para isso fundou o Institut des Sciences Sociales, Économiques et Politiques que tem como objetivo(link is external) lutar contra a “hegemonia cultural que, segundo ela, está dominada pela esquerda. Maréchal Le Pen imaginou uma “nova aliança que podia caminhar ao lado dos países de Visegrado” composto pela Eslováquia, a Polónia e a República Checa, países onde o ultra-nacionalismo ganha força.
Em Espanha, o ISSEP impulsionou(link is external) várias pessoas ligadas ao Vox como Kiko Méndez Monasterio ou Gabriel Ariza, filho de Julio Ariza, presidente e fundador do Grupo Intereconomia, em cuja televisão – El Toro TV – José Javier Esparza é o apresentador estrela, atual professor do ISSEP e um contactos de Dugin em Espanha durante os anos 1990.
O Vox apoia-se nos postulados de Dugin principalmente no que diz respeito à suposta luta contra as “elites globalistas”. Uma elites que são representadas apenas por um personagem: o multimilionário húngaro George Soros, uma espécie “olho que vê tudo”, um ente corpóreo que manobra tudo, desde os meios de comunicação social até aos botes nos quais milhares de imigrantes se lançam à água. Como bem dizia(link is external) Héctor G. Barnés, “você pode estar a trabalhar para George Soros. O talhante que lhe vende o fiambre, o médico que o cura ou o varredor que limpa as ruas da sua cidade, também.” Para a extrema-direita tudo é Soros e tudo se mexe porque Soros quer que se mexa, principalmente através da sua organização filantrópica, a Open Society Foundation. O húngaro – e judeu – é o centro da conspiranóia da ultra-direita e, por isso, Dugin assegurou(link is external) que proibiria a sua fundação pela sua “ação totalitária”.
Ginesta, ainda que considere que a Quarta Teoria Política de Dugin é compatível com o espaço que ocupam os movimentos tradicionalistas dos quais se nutre o Voz, nota que “é demasiado cedo para aventurar-se a dizer que existe um plano para situar o Vox na órbita da TCP”.
A Internacional fascista ou pós-fascista nunca chegou(link is external) a concretizar-se como projeto global ou transnacional. O nacionalismo das extremas-direitas torna difícil um entendimento entre formações de diferentes Estados. São conhecidas as disputas entre algumas delas nos últimos anos, como quando em 2007 o grupo Identidade, Tradição e Soberania que aglutinava diferentes partidos de ultra-direita no Parlamento Europeu, este quase a desaparecer. O motivo? Umas declarações da eurodeputada Alessandra Mussolini, neta do ditador italiano, nas quais assegurava que todos os romenos eram ciganos e assim ”não eram bem-vindos no país”. Face a isto, os cinco eurodeputados do Partido da Grande Roménia decidiram abandonar o grupo, que teve de ser dissolvido por deixar de ter os 20 parlamentares. Mais recentes foram as desavenças(link is external) entre Abascal e Salvini à conta do apoio deste último ao independentismo catalão.
Como defende Robert O. Paxton na sua Anatomia do fascismo(link is external) (Capitán Swing, 2019) “o fascismo, diferentemente de outros “ismos”, não é para exportação: cada movimento guarda zelosamente a sua própria receita para o ressurgir nacional e os dirigentes fascistas parecem sentir pouco parentesco, ou nenhum, com os seus primos estrangeiros.” Estas peculiaridades nacionais, juntas com a xenofobia, tornaram impossível “conseguir que funcionasse uma “internacional fascista”.
Dani Domínguez é redator do La Marea y coordenador do suplemento #yoIBEXtigo. Texto publicado originalmente no La Marea. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.