Vinícius Oliveira, de Aracaju (SE)
Em momentos conjunturais de protofascismo, como no que estamos sobrevivendo, o terror impacta em proporções objetivas e subjetivas. O inimigo sempre aparenta uma invencibilidade inevitável. A sensação é de esforço para sucessivas derrotas. Mas, se continuarmos olhando apenas por meio das lentes da aparência midiática ou da auto-derrota, perderemos a percepção que o inimigo também se arrisca ao desvendar-se aos olhos do povo. Sim, eles têm suas milícias, seus agitadores, seus provocadores, seus comunicadores, afinal, a direita no Brasil nunca deixou de ser popular (como afirma Safatle). Ela apenas não se apresentava centralizada na atuação partidária, mas como uma força hegemônica. E por ser hegemônica nunca foi total. Pois nem nos regimes totalitários hegemonizam-se a todos. Sempre permaneceu os que resistem, os que re-existem, os que insurgem! Geralmente de forma espontânea e camuflados. Os que estiveram sempre do lado certo da história, porque sempre tiveram a capacidade enxergar o tempo presente, em movimentos para parir futuros tem dentro da tarefa: construir COM o povo trabalhador. Por isso, o primeiro passo é a solidariedade como princípio e cultura militante.
A origem da palavra solidariedade, segundo Hofmann (apud BRUNKHORST, 2002, p. 10), encontra–se no direito romano. Para Brunkhorst, o termo solidariedade significa "sólido". Solidus é o próximo e o seguro. O conceito romano–legal in solidum significa o dever para com o todo, a responsabilidade geral, a culpa coletiva, a obrigação solidária: obligatio in solidum. Um por todos, todos por um. O conceito de solidariedade tem ainda duas outras fontes: 1) a idéia de unidade pagã–republicana (do grego homonoia e do latim concordia) e amizade civil (do grego philia e do latim amicitia), e 2) a idéia bíblico–cristã de fraternidade (fraternitas) e amor ao próximo (caritas) (BRUNKHORST, 2002, p. 12). O significado de fraternidade denota que os cristãos, além dos laços consangüíneos, são irmãos em Cristo. Em resumo, para nossa concepção classista, no mínimo a solidariedade tornou–se um conceito para fundamentar a redistribuição dos riscos sociais entre diferentes setores pertencentes a mesma classe social.
As desigualdades entre os trabalhadores.
Estimular a desigualdade entre a própria classe trabalhadora sempre foi tática da hegemonia do sistema. Em um país com estrutura colonial e militarista, com uma frágil democracia que convive com o racismo estrutural, é necessário refletirmos as condições individuais para cada sujeito exercer sua militância. Se temos uma concepção que quer chegar a raiz da exploração e da opressão, tem que ser de baixo para cima. Dando condições de quem está mais embaixo poder lutar. Para poder lutar precisamos respirar, ter protocolos de cuidado diferentes para quem mora em zona alvos direto da necropolítica. Carona é legal, mas saber que vai ter apoio de segurança conjunta para voltar para casa viva, estimula mais a organicidade, nem que seja uma mensagem no grupo “chegamos”. A atividade só acaba quando todo mundo chega vivo e bem em casa.
Não é que não queiramos viver AQUI, é que não queremos continuar vivendo ASSIM
Ir aos territórios reunir também é saudável, mas vamos sempre pisando devagarinho. Para o “pobreriado”, não gastar para quem não tem salário, já ajuda, para quem não sabe quando vai receber, a tarefa do dia muitas vezes é gastar zero. E se tiver cervejinha com análises posteriores, um abrigo noturno para quem precisa ou uma vaquinha garantida para ajudar na cerveja e no retorno, salva demais! Quem tem mais, chega com mais, quem tem menos, chega com a presença.
Apoiar e financiar projetos dos movimentos sociais é fundamental, mas apoiar ou financiar periodicamente e sistematicamente, permite que o movimento social tenha uma condição mínima para agir em outras tantas tarefas invisibilizadas na comunidade e no território, contribui na autonomia de classe do povo e de suas organizações mais imediatas, se o movimento tem muito projeto bom, imagina quantos não saem da reunião por falta de estrutura? Que tal você reunir seus chegados que tem sensibilidade social e condições financeiras e convencer eles a financiar uma intervenção de um movimento social? Que tal debater na direção de sua entidade um apoio fixo mensal? Se tá inseguro, cava um espaço para que possamos explicar. Mas não se engane: se não tem solidariedade real, será muito improvável haver classismo.
A Solidariedade é uma semente híbrida.
É necessário construir uma nova política não apenas com fala, mas com GESTOS, como dizia Paulo Freire. Óbvio que as ações não serão soluções, mas devem apontar princípios, incendiar corações, dar unidade à causa, permitir organicidade, reorganizar forças e ter perspectiva de vitórias políticas e concretas. Tentar inspirar “quem conhece a Liberdade sem olhar no dicionário” impõe socialização coletiva dos riscos. É urgente criar espaços de acolhimento, de solidariedade e construção de utopias para reforço dessa consciência, que ao saber do potencial de consciência, pode tornar-se também força. Porque a solidariedade é uma semente híbrida, ao alimentar a terra, germina força e esperanças coletivas.
Vinicius Oliveira é jornalista, educomunicador e militante do movimento comunitário TUDO para TODOS