O salto de espécies é um processo natural. Mas a intervenção humana gera um desequilíbrio que leva à exportação de doenças para fora do ambiente em que eram mantidas sob controle.
A próxima pandemia? Poderá começar do Brasil, e em particular da floresta amazônica. A Amazônia é, de fato, uma enorme reserva de vírus de todos os tipos, incluindo os coronavírus como o que está circulando no momento e nos trancou em casa por meses. Essa é a opinião de David Lapola, ecologista da Universidade de Campinas, Brasil.
O motivo é simples: nessas áreas onde a biodiversidade está em seus níveis mais altos, vivem muitas espécies, incluindo as invisíveis. Elas estão em equilíbrio entre si, mas quando ocorre algo que as perturba, podem mudar seu comportamento. Não é por acaso que os casos de zoonose, que são infecções transmitidas de animais para humanos, estão aumentando.
São desse mesmo tipo outros vírus e bactérias que geraram doenças importantes como HIV, Ebola e Zika, mas também peste bubônica, salmonela, tuberculose e toxoplasmose.
Provêm de animais criados em condições de grandes concentrações e poderiam ser prevenidas vacinando-os regularmente e mantendo-os em menor número e em espaços mais amplos.
Também existem os animais silvestres que nunca deveriam ser levados a viver em contato com ambientes domésticos humanos. Até nossos animais de estimação, pássaros, cães e gatos têm doenças que não são as nossas. Mas, neste caso, eles não nos contaminam porque estão acostumados à nossa convivência há milênios, e a evolução entre eles e nós ocorreu no mesmo ambiente.
O spillover, ou seja, o salto de espécies é realmente um processo natural. O patógeno do animal sofre mutação e se torna capaz de se reproduzir e se transmitir em outros hospedeiros, aqueles com quem inesperadamente se encontra em contato, aqueles cujas populações têm números consistentes. Adquire novas capacidades, como produzir novas versões de proteínas do capsídeo e, dessa maneira, consegue penetrar nas células humanas. Os coronavírus têm uma taxa de mutação mais alta, e isso explica as razões do seu sucesso.
De acordo com Lapola, o salto até agora ocorreu com mais frequência no sul da Ásia (Covid-19, gripe asiática, gripe aviária) e na África (Ebola, Zika, febre do Nilo), onde, entre outras coisas, se encontra a maioria das famílias de morcegos, os mesmos de que deriva o Covid-19. Mas não é culpa desses animais. Segundo Lapola a culpa deve ser procurada nas práticas que perturbem os ecossistemas e forçam as espécies a se adaptarem a outros ambientes.
A Amazônia é um grande reservatório de coronavírus potencialmente perigosos porque, além de contê-los, é continuamente degradada. A intervenção humana gera um desequilíbrio que leva à exportação de doenças para a sociedade, fora do ambiente natural em que viviam e eram mantidas sob controle.
O culpado é o desmatamento contínuo ao qual está sendo submetida, que além de destruir os ambientes em que os animais vivem, leva o homem a ocupar áreas onde a presença humana nunca havia sido prevista antes, transformando o que poderia ser apenas um problema do Planeta, em algo que afeta diretamente a nós mesmos.
Em 2019, após a eleição de Jair Bolsonaro, o desmatamento aumentou 85% em relação ao ano anterior: mais de 10.000 quilômetros quadrados. Bolsonaro fez declarações muito precisas que permitiram e incentivaram as operações de extração, a extensão das fazendas de criação, o corte de árvores, a criação de estradas de alto tráfego. Ele também confirmou que não quer considerar os indígenas como a comunidade à qual a floresta pertence, a que poderia protegê-la melhor do que qualquer outra. Em agosto de 2019, em comparação com o ano anterior, a taxa de desmatamento havia atingido 222% a mais, de acordo com dados registrados pelo Prodes, o projeto brasileiro de monitoramento por satélite.
Depois, houve os devastadores incêndios de agosto, mais de 74 mil, com mais de 12 milhões de hectares. Devido a críticas de todo o mundo, o presidente brasileiro enviou um contingente de militares. Uma ação que foi vista como propaganda. De fato, nos primeiros quatro meses de 2020, apesar do coronavírus, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do INPE, outros 1.205 quilômetros quadrados de floresta já foram desmatados, um aumento de 55% em relação ao mesmo período de 2019.
Portanto o processo continua de modo incessante, e se também for seguido por uma urbanização e, em geral, por um aumento da população que habita na área, o contato entre o homem e agentes patógenos animais será inevitável. A extensão da área de plantação de soja teve um papel importante: também aumentaram as fazendas que usaram o dinheiro das vendas das terras anteriores para comprar extensões maiores nas regiões amazônicas, onde o preço é muito menor. Uma vez lá, cortam as árvores e constroem novas fazendas. Isso ocorreu particularmente no Pará, que também foi um dos estados mais atingido pelos incêndios.
David Lapola enfatizou que seria necessário reestruturar a relação que existe entre a sociedade e a floresta. Para salvaguardar a Terra, mas sobretudo a nossa saúde.
Reproduzido do IHU-Unisinos. A tradução é de Luisa Rabolini,