Indústria e Serviços foram os setores mais afetados, enquanto queda do consumo das famílias bate recorde, com recuo de 12,5%, segundo dados do IBGE desta terça. Auxílio emergencial atenuou impacto
Heloisa Mendonça, El País Brasil, 1 de setembro de 2020
O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil registrou um tombo histórico de 9,7% no segundo trimestre, na comparação com os três primeiros meses do ano, segundo dados divulgados nesta terça-feira pelo IBGE. Em relação a igual período de 2019, o PIB caiu 11,4%. Ambas as taxas foram as quedas mais intensas da série, iniciada em 1996. O resultado inédito mostra o forte impacto da pandemia do coronavírus na atividade econômica e os efeitos das medidas de isolamento social. Com a retração, a economia brasileira entra em recessão técnica, caracterizada por dois trimestres consecutivos de encolhimento do PIB. A queda do primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre do ano passado foi revisada para 2,5%, ante 1,5% inicialmente informado.
Entre os segmentos, a maior queda foi na Indústria (-12,3%), puxada pelo forte recuo na produção de produtos duráveis ou semiduráveis, como automóveis e vestuário, respectivamente. O setor de não-duráveis, como alimentos e itens de higiene, no entanto, contribui para amenizar o resultado negativo.
Com o fechamento de vários estabelecimentos no país ― como bares, lojas e restaurantes ―, principalmente durante abril e maio, o setor de serviços, responsável por cerca de 70% do valor do PIB brasileiro, se retraiu 9,7% no trimestre. Já o setor da agropecuária apresentou variação positiva de 0,4%, puxada, principalmente, pela produção de soja e café. “Esses resultados referem-se ao auge do isolamento social, quando diversas atividades econômicas foram parcial ou totalmente paralisadas para enfrentamento da pandemia”, disse a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis.
Auxílio emergencial não impede queda histórica do consumo das famílias
Pelo lado da demanda, o maior tombo foi no consumo das famílias (-12,5%). O auxílio emergencial do Governo ajudou a atenuar o resultado negativo, mas não foi suficiente para impedir o recuo pela demanda por bens e, principalmente, por serviços, setor que que foi o principal motor do crescimento após a última recessão de 2015/2016. “O consumo das famílias não caiu mais porque tivemos programas de apoio financeiro do Governo. Isso injetou liquidez na economia. Também houve um crescimento do crédito voltado às pessoas físicas, que compensou um pouco os efeitos negativos”, afirmou Palis.
Os investimentos também sofreram um forte recuo de 15,4% ante os três primeiros meses do ano. Já as exportações cresceram 1,8%, enquanto as importações caíram 13,2%, especialmente com o dólar em alta desde o início do ano.
Matos ressalta que o PIB divulgado nesta terça-feira revela um retrovisor da média dos últimos três meses do primeiro semestre, porém desde abril, considerado o fundo do poço, a atividade aponta para uma recuperação. “Foi muito negativo em abril, menos ruim em maio e junho um pouquinho menos pior”. Segundo estimativas do Ibre, o cenário de retomada deve se manter nos próximos meses, mas em ritmo mais gradual, em função da cautela dos consumidores, em um contexto de mercado de trabalho muito fragilizado.
A extensão do auxílio emergencial até o fim do ano, anunciada por Bolsonaro nesta manhã, deve também atenuar a queda do PIB deste ano. O presidente prorrogou o benefício para mais quatro parcelas (de setembro até dezembro) de 300 reais, metade do valor inicial de 600 reais. O ministro da Economia, Paulo Guedes, fez um breve discurso logo após o anúncio e disse que Bolsonaro “não deixou ninguém para trás” na concessão do auxílio. Sobre o resultado da economia no segundo trimestre, Guedes afirmou que os impactos já estão ficando para trás. “Estamos decolando em V”, afirmou o ministro, que acredita que depois da queda rápida da atividade, deve acontecer também uma alta na mesma intensidade.
O momento atual, no entanto, é ainda de elevadas incertezas, não apenas pela resposta dos diferentes segmentos econômicos à crise como pela própria evolução dos casos do coronavírus. Atualmente o Brasil ainda possui níveis elevados no número de contágios e mortes pela covid-19 ― somando mais de 121.000 vítimas da doença ―, e a pressão por mais gastos se intensifica em um espaço fiscal muito limitado.
De acordo com Matos, no terceiro trimestre, o país já deve apresentar um resultado positivo na economia, no entanto, ainda há dúvidas quanto ao comportamento da atividade no último trimestre e no próximo ano com a diminuição e fim gradual dos estímulos. “A grande pergunta é se o emprego irá voltar. Hoje ainda não temos a radiografia real da queda do desemprego, já que muitas pessoas ainda não estão procurando emprego por conta da transferência do Governo”, diz. Quase 9 milhões de postos de trabalho foram perdidos no Brasil no segundo trimestre. “A redução do auxílio nos próximos meses vai revelar como fica a economia, a capacidade de manutenção de consumo, de geração de emprego. O que parece hoje é uma dependência muito excessiva. E ano que vem não há espaço no orçamento para esses estímulos”. A economista estima que o país retornará ao nível de atividade do quarto trimestre de 2019, isto é, pré-pandemia, apenas no segundo semestre de 2022.
Nesta semana, o mercado financeiro reduziu a estimativa para o recuo do PIB para este ano, revisando a estimativa de uma queda de 5,46% para 5,28%. Esta foi a nona semana seguida de melhora do indicador. Para 2021, a aposta do mercado é de um avanço de 3,50% da economia, segundo o boletim Focus, que reune as previsões dos analistas das 100 principais instituições financeiras.