Foto de Bruno Kelly, de Manaus
Enquanto o mundo luta para vencer uma pandemia que já contaminou quase cinco milhões de pessoas, o Brasil se mantém numa crise política sem precedentes. O país caminha a passos largos para contar seus mortos na casa das dezenas de milhares. Estima-se que os contaminados no país passem da casa do milhão, devido à subnotificação e à baixa testagem. Rivalizamos com os Estados Unidos numa corrida da morte em que já ultrapassamos a Itália, Espanha e Reino Unido. Esta progressão nos levará diretamente ao epicentro da crise pandêmica.
Os sistemas de saúde de alguns estados já chegaram ao limite e o lockdown - ou bloqueio total com sanção - é pregado por especialistas como única alternativa para segurar a propagação. Já foi, adotado em São Luís e Belém e vem sendo estudado por Rio de Janeiro, Ceará, e São Paulo. Do governo federal, para além de discursos radicais contra as medidas de isolamento, não se pode mesmo esperar nada: apenas 6% dos respiradores anunciados em abril foram entregues a três estados, e de quebra, tivemos dois ministros da saúde demitidos em meio à pandemia.
O atual ministro Interino da Saúde, outro ineditismo brasileiro, foi colocado no cargo para implementar a política que os anteriores, mesmo tendo fortes ligações com planos de saúde ou indústria farmacêutica, se recusaram: a liberação de um remédio sem estudos finalizados, para justificar a volta ao trabalho e supostamente salvar a economia. Com essa linha, infecta-se o máximo de pessoas possível para criar a chamada “imunidade de rebanho”. Evidente que isso multiplicaria os óbitos.
As medidas de importação das matérias primas da hidroxicloroquina, alteração na sua bula e propaganda, além de sua fabricação em infra-estrutura do Exército, revelam a faceta mais nefasta de Bolsonaro e Trump: uma verdadeira política de eugenia social. Eles defendem abertamente a morte de “quem tiver que morrer” e a preservação de quem tiver condições de se tratar e produzir.
Lá e á, quem vive e quem morre tem cor e classe social. Jogar a escolha da morte pela fome ou pela doença para milhões de famílias amontoadas em filas à espera da renda básica emergencial, é uma tentativa bárbara de esconder que o verdadeiro algoz é o governo.
Mas se Bolsonaro não tem política para salvar a vida das pessoas, para salvar o seu governo ele mobiliza todos os recursos e os esforços. Desde a saída de Moro (om a consequente perda de parcela da sua base anti-corrupção), Bolsonaro investiu em grandes negociatas com o centrão, que envolveu grandes fundos, ministérios e cifras robustas para emendas parlamentares. Os militares ganharam mais poder, as principais lideranças fundamentalistas foram preservadas, ao mesmo tempo que os pedidos de impeachment são empilhados sobre a mesa de Rodrigo Maia.
Teremos semanas decisivas - para Bolsonaro, para o país e para a oposição e os movimentos sociais, também.
Por um impeachment unitário da esquerda e dos movimentos
A entrevista de Paulo Marinho, suplente de Flávio Bolsonaro no senado e ex-aliado, à Folha de S. Paulo no domingo 17/5, impõe novas investigações sobre a família Bolsonaro e suas relações com milicianos. O que foi revelado pelo empresário é tão grave quanto as denúncias de Moro. Se se comprovar que a família Bolsonaro se movimentou durante o período eleitoral para esconder provas do caso do Queiroz, a partir de vazamento de informação pela a PF, não somente o mandato de Bolsonaro está comprometido, mas todo o processo eleitoral.
Motivos legais não faltam para exigir a interrupção deste governo. Somam-se às revelações de Marinho o processo das fake news, que já rendeu um pedido de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão ao STF feita pelo PSOL, a investigação sobre a natureza dos acampamentos fascistas) frente aos quais Bolsonaro comparece religiosamente aos domingo, atacando a democracia e a liberdade de expressão ao reivindicar o fechamento do Congresso e do STF.
Há também o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, que pode ser divulgado a qualquer momento pelo ministro do STF Celso de Mello. Pelo que já foi apurado, Bolsonaro deixou explícita, naquela reunião, sua intenção de interferir na PF para proteger sua família, o que constitui crime de responsabilidade dos mais evidentes.
O instrumento impeachment sempre foi um recurso polêmico na História da política brasileira. Nas duas vezes que esse recurso teve êxito, seja no caso de Collor, em 1992, ou no de Dilma, em 2016, tinha havido uma fortíssima queda da popularidade de ambos (por razões bem distintas) , combinada com uma denúncia jurídica e/ou política, com apoio em mobilizações de setores de massa.
Pesquisas de opinião pública sobre a resposta ao coronavírus por parte dos governantes demonstrou o maior deslocamento da base bolsonarista desde o início de seu mandato. Se, antes disso, as opiniões de ótimo/bom, regular, ruim/péssimo se dividiam em um terço para cada, a partir da pandemia houve um deslocamento significativo de regular para ruim/péssimo fazendo este último apontar para mais de 40%.
O cerco vai se fechando sobre Bolsonaro, mas estamos longe de prever um fácil desenlace para esta crise. Ainda que mais isolado, o bolsonarismo é expressão de um setor fascista, miliciano, corrupto e golpista, que tem uma base social de massas e não vai aceitar pacificamente ser derrotado. O fato de não podermos utilizar as ruas como nosso instrumento de disputa e pressão popular, é, indubitavelmente, um obstáculo, mas não um empecilho. A pressão popular e articulação dos movimentos sociais foi fundamental para batalhas institucionais como a aprovação da renda básica emergencial e a paralisação do PL da grilagem.
As redes de solidariedade surgidas autonomamente nos bairros têm feito treinamentos de saúde básica, distribuição de itens essenciais de higiene e alimentação. Os trabalhadores e trabalhadoras de serviços essenciais, desde os da saúde até entregadores de aplicativos têm realizado protestos por salários dignos, equipamentos de proteção e condições de trabalho. Todas essas pautas são apoiadas, ao som do #ForaBolsonaro, em panelaços de Norte a Sul do país e dos Centros às periferias. Enquanto as juventudes e frentes de mobilização ocupam as redes com grandes campanhas pelo direito à vida, educação e dignidade.
Portanto, não há tempo para movimentos isoladas e conflito de protagonismo, muito menos padecer pela paralisia. É urgente que a esquerda se coloque para canalizar cada uma dessas pautas, lutas e articulações em um pedido de impeachment unitário entre os movimentos sociais, entidades democráticas e todas as forças progressistas.
O PSOL se apresenta para esta tarefa e vem buscando costurar junto aos movimentos sociais, partidos políticos, intelectuais e entidades, um pedido unitário construído por muitas mãos - que não se resuma ao protocolo, mas que siga sendo instrumento de aglutinação social e possivelmente unificação com outros pedidos. Para que, desta maneira, articulado com as manifestações de janelas e ruas, sejamos capazes de derrotar este projeto neo-fascista em sua totalidade.
Passou da hora de o Congresso Nacional, na figura de Rodrigo Maia, abrir o debate do afastamento do presidente genocida e colocar o impeachment na pauta. Passou da hora das investigações sobre a família Bolsonaro serem feitas com o máximo de urgência e transparência. Se elas resultarem em cassação da chapa da chapa eleita de forma manipulada em 2018, com convocação de novas eleições, melhor ainda será para a democracia e a vida em nosso país. A questão central é deter o genocídio que se anuncia e isto não será possível apenas com isolamento social e máscaras. É preciso retirar o genocida Bolsonaro da cadeira presidencial o quanto antes.