12 de julho de 2023. Executiva Nacional da Insurgência.
Há pelo menos 30 anos se debate uma reforma que mexa em duas falhas da estrutura tributária brasileira:
1- Complexidade - administrar os mais de 90 tributos diferentes cobrados no Brasil e um emaranhado de leis que acarreta custos desnecessários para o poder público e para a iniciativa privada;
2 - Regressividade - os mais pobres contribuem proporcionalmente mais do que os mais ricos (em especial pela forma como tributamos o consumo).
Em 2019, no primeiro ano do Governo Bolsonaro, foi apresentada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 45/2019) que pretendia simplificar e tornar mais eficiente o sistema tributário.
Na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), quando o projeto foi votado, o PSOL apresentou voto em separado como forma de alertar para o fato de que a PEC não mexia na regressividade da nossa tributação. A simplificação era louvada, mas tinha que se alertar a sociedade de que uma oportunidade histórica de mexer na regressividade da tributação estava sendo perdida.
Quando a mesma PEC foi resgatada pelo novo Governo Lula como modelo de Reforma Tributária, corria-se o risco novamente de termos apenas uma simplificação da tributação. No entanto, o PSOL e o campo progressista conseguiram incluir pontos importantes no texto do Relator:
- desoneração da Cesta Básica;
- possibilidade de cashback (retorno de imposto pago pelos mais pobres);
- tributação de iates e jatinhos;
- obrigatoriedade de que o Governo apresente uma reforma da renda em até 180 dias.
No entanto, essas vitórias dependem ainda de legislação complementar para serem efetivadas. E, a depender do que for aprovado, na desoneração da cesta básica, por exemplo, pode entrar a desoneração de agrotóxicos e outros interesses do agro.
A proposta traz ainda outros problemas: como a constitucionalização da Lei Kandir - isenta impostos para exportação de produtos primários - e abre portas para privilegiar ainda mais o sistema financeiro - ao não incluir o princípio de que a mesma carga tributária atual será mantida para o sistema financeiro.
Como era de se esperar de uma reforma que mexe com tantos interesses, ela foi votada no tranco, sob a condução coordenada do Centrão. A emenda aglutinativa, em que acordos de última hora foram consolidados para formar uma maioria, foi apresentada em cima da hora. Sem qualquer condição de avaliação técnica pormenorizada.
Essa emenda aglutinativa trouxe problemas, como a expansão da imunidade de templos, abarcando “entidades religiosas” - o que, eventualmente pode isentar grandes conglomerados econômicos e políticos que atuam no campo religioso.
A bancada do PSOL apresentou destaque para derrubar essa expansão da imunidade de templos e outro destaque para restringir a possibilidade de desoneração de agrotóxicos. Ambos derrotados, infelizmente, com os votos contrários do PT e do Governo.
No texto principal, a maioria da bancada do Partido votou favorável, numa avaliação de que, ao colocar na balança, o texto trazia mais avanços do que retrocessos e que essa era uma votação importante para fortalecer o Governo e enfraquecer a extrema direita.
Enquanto 3 deputado(a)s votaram Abstenção, numa avaliação de que seu voto chamaria atenção para os problemas que o texto contém.
Avaliações diferentes e legítimas, ainda mais se considerar que a bancada não teve tempo de se reunir e deliberar uma posição conjunta já com o texto final devidamente conhecido.
Em seguida, tivemos um ataque organizado de influenciadores petistas contra o(a)s 3 deputado(a)s exigindo uma fidelidade ao governo que não interessa a um partido de esquerda autônomo que quer disputar os rumos de um governo de coalizão.
Esse voto divergente traz um risco, no entanto: que as diferenças de percepção na bancada se cristalizem, consolidando duas frações, uma de maioria e outra de minoria. Episódios anteriores mostraram justamente que o PSOL se posiciona da melhor forma quando consegue convergir as sensibilidades internas.
É essa síntese capaz de unificar o partido que pode fortalecê-lo diante de tantas batalhas pela reforma tributária que ainda estão pela frente.
O foco do partido, e do campo progressista, agora, deve ser derrubar no Senado a ampliação da imunidade religiosa e tantos outros pontos negativos. E atuar para que a Legislação, que a Reforma apontou como condição de garantir progressividade, seja de fato votada. Para isso, precisará aglutinar um amplo campo social para pressionar o Governo e o Parlamento.
A Reforma se tornou um dos principais terrenos de disputa com a extrema direita, que se viu acuada e fracionada, frente à aprovação de uma pauta que eles defenderam por muito tempo. Ficou evidente que se tratou de uma demarcação com o governo e não uma divergência de projetos.
A extrema direita coleciona importantes derrotas nesse primeiro semestre de governo - as repercussões dos atos antidemocráticos; a perda de mandato do Dalagnol; a inelegibilidade de Bolsonaro e, agora, a Reforma Tributária.
Ao mesmo tempo, o Governo vai ampliando sua popularidade frente a um cenário econômico mais favorável e uma maior estabilização política, com a efetivação de políticas públicas positivas, como a retomada e fortalecimento do Bolsa Família, a intervenção no território Yanomami, o fim das escolas cívico-militares, o reajuste do salário mínimo e tantas outras.
Por outro lado, o mesmo Governo vai construindo acordos com o agronegócio, o sistema financeiro e a bancada evangélica para estabilizar uma base parlamentar com o Centrão.
Frente às contradições desse tempo presente, cresce a importância de um partido autônomo, que participe da base, dando apoio ao Governo, garanta a aprovação de reformas - ainda que tímidas, ainda que contraditórias - mas que ao mesmo tempo, se diferencie em pontos que fogem ao programa eleito nas urnas.