Resultados nas capitais do Sudeste apontam: número de mandatos coletivos e LGBTI+ nas Câmaras despontou. O de mulheres não superou os 30% sugerido pela Lei de Cotas. Partido que mais cresceu, e renovou bancada, foi o Psol
Flavia de Faria, Outras palavras, 24 de novembro de 2020
As eleições de 2020 trazem alguns aspectos que merecem a nossa atenção. Este artigo não pretende esgotar as análises, mas apontar cinco variáveis que destacam-se nas capitais do Sudeste ao observar os resultados das eleições legislativas municipais de 2020.
Primeiro: a grande quantidade de campanhas e mandatos coletivos que concorreram para o legislativo. Em São Paulo, dois mandatos coletivos foram eleitos pelo PSOL e 50% das candidaturas eleitas por este partido estão envolvidas com este modelo de representação: o Quilombo Periférico é composto por seis co-vereadores, a Bancada Feminista é composta por cinco mulheres e a campanha de Erika Hilton foi apoiada pela Bancada Ativista junto com outras cinco candidaturas. Erika sairá do mandato coletivo que ocupa atualmente na Assembleia Legislativa de São Paulo para assumir a vereança na Câmara Municipal com o apoio da Bancada Ativista, que elegeu em 2018, pela primeira vez na ALESP, um mandato coletivo composto naquele momento por nove co-deputados. Em Belo Horizonte, as duas vereadoras eleitas também pelo PSOL são apoiadas pelas Muitas, coletivo que criou em 2017 a Gabinetona, o primeiro mandato coletivo da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Nas capitais mineira e paulista, o PSOL inaugurou o mandato coletivo nas casa legislativas municipais e estaduais, sendo a Gabinetona o primeiro deles.
Uma pesquisa realizada pela CEPESP/FGV1, em 2020, mostra que o PSOL foi o partido que mais registrou candidaturas coletivas (99), seguido pelo PT (51), PCdoB (23), PDT (11), PSB (9), REDE e PV (8), sendo que a maioria delas está em São Paulo. Essa mesma pesquisa mostra que registros de candidaturas coletivas para as Câmaras Municipais brasileiras passaram de 13 em 2016 para 257 em 2020. Fazer política de forma coletiva anuncia uma tendência inovadora da forma de experimentar a representação já que promove a descentralização do protagonismo individual, a construção de métodos participativos e menos hierárquicos de tomada de decisão e a perspectiva intersecional de diferentes lutas sociais.
Segundo: a luta LGBTQ+ ganhou muito espaço e força nessas eleições. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), em 2020, foram registradas 294 candidaturas em prol da luta LGBTQ+ das quais 30 foram eleitas (representando um aumento de 275% de pessoas trans eleitas em relação a 2016). Em São Paulo, a vereadora que se elegeu com a maior quantidade de votos foi a Erika Hilton (PSOL). Mulher transgênero e negra, Erika Hilton (junto com Erika Malunguinho, também do PSOL) foi, em 2018, a primeira mulher trans a assumir um mandato na ALESP. Em 2021, Erika Hilton, Samara Santana (Quilombo Periférico PSOL), Carolina Iara (Bancada Feminista do PSOL) e Thammy Miranda (PL) inaugurarão a representatividade de pessoas trans na Câmara Municipal de São Paulo. Já em Belo Horizonte, a Professora Duda Salabert (PDT) será a primeira vereadora trans de Beagá e sua candidatura para a Câmara Municipal foi a mais bem votada da história da cidade. Diversas outras pessoas trans foram eleitas em outras cidades do Estado de São Paulo e de Minas Gerais. Nas capitais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo as candidaturas de pessoas trans não se elegeram, diferentemente de outras cidades desses Estados, como em Niterói, com a eleição de Benny Brioli (PSOL) e em Rio Novo do Sul, no Espírito Santo, com a eleição de Lari Camponesa (Republicanos). Segundo o mesmo levantamento da Antra, das 30 candidaturas LGBTQ+ eleitas no Brasil, 16 delas (53%) foram registradas em partidos considerados à esquerda do espectro político (PSOL (6), PDT e PT (4), PV (1) e PSB (1)). Poderíamos afirmar que o aumento de tais candidaturas e a eleição vitoriosa e histórica nas capitais mineira e paulista revelam a mobilização de movimentos LGBTQ+ contra a homofobia e o heterocentrismo historicamente hegemônicos em instituições políticas. Movimento que se elege com mais quantidade em partidos da esquerda, embora seja uma pauta que apareceu também em partidos do centro e da direita.
Terceiro: a composição total das Câmaras e o crescimento das bancadas partidárias nas capitais do Sudeste é liderado pelo PSOL.
No total, 27 partidos obtiveram candidaturas eleitas nas 4 capitais, e aqueles que mais elegeram foram: PSOL (16 vereadores), DEM e PT (14), PSD e Republicanos (13). O PSL, que tanto cresceu em 2018, neste ano elegeu apenas 4 vereadores (1 em cada capital).
Apesar da polarização política presente desde a destituição de Dilma Rousseff, em agosto de 2016, o PT segue sendo o segundo partido que mais elege vereadores nas capitais do Sudeste, atrás apenas do PSOL e empatado com o DEM. Entretanto, esse sucesso eleitoral não se reflete na eleição para as prefeituras destas mesmas cidades, exceto em Vitória, onde o candidato petista está disputando o segundo turno. No Rio de Janeiro, a candidata petista ficou em quarto lugar, com menos de 12% dos votos, em São Paulo, o resultado foi menor que 10% e, em Belo Horizonte, menor que 2%. Dos 27 partidos, apenas 9 (33%) elegeram vereadores em todas as capitais do Sudeste, foram eles: PATRIOTA, PODEMOS, PSC, PSD, PSL, PSOL, PT, PTB, REPUBLICANOS.
Como Mostra o gráfico 2, no Rio de Janeiro, os que mais elegeram vereadores foram: PSOL, DEM e REPUBLICANOS (7 eleitos cada um). Em São Paulo, os que mais elegeram foram: PT e PSDB (8), PSOL e DEM (6). Em Belo Horizonte: PSD (6) e PP (4) e em Vitória, o CIDADANIA (3).
Comparando com as eleições de 2016, observa-se que os partidos que mais cresceram nas Câmaras Municipais das capitais do Sudeste (gráfico 3) foram: PSOL (6 novas cadeiras em 2020), seguido pelo PP (5), NOVO e PATRIOTA (4) e Avante e PDT (3). Em São Paulo, o destaque de aumento da bancada partidária vai para o crescimento do PSOL, partido que teve maior aumento do número de vereadores eleitos se comparado com as últimas eleições municipais, passando de 2 cadeiras legislativas para 6. Em seguida, com 2 cadeiras a mais que 2016, está o PATRIOTA. Já em Belo Horizonte, o destaque vai para o PP, que ganhou 4 cadeiras a mais que em 2016, seguido pelo PDT (3) e pelo NOVO (2).
O PSOL representa o maior crescimento da esquerda no cenário da política nas capitais do Sudeste, enquanto partidos tradicionais, como o MDB e o PSDB, se mantêm com certa dificuldade provavelmente devido à incrementada eleição de partidos do centro e da direita, como o PP, o NOVO e o PATRIOTA. A capital em que o PP mais cresceu foi Belo Horizonte, com 4 novas cadeiras na Câmara Municipal, já o PSOL cresceu mais em São Paulo, onde não por acaso o candidato à prefeitura deste partido está em disputa no segundo turno com o candidato do PSDB. É interessante observar que, neste caso, o partido da esquerda aumentou 4 cadeiras na Câmara Municipal de São Paulo enquanto que o PSDB perdeu 4 cadeiras. Porém, a eleição para o executivo promete ser mais difícil para o partido de Guilherme Boulos, que precisa virar votos de eleitores do PSB (de Márcio França), do PATRIOTAS (de Arthur Do Val) e do REPUBLICANOS (de Celso Russomanno). Os únicos partidos que cresceram nas Câmaras Municipais em 3 das 4 capitais são: PSOL, NOVO e PATRIOTA. Nenhum partido cresceu em todas as capitais do Sudeste
Dos 27 partidos que elegeram vereadores em 2020, alguns perderam vagas no legislativo das capitais do Sudeste: de forma geral (gráfico 5), o destaque vai para o PSD que perdeu, no total, 8 cadeiras legislativas nestas capitais, seguido pelo PSDB (5) e PP, CIDADANIA e DEM (4). O PP figura entre os que mais ganharam e os que mais perderam cadeiras nas eleições de 2020, e por isso, o saldo positivo é de uma cadeira a mais nas capitais do Sudeste (PP perde 4 vagas no Rio de Janeiro mas ganha 4 em Belo Horizonte e 1 em São Paulo). Em São Paulo, destaca-se o PSDB, que perdeu 4 cadeiras na Câmara Municipal, seguido pelo DEM e PL, que ocupam 2 cadeiras a menos em 2020 e, por fim, pelo PT e PSB que perderam 1 cadeira se comparado com as eleições de 2016. Assim sendo, das quatro capitais, o PT só perde em São Paulo, enquanto o DEM é o único partido a diminuir seus representantes em 3 dessas capitais. Nenhum partido perdeu vagas simultaneamente em todas as capitais. Em Belo Horizonte, o destaque vai para o PSD, que perdeu 7 cadeiras na Câmara Municipal – apesar de ter reeleito, no primeiro turno, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) – seguido pelo PROS que passa a ter 2 cadeiras a menos que em 2016. No Rio de Janeiro, além do PP, não houve perda expressiva de cadeiras partidárias (apenas 1 a menos para o PSC, DEM, PDT, PODEMOS e SOLIDARIEDADE). Assim sendo, o saldo atual de perdas e ganhos de cadeiras legislativas nas capitais do Sudeste é o seguinte:
Quatro: o número de vereadoras eleitas nas quatro capitais do Sudeste não ultrapassa o sugerido pela Lei 9.504/1997 de Cotas para Mulheres na Política. A porcentagem de vereadoras eleitas oscila entre 13% e 27% nessa capitais (gráfico 7), sendo o pior índice o de Vitória e o maior o de Belo Horizonte. No caso de Vitória, as 2 únicas mulheres eleita para a Câmara são vereadoras pelo PSOL e pelo PT.
No Sudeste, dos 27 partidos que elegeram candidaturas municipais para o legislativo, apenas 13 elegeram vereadoras, o que representa 48% dos partidos mencionados. Ou seja, a maioria (52%) dos partidos políticos que elegeram vereadores nas 4 capitais do Sudeste não elegeram mulheres. Já em relação aos que elegeram vereadores homens, soma-se, no total, 23 partidos, o que representa 85% dos partidos mencionados. Assim, os partidos que não elegem homens foram o PT e o PSOL em Belo Horizonte e em Vitória, o NOVO em São Paulo e PODEMOS em Belo Horizonte.
O partido que mais elegeu mulheres para o legislativo municipal nas 4 capitais foi o PSOL (9 vereadoras eleitas), seguido pelo PT (6), NOVO (4), DEM (3) e por 5 partidos com 2 vereadoras eleitas e 4 com 1 vereadora eleita. Além de analisar o número de vereadoras eleitas, é importante olhar também a proporção de mulheres eleitas se comparado com o total de candidaturas eleitas. Esta informação é representada no gráfico 8 pela linha verde. Dos 13 partidos que elegeram mulheres vereadoras nas capitais do Sudeste, em 2020, 10 deles ultrapassaram a referência de 30% mencionada na Lei de Cotas. Por ordem dos números absoluto de vereadoras eleitas (coluna vermelha no gráfico 8), são eles: PSOL (56% das candidaturas legislativas eleitas são de mulheres), PT (43%), NOVO (80%), CIDADANIA, PODEMOS e PSC (50%), PP, PSD, PDT e AVANTE (33%). O PSDB, o DEM e o REPUBLICANOS elegeram poucas mulheres, respectivamente, 25%, 23% e 18% em relação ao total de candidaturas eleitas.
Outro dado importante é a diferença entre o número de vereadoras eleitas por partido se compararmos as 4 capitais do Sudeste. Os 2 únicos partidos que elegeram mulheres nas 4 capitais são o PSOL e o PT, como mostra o gráfico 9. Os 11 partidos restantes elegeram vereadoras apenas em 1 ou 2 capitais. No Rio de Janeiro, o PT é o partido que mais elegeu mulheres: 2 vereadoras, correspondendo a 67% das candidaturas eleitas pelo partido. Em São Paulo, o NOVO elegeu 2 vereadoras, correspondendo a 100% de suas candidaturas eleitas e o PSOL elegeu 4 mulheres correspondendo a 67% do total de candidaturas eleitas pelo partido à Câmara Municipal. Em Belo Horizonte, os partidos que mais elegeram foram o PSOL e o PT, cada um deles com 2 vereadoras eleitas representando 100% do total, seguido pelo NOVO, que também elegeu 2 vereadoras, o que corresponde a 67% das candidaturas eleitas deste partido. Ainda na capital mineira, o PODEMOS elegeu 1 mulher correspondendo a 100% do total de suas candidaturas eleitas. Já em Vitória, há apenas 1 vereadora eleita pelo PSOL e 1 pelo PT, o que representa 100%, em ambos os casos, das candidaturas eleitas por esses partidos. A partir desta análise, conclui-se que partidos da esquerda elegem em maior quantidade e em mais capitais as candidaturas femininas, mas a pauta de Mulheres na Política não é restrita a este espectro político, com destaque para o NOVO, CIDADANIA, PODEMOS e PSC.
Cinco: o tema de renovação política vem sendo abordado com muita ênfase no Brasil por partidos de diversos espectros políticos. Vemos que o líder em renovação, entendida aqui apenas como a eleição de novos mandatos, nas capitais do Sudeste é o PSOL, com 10 novos mandatos (coluna azul do gráfico 10), o que representa 63% do total de suas candidaturas eleitas (linha verde). Corroborando a hipótese de que renovação não é uma pauta exclusiva da esquerda, vemos logo em seguida o NOVO, AVANTE, PP e o REPUBLICANOS respectivamente, com 6 e 5 novos mandatos representando, respectivamente 100%, 83%, 71% e 38% de suas candidaturas eleitas nas capitais do Sudeste.
Já o PATRIOTA, com 4 novos mandatos (57% do total de suas candidaturas eleitas) fica na frente do PT, que também elege 4 novos mandatos mas o que representa apenas 29% do total de suas candidaturas eleitas.
O MDB, PDT, PL e PTB (todos com 3 novos mandatos correspondendo a 60% do total de suas candidaturas eleitas). E ainda, com 50% de novos mandatos está o PODEMOS, com 3 novos mandatos do total de eleitos. O PSL, partido do então candidato à Presidência da República de 2018, Jair Bolsonaro, cuja campanha se pautou no rótulo “Nova Política” elegeu apenas 2 novos mandatos, no Rio de Janeiro e em Vitória.
Ideias finais
A partir da análise das cinco variáveis mencionadas (mandatos coletivos, pautas LGBTQ+ e Gênero, Crescimento e Renovação), conclui-se que nas eleições municipais legislativas das capitais do Sudeste, o PSOL é o partido que lidera a eleição de mandatos coletivos, a eleição de mulheres e pessoas transgênero fortalecendo as lutas feministas e LGBTQ+ (uma análise posterior poderia também levar em conta a questão de raça). O PSOL é também o partido com o maior número de candidaturas eleitas para as Câmaras Municipais das capitais do Sudeste e, ao mesmo tempo, obteve o maior aumento de suas bancadas nas Câmaras Municipais quando comparado com as eleições municipais legislativas de 2016. Por fim, o PSOL também lidera o índice de renovação política ao eleger a maior quantidade de novos mandatos legislativos nas cidades analisadas. Sem dúvida, é o partido da esquerda com os melhores índices considerados por esta análise nas capitais do Sudeste.
Com relação a mandatos coletivos, apenas o PSOL elegeu nessas capitais. O PT fica logo atrás no quesito “eleição de mulheres” (em número absoluto). Sobre a eleição de pessoas trans, nas capitais do Sudeste, o PDT está melhor avaliado.
O PT elegeu mais vereadores do que o PDT, mas em questão de crescimento partidário, com relação a 2016, o PDT está melhor posicionado.
Sobre renovação, muito atrás do PSOL, o PT obteve maior número absoluto de novos mandatos, porém é superado pelo PDT no que se refere à proporção entre o total de eleitos e os novos mandatos.
Assim, a esquerda lidera as melhores avaliações nos seguintes quesitos: eleição de mandatos coletivos, eleição de mulheres e eleição de pessoas trans na luta LGBTQ+. Tais quesitos são muito relevantes no que diz respeito, por um lado, ao fazer política de forma coletiva contra o personalismo e o protagonismo de poucos, assim como à criação de métodos participativos e descentralizados de tomada de decisão e de compartilhamento da liderança. Por outro lado, no que diz respeito à representatividade de mulheres e pessoas trans que defendem os direitos LGBTQ+ na política legislativa. A sub-representação de mulheres é imensa na política brasileira, se desenhássemos um gráfico entre a quantidade de homens e de mulheres que compõem a população brasileira e quantidade de homens e mulheres que compõem os espaços políticos legislativos, ele seria inversamente proporcional.
Já nos quesitos Composição e Crescimento assim como Renovação, entre o PSOL (que lidera em todos) e o segundo colocado dentre os partidos de esquerda, observa-se o posicionados de partidos do centro e da direita, como é o caso, por exemplo, no que tange à renovação, em que o PP, NOVO, AVANTE, PP, REPUBLICANOS e PATRIOTAS elegeram mais novos mandatos, em número absoluto, do que o PT e o PDT.