Os seres humanos consumiram, de 1950 até o presente (70 anos), uma quantidade de recursos energéticos (principalmente energias fósseis como o carvão e os hidrocarbonetos) superior ao que consumiram nossos antepassados no Holoceno, uma época geológica que se estende por aproximadamente 11.700 anos até a atualidade.
Joaquim Elcacho, La Vanguardia, 22-10-2020. A tradução é Cepat.
O grande consumo de energia pelo homem está causando um impacto ambiental, em especial no clima, sem precedentes em nosso planeta, pelo menos em termos da velocidade dessa mudança traumática.
A comparação entre o consumo de energia durante o Holoceno e o Antropoceno (denominação proposta para a época em que vivemos, há aproximadamente 70 anos), bem como seus efeitos no meio ambiente do planeta são os elementos essenciais de um estudo assinado por 18 especialistas, de oito países, cujos resultados foram apresentados em artigo científico publicado no primeiro número da revista Communications Earth and Environment, do grupo editorial Nature Research (Springer Nature).
Os autores do estudo fazem parte do Grupo de Trabalho Antropoceno, da União Internacional de Ciências Geológicas (Anthropocene Working Group #AWG). Entre os signatários deste artigo científico está o pesquisador Alejandro Cearreta, professor de micropaleontologia da Universidade do País Basco (UPV/EHU).
O estudo do consumo de recursos energéticos se apresenta nesta pesquisa como um elemento essencial para a aceitação da denominação Antropoceno como uma nova época geológica, posterior ao Holoceno.
De fato, indicam os autores deste estudo, no futuro - a muito longo prazo - os estudos que forem realizados sobre as camadas geológicas da superfície do nosso planeta irão mostrar uma alteração importante nas correspondentes ao tempo em que vivemos atualmente. Nesta camada correspondente ao Antropoceno, indicam os autores, será observado que nossa sociedade é caracterizada pelo consumo e pela geração de resíduos como plásticos e cinzas e partículas geradas pela combustão de hidrocarbonetos.
Uma mudança radical
Os especialistas observam, com os dados quantificados neste estudo, uma "mudança radical", a partir dos anos 1950, com "o crescimento exponencial do consumo de energia, o desenvolvimento da produtividade econômica e o vertiginoso aumento da população", que deixam conjuntamente “muitas pegadas geológicas”, segundo aponta a Efe, a partir do resumo informativo deste estudo divulgado pela Universidade Livre de Berlim (FU, Freie Universität Berlin), a qual pertence um dos autores, o professor Reinhold Leinfelder.
Em números, os responsáveis por esta pesquisa científica estimam que o consumo de energia da humanidade, nos últimos 70 anos, aumentou aproximadamente 22 zetajoules, em comparação com apenas aproximadamente 14,6 zetajoules, no período entre o final da última Era do Gelo (11.700 anos atrás) e 1950.
O crescimento considerável no consumo de recursos, nas últimas décadas, tem sido impulsionado principalmente pelo uso de combustíveis fósseis, destacam os autores em várias seções de seu estudo.
Atividade humana e mudanças climáticas
Os especialistas que participam desta pesquisa destacam que o consumo de recursos energéticos como carvão e petróleo é a principal causa das atuais mudanças climáticas.
As mudanças observadas têm um ponto de decolagem que se situa nos anos 1950, mas os resultados das análises também mostram que o ser humano exerce uma influência cada vez maior sobre o planeta. “Temos que ter esperança de que a humanidade aprenda a se considerar uma parte do sistema terrestre, que deve seguir operativo e vital como um todo. Nós, os seres humanos, como um coletivo, entramos nesse imbróglio. Devemos cooperar para sair dele novamente”, adverte o professor Reinhold Leinfelder.
Para Colin Summerhayes, geólogo da Universidade de Cambridge e coautor do novo estudo, os resultados que agora se apresentam “tornam extremamente difícil para quem quer levantar dúvidas minar os dados científicos que apontam para o aquecimento global e outros problemas derivados da imensa influência da atividade humana”, segundo declarações difundidas pela FU.
Este pesquisador do Scott Polar Research, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), explica que, neste caso, “a ciência é unívoca”, porque “não é mais possível explicar de maneira inteligente que o ser humano não é responsável pelo aquecimento global observado nas últimas décadas”.
Os "modelos do sistema terrestre apontam que retardamos a próxima era glacial em pelo menos 50.000 anos e que estamos no melhor caminho para pôr fim ao ciclo glacial-interglacial do Quaternário tardio", recorda Will Steffen, da Universidade Nacional da Austrália.
Caminho da sexta extinção
"Mesmo se amanhã todos os seres humanos fossem para outro planeta, nossa influência antrópica das últimas gerações permanecerá por milênios na crosta terrestre, nos fósseis e no clima do planeta", destacou John McNeill, da Universidade de Georgetown, Estados Unidos.
O cientista John Day, da Universidade do Estado da Luisiana (Estados Unidos), lembra que com as mudanças climáticas e a destruição do meio ambiente, a humanidade caminha para a sexta grande extinção em massa, na qual “partes significativas da Terra se tornam inóspitas para o Homo sapiens por causa de incêndios florestais, furacões e chuvas intensas”.
A geóloga da Universidade do Colorado, em Boulder, e principal autora do estudo, Jaia Syvitski, quem se encarregou de reunir em um artigo para a Springer Nature os comentários de seus colegas, destacou que para o ser humano pode parecer impossível à primeira vista ter transformado de maneira completa e "inconscientemente" o planeta.
“Quando avaliamos nossos dados, senti-me como uma repórter de guerra”, acrescentou, referindo-se ao trabalho de documentar a pegada ecológica da humanidade em nível planetário.
Artigo científico de referência
Extraordinary human energy consumption and resultant geological impacts beginning around 1950 CE initiated the proposed Anthropocene Epoch. Jaia Syvitski, Colin N. Waters, John Day, John D. Milliman, Colin Summerhayes, Will Steffen, Jan Zalasiewicz, Alejandro Cearreta, Agnieszka Gałuszka, Irka Hajdas, Martin J. Head, Reinhold Leinfelder, J. R. McNeill, Clément Poirier, Neil L. Rose, William Shotyk, Michael Wagreich Mark Williams. Communications Earth Environment volume 1, Article number: 32 (2020).