Parece-me que se Yaku Pérez passar para o segundo turno, abre-se uma porta para pensar o Equador para além do caudilhismo estadocêntrico e o neoliberalismo centrado no mercado
Andrés Kogan Valderrama, OPLAS, 14 de fevereiro de 2021. A tradução é do Cepat.
A propósito do primeiro turno presidencial no Equador, onde o candidato correísta, Andrés Arauz, obteve pouco mais de 32% dos votos, ao passo que os outros dois candidatos que o seguem, Yaku Pérez e Guillermo Lasso, estão em empate técnico, abriu-se um debate político muito interessante naquele país.
Além da possibilidade de fraude eleitoral naquela eleição, o que a diferencia das outras é a possibilidade de acabar com o binarismo do correísmo-anticorreísmo, que se viu fortemente esgotado a partir da ruptura entre Lenín Moreno e Rafael Correa, mas também com a revolta de outubro de 2019, na qual a CONAIE e o movimento indígena em geral tiveram papel fundamental.
Daí que este novo cenário político, com a forte aparição e apoio ao líder indígena do Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik, Yaku Pérez, permite pensar que a velha dicotomia entre a direita empresarial e a esquerda progressista não conseguirá se sustentar politicamente.
Parece-me que se Yaku Pérez passar para o segundo turno, abre-se uma porta para pensar o Equador para além do caudilhismo estadocêntrico e o neoliberalismo centrado no mercado (este último, paradoxalmente, teve Lenín Moreno como aliado, apesar de ter sido o candidato de Correa, em 2017).
Da mesma forma, este cenário pode ser uma possibilidade de colocar a Constituição de Montecristi do Equador de 2008 no centro do debate presidencial, que apesar de ser resultado de um processo constituinte com forte apoio dos movimentos sociais, segue em dívida seu horizonte transformador, através de um Estado Plurinacional, Direitos da Natureza e Bem Viver (Sumak Kawsay).
Esboço isso, já que a chamada Revolução Cidadã, liderada por Correa, não só deixou de lado esses novos direitos, como também aprofundou uma matriz produtiva extrativista para financiar infraestrutura e programas sociais, a partir da venda de commodities (petróleo, mineração) sem qualquer tipo de valor agregado, o que o levou a ter o movimento indígena contra ele.
Por sua vez, essa modernização foi acompanhada por altos níveis de autoritarismo para aprofundar o ecocídio, o que ficou evidenciado no seu cancelamento arbitrário do Projeto Yasuní, com a criminalização e perseguição de organizações do movimento indígena e socioambiental, por se oporem à expansão petrolífera e mineira.
Uma das pessoas que mais se opôs à expansão do extrativismo no Equador foi Yaku Pérez, que foi detido várias vezes e até preso durante o governo de Correa (acusando-o de terrorismo e sabotagem), por defender o direito básico à água.
É por isso que a figura de Yaku se torna tão simbólica nesta eleição, já que tem sido uma das principais referências na defesa da Mãe Terra, não só no Equador, mas em nível regional. Sua presença no Chile ultraneoliberal, em plena revolta social, durante 2019, e sua condenação à mercantilização da água por décadas, como Presidente do Tribunal Internacional para os Direitos da Natureza, é uma clara evidência de que seu compromisso vai muito além de uma crítica ao correísmo, está em prol da vida de todos os povos.
Que parte da esquerda latino-americana ainda não o veja assim, acusando-o de ser funcional à direita e até o chamando de falso índio de forma racista, só mostra que ainda estão amarrados a lógicas binárias, que só reproduzem o colonialismo, o capitalismo e o patriarcado vigente.
Por isso, caso Guillermo Lasso passe para o segundo turno, não apenas se deve continuar a crítica ao correísmo, como também não se deve dar um centímetro à direita e não fazer qualquer tipo de pacto com ela. Destaco isto, pelo fato de que Yaku Pérez, durante as eleições de 2017, afirmava que era preferível o governo de um banqueiro (Guillermo Lasso) do que uma ditadura (Lenín Moreno).
Por último, caso Yaku Pérez passe ao segundo turno e conquiste a presidência, o desafio de transitar para um horizonte pós-extrativista não dependerá apenas de um determinado programa de governo e das boas intenções do novo presidente, mas de movimentos e organizações ativas e mobilizadas (indígenas, socioambientais, sindicais, dissidências sexuais, feministas) que não permitam que este novo governo seja colonizado pelo capital transnacional.