Ao longo do ano, foram muitos os economistas a alertar que a recessão económica provocada pela pandemia era diferente de todas as anteriores e somava-se a uma crise financeira que nunca foi resolvida. O esquerda.net publicou algumas destas reflexões.
Esquerda.net, 20 de dezembro de 2020
A paralisação de muitos setores económicos ainda no primeiro trimestre do ano provocou ondas de choque na economia global, com a Oxfam a alertar ainda em abril que a pobreza poderá em breve abranger 8% da população mundial, com a pandemia a empurrar mais 500 milhões de pessoas para essa situação e a Organização Internacional do Trabalho a prever “um colapso inédito” e a destruição de 195 milhões de postos de trabalho. Como sempre, é nos países menos desenvolvidos que a crise económica se abate com maior gravidade.
Com as restrições à circulação que levaram à forte redução do tráfego internacional, para a qual contribuiu bastante a paragem das linhas de produção na China, houve quem questionasse, como o sociólogo filipino Walden Bello, se estaremos a assistir ao fim do paradigma da globalização e da conetividade. Vários epidemiologistas apontaram o dedo ao conflito entre o agronegócio e a saúde pública e ouvem-se alertas sobre a ligação da crise pandémica à crise climática. Muitas das análises sublinharam as comparações com a crise financeira de 2008. Para o economista Michel Husson, se há 12 anos foi a esfera financeira que acendeu o rastilho, passando-o para a esfera produtiva, agora acontece o contrário, com o risco da nova implosão das finanças poder agravar ainda mais a recessão.
Ainda em abril, o economista François Chesnais descrevia o estado da economia global nas vésperas da crise pandémica, sublinhando que a grande recessão iniciada em 2008 nunca terminou. Seis meses depois, destacou noutra análise a originalidade absoluta da crise atual, em que o relançamento da produção, do consumo e do crescimento está condicionado ao retrocesso da pandemia, ou seja, à comercialização de uma vacina eficaz. Sempre apoiado nos relatórios publicados pelo FMI, que agora passou a defender o investimento público em vez da austeridade na resposta à crise, salientou noutro artigo a dissociação sem precedentes entre os mercados bolsistas e a realidade da atividade económica.
Mas pode esta crise despoletar o colapso do sistema, ou pelo contrário, agravar ainda mais a exploração do trabalho e dos recursos naturais? A julgar pelas crises anteriores, a desigualdade na relação de forças dá clara vantagem ao “capitalismo do desastre” e os lóbis europeus não perderam tempo para pressionar Bruxelas a adiar as metas ambientais. Para facilitar o necessário confinamento, muitos Estados começaram por distribuir apoios para evitar a insolvência pandémica, financiando salários e decretando as moratórias aos créditos. Medidas para “tapar buracos” e que darão lugar a “uma reação em que a violência das medidas tomadas será tão grande como os abandonos que o capitalismo teve de consentir”, prevê Michel Husson.
Na mesma linha, Gilbert Achcar insiste que os obituários ao neoliberalismo são muito apressados e critica os “dois pólos opostos de otimismo e pessimismo, de utopia e distopia, entre os quais a esquerda radical oscila, tradicionalmente”. Economistas como Cédric Durand defenderam que o verdadeiro desafio desta crise é o planeamento democrático da transformação económica a partir do Estado. Na Europa, as promessas de uma “resposta forte” continuam por cumprir, mesmo após a hesitação das lideranças europeias que Mariana Mortágua assinalava ainda em março. A iniciativa SURE, lançada no início de abril com o objetivo de proteger o emprego, só no final de outubro começou a distribuir empréstimos para financiar empresas, que serão pagos pelos contribuintes europeus, como apontam Klaus Dräger e Herman Michiel. Na verdade, como lembra Durand, são os bancos centrais que têm funcionado, através de uma intervenção massiva, como um seguro contra todos os riscos dos investidores, o que ajuda a explicar porque é que as bolsas batem recordes na altura em que a atividade económica colapsa.
A questão que se coloca e provavelmente dominará o debate nos próximos anos é o que fazer à dívida acumulada antes e durante a pandemia. O economista Michael Roberts sustenta que à exceção da China, que além de ter enormes reservas de moeda estrangeira e apenas um décimo dívida contraída fora do país, tem um Estado com o poder de reestruturar todo o sistema financeiro, nenhum outro país do G20 está a salvo do colapso financeiro e o mesmo sucede com as economias emergentes.