Tendo como pano de fundo a escassez global de semicondutores e as restrições estadunidenses impostas à China, as duas maiores potências, engajadas em uma batalha comercial e tecnológica, seguem, no entanto, muito interdependentes. Demonstram-no dois estudos.
Smartphones, computadores, carros, data centers, equipamentos de telecomunicações, sistemas bélicos... os semicondutores constituem um elemento-chave da nossa vida digital. Várias razões provocaram uma escassez global desses componentes que pode durar até 2023. Poder continuar a ter acesso a esses microchips é, portanto, uma vantagem fundamental.
É neste contexto que os Estados Unidos de Donald Trump cortaram gradualmente o acesso às empresas chinesas. Estes últimos vêm tentando há vários meses, com a ajuda do seu governo, desenvolver, em resposta, uma autonomia estratégica crescente. Uma batalha econômica e política global, cujo desfecho permanece hoje incerto.
Um vasto mercado asiático
Em um fascinante estudo, o economista americano Chad P. Bown analisa a dinâmica do mercado de semicondutores. Líderes mundiais no setor, as empresas americanas começaram a reduzir os custos transferindo sua produção para a Coreia do Sul e Taiwan na década de 1960. Os governos dos dois países puderam aproveitar esse movimento para transformar fábricas de montagem em multinacionais, como as coreanas Samsung ou Hyundai e a taiwanesa TSMC.
Com o desenvolvimento da China, a demanda não parou de crescer e o país tornou-se em 2005 o maior consumidor mundial do componente. Entre 1995 e 2019, sua participação nas importações mundiais de semicondutores passou de 1% para 23%. O país também se tornou produtor e exportador, conquistando 20% do mercado mundial
Mas quando a China importa os produtos mais sofisticados, ela exporta chips básicos que estão uma ou duas gerações tecnológicas atrás. Tudo isso para a felicidade da indústria americana, que obtém 20% de sua receita de exportação com vendas de semicondutores para empresas chinesas.
Até Donald Trump decidir o contrário. Um dos principais clientes dos Estados Unidos é a empresa chinesa Huawei, líder em telecomunicações, 5G e inteligência artificial que os Estados Unidos acusam de espionagem. A principal preocupação deles é que ela ganhe uma vantagem global. A tensão aumenta entre 2018 e 2020 quando Donald Trump proíbe à empresa o acesso aos microprocessadores americanos e depois aos produzidos no mundo com material americano, ou seja, em todos os lugares! E faz a mesma coisa novamente em dezembro de 2020, desta vez com a empresa chinesa SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corporation), produtora local, bloqueando a possibilidade de compra de produtos de alto padrão.
Obviamente, essas proibições privam as multinacionais americanas do setor de uma receita substancial. É por isso que o ex-inquilino da Casa Branca criou um mecanismo para ajudar a financiar sua pesquisa e desenvolvimento, ao mesmo tempo que encoraja a empresa líder taiwanesa TSMC a instalar uma fábrica de produção nos Estados Unidos, no Arizona – um investimento inicial de US $ 12 bilhões está em andamento, e cinco outras fábricas já estão sendo projetadas.
Joe Biden até agora manteve a política defensiva de seu antecessor, mas acrescentando dois elementos: US $ 50 bilhões para o setor para impulsionar o avanço tecnológico dos Estados Unidos; acordos com o Japão e a Coreia do Sul para cercar a China e retardar seu desenvolvimento no campo o máximo possível.
O impossível desacoplamento
A China não esperou pela ameaça e pelas ações de Donald Trump para reagir. Desde 2014-2015, as autoridades políticas estabeleceram um objetivo claro de reduzir a dependência do país das importações de semicondutores. Os acontecimentos de 2018-2020 levaram-nas a acelerar o ritmo. A China poderia aumentar rapidamente sua autonomia nessa área? De acordo com a pesquisa publicada pela Nikkei Asia, os progressos são espetaculares
A Yangtze Memory Technologies Co. (YMTC), uma produtora local, é um bom exemplo. Nos últimos dois anos, nada menos que 800 pessoas trabalharam para estudar passo a passo sua cadeia de produção, a de seus fornecedores e dos fornecedores de seus fornecedores... a fim de determinar onde os produtos relacionados aos Estados Unidos entram em cena. Situada no centro da epidemia em Wuhan, a fábrica não parou de funcionar.
Enquanto a cidade estava em quarentena, os trens continuaram a transportar trabalhadores e caminhões com os materiais necessários. Muitas pequenas empresas locais surgiram, como espelho de cada empresa americana que produz esse ou aquele componente necessário. E a YMTC reúne permanentemente centenas de engenheiros, em três turnos, para construir uma linha de produção totalmente nacional. Tudo com grande ajuda financeira do governo. Os resultados são impressionantes: depois de produzir circuitos integrados de 64 camadas, a YMTC acaba de lançar produções em massa de 128 camadas e está em processo de desenvolvimento de circuitos de 192 camadas, um recorde mundial, o que tornaria os dispositivos equipados com esses circuitos de uma eficiência sem precedentes.
No entanto, apesar do seu rápido progresso, a China ainda está longe de ser capaz de se tornar independente. A auditoria da cadeia de valor realizada pela YMTC mostrou que vários componentes-chave ainda são feitos nos Estados Unidos, ou no Japão, ou na Europa, mas com material ou componentes americanos. Se quiser desenvolver rapidamente sua indústria nacional, o Reino do Meio precisa sempre das melhores tecnologias estrangeiras; caso contrário, perderá muito tempo.
Ao contrário, as empresas estadunidenses querem continuar a vender seus produtos para um mercado chinês em expansão. E precisam de matérias-primas, especialmente de terras raras, das quais a China continua sendo um grande produtor.
Portanto, é do interesse de todos chegar a um acordo. Os Estados Unidos de Joe Biden parecem manter uma atitude firme. E, do lado chinês, como afirma Miin Wu, fundador da taiwanesa Macronix International, citado pela Nikkei Asia: em matéria de semicondutores, “visto da China, ainda há esperança de construir uma indústria competitiva no longo prazo. É uma tendência à qual é difícil resistir, e não haverá como voltar atrás”.