Desde elementos solitários a recrutar até grupos organizados, a extrema-direita racista está presente nas forças policiais norte-americanas e há especialistas que alertam que não se faz o suficiente para combater o fenômeno.
Esquerda.net, 28 de agosto de 2020
“Escondidos à vista desarmada”. Este é o título escolhido por um ex-agente do FBI e analista em questões de segurança para o seu estudo sobre a infiltração de movimentos racistas, de extrema-direita e de milícias armadas na polícia norte-americana. Michael German quer com ele dizer que as ligações entre grupos de extrema-direita e racistas e as polícias até são mais que “conhecidas”, apesar de nem sempre documentadas oficialmente e que a resposta governamental “tem sido notavelmente insuficiente”.
O especialista tratou assim de elencar algumas destas ligações desde o ano 2000 em mais de uma dezena de estados do país. Refere a existência de milhares de agentes policiais com publicações racistas e ligações claras a milícias e grupos de “supremacia branca” em estados como Alabama, California, Connecticut, Florida, Illinois, Louisiana, Michigan, Nebraska, Oklahoma, Oregon, Texas, Virginia, Washington e Virgínia Ocidental.
Contudo, a verdadeira dimensão do problema está longe de ser conhecida. Isto porque, disse German ao Guardian, “ninguém está a coligir os dados e ninguém está ativamente à procura destes agentes da lei”.
O autor acrescenta que apesar das crescentes denúncias do FBI e do Departamento de Segurança Interna de que os supremacistas brancos são a ameaça terrorista mais letal nos EUA, “é permitido o uso de violência impune aos militantes da extrema-direita enquanto que os manifestantes [do Black Lives Matter] se deparam com ações policiais violentas”, o que seria “uma resposta negligente” que faz “os elementos mais violentos dentro destes grupos de extrema-direita acreditar que a sua conduta é sancionada pelo governo”. O que por sua vez torna mais provável que ajam violentamente como têm feito contra o movimento BLM.
Falta uma estratégia nacional para lidar com o problema e as medidas de reforma que têm sido tomadas para combater preconceitos continuam a falhar, considera.
Ku Klux Klan, gangues racistas, separatistas
A extrema-direita racista entra através de elementos isolados que tentam depois recrutar para a sua causa, mas também há grupos estabelecidos com alguma persistência. Um dos casos analisados é o dos gangues racistas de delegados de xerifes. Este remonta já aos anos 1990 e diz respeito a um grupo de Los Angeles denominado Lynwood Vikings. Chegou a julgamento e foi considerado “um gangue neo-nazi e supremacista branco” que cometia “atos sistemáticos de tiroteio, assassinatos, brutalidade, terrorismo e destruição de casas”. Só que as investigações mais recentes dizem que continua e as suas consequências também. Por exemplo, em 2019, o Condado de Los Angeles pagou sete milhões de dólares para resolver um processo em que dois delegados do xerife foram acusados de balear um homem negro desarmado. Os mesmos agentes estão acusados do espancamento de outro afro-americano desarmado e de insultos racistas. Provou-se que têm as tradicionais tatuagens do gangue.
Houve cerca de 60 processos contra alegados membros deste grupo que já custaram 55 milhões de dólares, 21 milhões nos últimos dez anos.
German sublinha que os casos de polícias racistas, mesmo quando integrantes de grupos ilegais, poucas vezes levam a acusações formais. Há exceções. Como na Florida, em 2017, quando três guardas prisionais do Ku Klux Klan foram condenados pela morte de um recluso. Ou como em New Jersey, em 2019, quando um chefe de polícia foi acusado de crime de ódio por ter atacado e insultado de forma racista um adolescente. O autor do estudo sublinha que foi a primeira vez “em mais de uma década que procuradores federais acusaram um agente”.
Quando há comportamentos abertamente racistas, o caminho habitual são medidas disciplinares internas. Em alguns casos levaram ao despedimento. Exemplo apresentado quanto a isto é o de dois xerifes do Texas que foram despedidos quando expuseram as suas ligações ao KKK na tentativa de recrutar mais pessoas. Por pertenceram à mesma organização, três agentes de Fruitland Park, Florida, foram despedidos entre 2009 e 2014. No ano seguinte foi a vez de um agente do Lousiana que tinha sido fotografado num comício do KKK a fazer a saudação nazi.
Em junho deste ano, em Wilmington, Carolina do Norte, três agentes foram despedidos depois de terem sido gravados a manifestar vontade de alvejar negros. No mês passado, quatro agentes foram suspensos por participarem num grupo de Facebook dedicado a divulgar conteúdo racista e anti-muçulmano, um dos quais escreveu no grupo “as vidas negras não importam verdadeiramente”.
German sublinha ainda que, em muitos casos, as entidades oficiais só agem se houver um escândalo público associado. Exemplo disso é o caso de Anniston, Alabama, em que já era conhecida desde 2009 a pertença de um agente a um grupo supremacista branco e secessionista e este continuou a ser promovido até que, em 2015, um artigo do Southern Poverty Law Center revelou um discurso deste acerca de recrutar jovens polícias para a sua causa.
Outra questão colocada por German é que, não havendo uma base de dados centralizada de quem foi despedido por este tipo de condutas, alguns dos despedidos num departamento policial conseguem depois emprego noutro. É o caso de um chefe de polícia de Colbert, Oklahoma, que foi levado a demitir-se depois da imprensa local mostrar a sua pertença a grupos skinheads neo-nazis e que era proprietário de páginas de internet neo-nazis. No ano a seguir foi contratado por um departamento de polícia de uma cidade vizinha.
Há ainda milhares de agentes policiais que, não se podendo ligar aos grupos supremacistas brancos, são ativos a disseminar o ódio racista em fóruns ou redes sociais. Segundo um relatório do ano passado, do Plain View Project, 3.500 contas pertencentes a atuais ou antigos agentes da lei, publicaram frequentemente conteúdos deste teor. Nesse mesmo ano, uma investigação interna do U.S. Customs and Border Protection descobriu um grupo de partilha de conteúdo racista e misógino integrando 62 dos seus membros.