Vários países só permitirão a entrada de pessoas imunizadas em locais públicos e pretendem impor a vacinação obrigatória à toda a população a partir de 2022
Bernardo de Miguel, Sara Velert e Elena Sevillano, El País Brasil, 20 de novembro de 2021
Das campanhas de vacinação às campanhas contra a não vacinação. A Europa passou em pouco mais de um ano de injetar a primeira vacina contra a covid-19 a colocar na mira as pessoas que se recusam a tomar a injeção. Os países com taxas baixas de vacinação, como a Alemanha (67,5% de imunizados), Áustria (64,1%) e a Grécia (61,1%), lideram a ofensiva, com um cerco regulatório que pretende limitar ao máximo as atividades sociais das pessoas não vacinadas e que chega até a tornar obrigatório a vacina a um número crescente de profissões. A Comissão Europeia afirma que a prioridade deve ser imunizar o maior número possível de pessoas e elevar uma taxa de vacinação que, hoje, está em 65,4% da população europeia — na Espanha é de 79,2%.
A pressão redobrada sobre as pessoas contrárias à vacinação não está isenta de riscos políticos. “Há o perigo de acentuar uma polarização que já está presente em numerosas questões que dividem a sociedade”, avisa uma fonte da UE. E outra fonte alerta que “medidas como o confinamento das pessoas não vacinadas podem ser muito difíceis de se aplicar e têm certo ar autoritário”.
Mas as autoridades dos países mais afetados pela nova onda invernal da pandemia estão sendo obrigadas a adotar medidas drásticas para tentar evitar uma nova crise hospitalar e, por consequência, econômica. A Comissão Europeia se mantém aparentemente neutra diante da ofensiva em marcha. “A estratégia de vacinação é competência de cada Estado e não cabe a nós nos pronunciar sobre como é feita”, diz um porta-voz do órgão.
Mas a insistência da Comissão de que a mensagem deve ser “vacinar-se, vacinar-se, vacinar-se” e o silêncio diante das medidas coercitivas sugere que Bruxelas considera, no mínimo, inevitável que sejam adotadas medidas para superar a resistência contra a vacina. As fontes consultadas reconhecem que a pressão surte efeito, principalmente, entre a população que não é contrária à vacina, mas se esquiva por não se sentir em perigo e acreditar que a epidemia irá acabar. A deterioração da situação epidemiológica será objeto de debate no Parlamento Europeu na segunda-feira.
A Áustria, onde a epidemia já avança com picos de 15.000 contágios por dia (50% a mais do que há um ano), se colocou na vanguarda do cerco aos não vacinados e anunciou na sexta-feira um confinamento total durante 20 dias a partir de segunda. A partir de 13 de dezembro, o confinamento só continuará vigente às pessoas não vacinadas. E em uma decisão previsivelmente muito polêmica, a vacina passará a ser obrigatória em fevereiro de 2022.
O presidente francês, Emmanuel Macron, foi um dos primeiros a adotar medidas para acelerar a taxa de vacinação. Em julho, Macron anunciou, entre outras coisas, a obrigação de se vacinar a todos os trabalhadores com contato próximo com terceiros. E alertou: “Devemos pensar sobre a questão de tornar a vacina obrigatória para todo mundo”.
A mensagem do presidente francês provocou uma onda imediata de reservas para se vacinar, chegando perto de um milhão nas primeiras horas após seu discurso. Até o momento, a campanha de vacinação havia perdido impulso na França e o país estava há nove semanas com uma taxa de vacinação abaixo da média europeia. Cinco semanas depois, a taxa francesa superou a média e agora está em 69,1% da população total, contra 65,4% da UE.
A Itália esteve desde o começo acima da média europeia. Ainda assim, o Governo de Mario Draghi impôs rígidas obrigações, como a de apresentar o certificado covid-19 (que inclui a prova de ter se vacinado, ter se submetido a um teste e ter se recuperado da doença) para poder trabalhar, sob pena de perder o salário. A taxa de vacinação italiana está próxima de 73% da população total, uma das mais elevadas da UE, atrás somente da Espanha, Portugal, Bélgica, Dinamarca, Irlanda e Malta, segundo os dados do Centro Europeu de Controle e Prevenção de Doenças.
A dureza de Paris e Roma eram até pouco tempo atrás a nota excepcional em campanhas que haviam apostado na persuasão e na propagação das vacinas por suas evidentes vantagens. Vários países, particularmente a Alemanha, também mantiveram o caráter voluntário da injeção e resistiram até mesmo a introduzir o certificado covid-19 por medo de que fosse interpretado como uma via indireta de impor a vacinação.
Restrições na Aleman
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Mas a quarta onda que assola a Alemanha fez com que até mesmo Berlim se afastasse de sua tolerância com os não vacinados. O Governo em fim de mandato de Angela Merkel e as autoridades regionais preveem harmonizar a chamada regra 2G, que faz com que somente os vacinados e os que superaram a doença possam ter uma vida social sem restrições.
A regra será ativada em função da taxa de hospitalização de cada território. Acima de determinado número, será aplicada uma lei ainda mais rígida, chamada 2G plus: vacinados e recuperados também deverão apresentar um teste negativo de coronavírus para entrar em locais e instalações públicas.
As autoridades alemãs também anunciaram a obrigatoriedade da vacinação para os que trabalham com vulneráveis, como funcionários da saúde e empregados em lares de idosos. A decisão precisa ser aprovada pelo Bundestag, o Parlamento alemão. E não se descarta a necessidade de um confinamento como o da Áustria.
A Grécia decretou restrições semelhantes. O Governo conservador de Kyriakos Mitsotakis anunciou na sexta-feira que a partir da próxima segunda-feira será proibida a entrada em museus, cinemas e academias às pessoas não vacinadas.
O cerco social aos não vacinados coincide com um aumento quase generalizado do número de contágios, uma subida já prevista pelos especialistas atribuída tanto à diminuição das temperaturas durante o inverno como ao relaxamento das medidas de proteção (distância física e máscara) à medida que a propagação do vírus desacelerava.
A nova onda ainda não se traduziu em uma escalada no número de hospitalizações e mortes semelhante às anteriores. Mas as autoridades dos países europeus estão respondendo com grande contundência, principalmente, nos países em que a taxa de vacinação parece ter atingido seu ápice. A pressão pode se estender caso se confirme a necessidade de injetar uma terceira dose para manter a proteção elevada, o que pode dar fôlego tanto às dúvidas sobre a efetividade das vacinas como à resistência de parte da população a continuar se inoculando periodicamente.
A Comissão Europeia não teve qualquer hesitação na quinta-feira. E afirmou que “os dados científicos mostram que as vacinas são muito efetivas para evitar que o vírus cause uma doença grave, a hospitalização e a morte”, de acordo com um porta-voz oficial do órgão. A mesma fonte acrescentou que “a eficácia das vacinas se mantém muito elevada, chegando a 80%”.
Protestos violentos na Bélgica e na Holanda contra as restrições pela pandemia
Polícia de Bruxelas usa canhões de água e gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Cerca de trinta são presos pelos incidentes na Holanda
Manuel Gómez e Isabel Ferrer, El País Brasil, 21 de novembro de 2021
Milhares de pessoas saíram às ruas neste domingo em Bruxelas para protestar contra as medidas adotadas para impedir a nova onda de covid-19, que está atingindo vários países da Europa Central neste outono, somando-se à onda de protestos que ocorreu neste sábado em outras cidades europeias, como Viena ou Roterdã. Como ocorreu em outras partes da Europa, especialmente na Holanda —onde havia cerca de trinta detidos na noite passada— a manifestação, que contou com a presença de cerca de 35.000 pessoas, terminou com violência.
A polícia de Bruxelas tem recorrido a canhões de água —como pode ser visto em imagens veiculadas nas redes sociais— e gás lacrimogêneo para dispersar a concentração e teriam feito isso, diz a agência de notícias AFP, depois que alguns participantes atiraram objetos contra os policiais. A tentativa de alguns manifestantes de abandonar a rota autorizada pela Câmara Municipal de Bruxelas também gerou distúrbios. A marcha começou por volta das 13h local e se dispersou antes das 18h.
Em princípio, tinha sido convocada contra as medidas que o Governo belga adotou nas últimas semanas, mais precisamente contra o passaporte covid-19, que desde outubro passado deve ser utilizado para entrar em todos os locais públicos (restaurantes, cafés, edifícios administrativos, comércio…). Mas o protesto também contemplou a sombra da vacinação obrigatória. Foi possível ler ao menos uma placa que dizia “No mandatory vaccination” (sem vacinação obrigatória).
Ao fim do protesto, a polícia de Bruxelas avisou que iria começar a prender os responsáveis pelos distúrbios, que incluem a queima de lixeiras e o lançamento de objetos. A incidência desse tipo de protesto na Bélgica aumentou acentuadamente nas últimas semanas, apesar de 88% dos maiores de 18 anos terem sido vacinados com pelo menos uma dose. De acordo com os últimos dados oficiais, a incidência de casos positivos detectados chega a 1.300 por 100.000 habitantes. Com esses números, o primeiro-ministro belga, Alexander de Croo, defendeu a eficácia da vacina contra o covid-19, declarando: “Se não tivéssemos 90% dos adultos vacinados, ficaríamos confinados por várias semanas.”
A Organização Mundial da Saúde voltou a manifestar neste sábado a sua grande preocupação com o aumento dos casos do covid-19 na Europa. O diretor regional da entidade, Hans Kluge, alertou à BBC que é possível que meio milhão de pessoas morram até março de 2022 se não houver medidas urgentes, como a obrigatoriedade das máscaras, algo que continua em vigor na Espanha, por exemplo, mas já foi eliminado em muitos países vizinhos.
No sábado, dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Viena (Áustria), Zagreb (Croácia), Copenhague (Dinamarca) e Roterdã (Holanda) para protestar contra as medidas impostas pelos governos diante da onda de covid-19 por que passa a Europa. Na capital austríaca, manifestaram-se contra o confinamento decretado pelo Governo a partir de segunda-feira e ao anúncio de que se prepara uma lei que tornará obrigatória a vacinação em fevereiro próximo. Mil dinamarqueses protestaram contra a reintegração do certificado covid-19 para ir a locais de lazer. E, na cidade holandesa, o protesto se transformou em um surto de violência incomum na madrugada de sábado. Pelo menos sete pessoas ficaram feridas —entre policiais, manifestantes e um jornalista que cobria os acontecimentos— e houve cinquenta detenções. A incidência em 14 dias por 100.000 habitantes na Áustria ultrapassa 2.000 casos e a de Holanda e Croácia, 1.500. Na Dinamarca, supera os 900; na Espanha, está em 111.
Violência em sete cidades holandesas
Pelo menos seis cidades, espalhadas por várias províncias, experimentaram mais uma manhã de violência neste domingo na Holanda. A polícia prendeu 19 pessoas em Haia depois que um grupo de jovens ateou fogo a um contêiner de lixo e jogou paralelepípedos e foguetes contra os policiais. Um dos manifestantes atirou uma pedra em uma ambulância que levava um paciente ao hospital e cinco homens uniformizados acabaram com hematomas. Cenas semelhantes foram registradas em quatro outras cidades —incluindo Roermond (localizada ao sul), onde havia uma dúzia de detidos. A maioria dos manifestantes carregava fogos de artifício pesados que podem causar ferimentos graves. Além das forças antimotim, unidades de cavalos, carros e bicicletas foram acionadas e cães policiais foram utilizados. O público não é admitido aos jogos de futebol para evitar o contágio do covid-19, mas os torcedores conseguiram entrar em dois estádios, interrompendo os jogos.
Jan Struijs, presidente da Associação Policial, expressou publicamente seu medo sobre o que aconteceu nas manifestações contra as restrições à pandemia. “Este é um problema de longo prazo. Temo que sejam meses de confrontos contra o Governo e a polícia, e que isso atrase outras investigações urgentes. No final, a vítima são os próprios cidadãos“, disse a uma rádio pública holandesa.
Os distúrbios começaram nesta sexta-feira em Roterdã, embora o domingo tenha sido calmo por lá. Ferd Grapperhaus, ministro da Justiça, declarou que já tem uma ideia de quem está por trás dos tumultos na cidade portuária. Ele diz que “há manifestantes que jogam objetos contra a polícia e grupos próximos a torcedores que costumam ter vínculos com outras formas de crime organizado”. Acrescentou que a rejeição das medidas impostas pelo Governo para conter o coronavírus foi utilizada nesta sexta-feira em Roterdã, “como disfarce para o exercício da violência. A polícia é vista como uma extensão do Executivo e por isso é agredida“. Na sexta-feira, os agentes dispararam vários tiros quando foram encurralados por um grande grupo de homens violentos e três pessoas foram feridas por tiros. É a primeira vez que isso acontece em uma década e uma investigação já foi aberta. Originalmente, a manifestação era contra a possível imposição de um passaporte covid-19 válido apenas para vacinados e quem já superou a doença. A polícia estimou que haveria cem pessoas, mas a manifetação superou o milhar, de acordo com Fred Westerbeke, o chefe da polícia de Roterdã. As tropas permaneceram alertas em todo o país durante a noite.
Áustria, antes do quarto confinamento
Na Áustria, que esta segunda-feira entra no quarto confinamento devido à pandemia dada a gravidade da onda de infecções, o ministro do Interior, Karl Nehammer, aproveitou as horas anteriores para fazer um balanço do massivo protesto de sábado contra a medida e o anúncio de uma lei que tornará a vacinação obrigatória no próximo mês de fevereiro. Nehammer afirmou que as manifestações que passaram por Viena, a capital, com a extrema direita como principal promotora, mostraram uma imagem de “radicalização” impulsionada pela presença de conhecidos neonazistas e extremistas violentos, que entraram em confronto com a polícia em vários momentos. Eram minoria, disse o ministro, mas com espírito violento. Os manifestantes também incluíram negadores do Holocausto, que usavam estrelas amarelas de David com a palavra “não vacinado”, ameaças contra o ministro da Saúde, Wolfgang Mückstein, e o chanceler, Alexander Schallenberg, que também foi comparado aos campos de concentração do médico nazista Josef Mengele. Tudo isso é “inaceitável”, sublinhou o chefe do Interior, relata Sara Velert.
Na passeata, em que abundaram os cartazes contra a vacinação obrigatória e com acusações de “ditadura” ao Governo, compareceram cerca de 40.000 pessoas, segundo a polícia, e 100.000, segundo o partido FPÖ, que passou toda a pandemia animando o movimento dos céticos do coronavírus e da imunização.
A polícia apresentou 400 queixas, incluindo 36 queixas-crime e 12 por uso de símbolos nazistas, que é um crime na Áustria. Além disso, de acordo com a mídia austríaca, neste domingo vários milhares de pessoas manifestaram-se pacificamente em Linz, capital da Alta Áustria, contra as restrições devidas ao covid-19 e a vacinação obrigatória convocada pelo Partido do Povo, Liberdade e Direitos Fundamentais (MFG, em suas iniciais em alemão), que reúne o movimento cético com a imunização naquela parte do país e, em setembro passado, conseguiu entrar no parlamento regional com 6,2% dos votos. A Alta Áustria é a região com mais infecções e a menor taxa de vacinação, com 61,2% contra 65,9% no país.