Álvaro Sánchez, El País Brasil, 17 de setembro de 2020
“Não sabemos se estamos na segunda onda ou na segunda fase da primeira”. A dúvida terminológica foi apresentada em uma intervenção diante dos eurodeputados no início deste mês por Andrea Ammon, diretora do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC). Os guardiões da saúde pública europeia não sabem ao certo se os novos casos do vírus são as últimas manifestações dos contágios da primavera ou se merecem ser considerados como um novo capítulo que está apenas começando. Em todo caso, os alertas começam a crescer. Com a moderação sobre a expectativa de chegada da vacina e a economia com pouca margem para enfrentar outra hibernação, medidas de higiene, distância social e uso de máscaras podem ser insuficientes para conter sua expansão. “Estamos diante de uma situação muito grave. Os novos casos semanais na Europa já superam os registrados durante o primeiro pico da pandemia. Na semana passada foram contabilizados mais de 300.000 infectados”, alertou nesta quinta-feira Hans Kluge, diretor da Organização Mundial da Saúde na Europa.
Sua mensagem não ignora que os laboratórios estão trabalhando arduamente para detectar os infectados, mas o aumento dos testes realizados não deve servir de desculpa para cair no relaxamento. “Embora esses números reflitam a realização de mais testes, também mostram taxas de transmissão alarmantes em toda a Europa”, insiste Kluge.
A resposta à pergunta de se a Europa já está mergulhada numa segunda onda ou ainda se encontra na segunda fase da anterior pode ser que ambas as opções sejam corretas. Tudo depende de onde estamos no mapa. Um recém-chegado ao continente que pisasse na Letônia, onde não há obrigação de usar máscara na rua e a taxa de contágio das últimas duas semanas é a mais baixa de acordo com o ECDC, com apenas 4,2 casos por 100.000 habitantes em duas semanas, pode pensar que, apesar dos controles de temperatura na entrada dos restaurantes, a situação está sob controle. Pelo contrário, um desembarque na Europa Ocidental, área geográfica da Espanha (287,2 casos) e da França (166,9), os dois países mais afetados, daria a impressão oposta.
O epicentro do vírus foi mudando com o passar dos meses. Da China pulou para a Europa, depois para a América com quase 200.000 mortos e quase sete milhões de contágios nos Estados Unidos, e agora ameaça voltar enquanto faz estragos em países como a Índia, o segundo mais populoso do planeta, onde se espalha descontrolado com cerca de 90.000 contágios diários em setembro. No pior cenário, a pandemia pode acabar voltando para a Europa como um bumerangue, com a intensidade de antes ou assolar vários pontos ao mesmo tempo. No caso do Velho Continente, a OMS não é portadora de boas notícias. “Será mais difícil. Em outubro e novembro a mortalidade vai aumentar”, disse Kluge esta semana à agência France Presse.
Segundo os dados de que a organização dispõe, mais da metade dos países europeus registraram aumentos superiores a 10% no número de contágios nas últimas duas semanas, com sete Estados que viram seus números duplicarem. O Reino Unido contabilizou cerca de 4.000 novos casos nas últimas 24 horas, o maior número desde 8 de maio. A França, com quase 10.000 contágios em um dia, ultrapassou os 400.000, enquanto a República Tcheca e a Ucrânia bateram na quinta-feira seus respectivos recordes de contágios detectados em um dia.
Ponto de partida desigual
O ponto de partida desde o qual os parceiros europeus entram no temido outono é muito desigual. Alemanha (23,7) e Itália (33), com taxas de contágio ainda baixas, não têm o mesmo nível de preocupação que Espanha ou França, as únicas que segundo os critérios da Comissão Europeia apareceriam no vermelho no mapa de cores que a ECDC quer implementar, ao ultrapassar os 150 casos por 100.000 habitantes em duas semanas, um limiar do qual a República Checa se aproxima.
Países como a Espanha estiveram entre os mais afetados tanto na primeira quanto na segunda onda, mas outros estão em uma fase muito diferente. A Suécia, muito criticada por sua estratégia de não confinar a população, e com uma incidência pior que a de seu entorno na primavera, agora tem indicadores melhores que alguns de seus vizinhos e está conseguindo evitar o retorno das turbulências sanitárias ao registrar seu menor número de contágios desde março. O país escandinavo viu as mortes despencarem para uma média de zero morte esta semana. Os dados da agência de saúde sueca mostram que apenas 1,2% dos 120.000 testes realizados deram positivo. “Não temos o surto da doença que existe em muitos países”, disse ao canal de televisão à France 24 o epidemiologista-chefe Anders Tegnell, um grande defensor da ideia de não confinar. “A Suécia está agora no fim da primeira onda, mas sua economia caiu tanto quanto a dos países vizinhos”, disse o epidemiologista belga Marc Van Ranst.
Assessor do Governo belga nas medidas contra a pandemia, Van Ranst acredita que seria um erro não considerar a possibilidade de novos confinamentos. “Temos que fazer todo o possível para evitá-los, mas a medida deve estar ao nosso alcance como último recurso”, afirma. Quanto à severidade das restrições, acredita que para cada país europeu existem fórmulas diferentes. “Se você tem os casos da Alemanha, Finlândia ou Letônia, então você pode voltar a uma vida quase normal e abrir tudo porque tem muita margem. Se você tem quase 300 casos como a Espanha, se abrir tudo terá mais problemas”. Olhando a situação de fora, Van Ranst vê três razões para a deterioração da Espanha: uma estratégia de desconfinamento rápida demais, o maior risco das regiões turísticas e a falta de coordenação entre as Administrações públicas.
França, República Tcheca, Espanha e Ucrânia bateram nos últimos dias seus recordes de contágios desde o início da pandemia, embora o aumento do número de testes que agora estão sendo realizados faz com que as comparações com meses anteriores não sejam totalmente precisas. “Não se pode comparar as duas ondas porque mais testes estão sendo feitos agora. Mas as hospitalizações na Espanha e na França estão começando a aumentar novamente”, aponta Van Ranst. Para Ammon, diretora do ECDC, enquanto não houver vacina os altos e baixos continuarão, embora ainda considere que a situação “não é tão grave como foi durante o confinamento”.