Casos como o do ator Paulo Gustavo, de 42 anos, morto de covid-19 nesta terça-feira (4/5), vêm se tornando cada vez mais frequentes no Brasil desde janeiro, com a faixa etária entre 40 e 49 anos registrando o maior aumento percentual de infecções e mortes pelo novo coronavírus.
BBC Brasil, 5 de maio de 2021
Uma das maiores revelações da nova geração do humor nacional, Paulo estava internado em um hospital do Rio de Janeiro desde 13 de março e não resistiu às complicações da doença. Ele deixa o marido, o dermatologista Thales Bretas, e seus dois filhos, Gael e Romeu, que têm um ano de idade.
Segundo boletim médico, o humorista morreu às 21h12 de terça-feira. Mais cedo, a equipe havia publicado nota afirmando que a saúde do humorista estava se "deteriorando de forma importante" e que "apesar da irreversibilidade do quadro", ele ainda tinha "sinais vitais presentes".
Dados mais recentes do Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) sobre as Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRGA), mostram que o número de casos de infecção e mortes por covid entre pessoas de 40 e 49 anos no Brasil cresceu 626% e 419,23%, respectivamente nos primeiros meses deste ano, o maior aumento entre todas as faixas etárias.
Já entre 30 e 39 anos, o aumento foi de 565,08% e 223,10%. Na faixa etária de 50 a 59 anos, o percentual de aumento de infecções e mortes foi de 525,93% e 317,08% respectivamente. Esses dados constam de um levantamento feito por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em boletim recente do Observatório Covid-19.
Esse cenário reflete o que vem sido chamado de 'rejuvenescimento' da pandemia de covid no Brasil, com mais jovens sendo internados e morrendo de complicações da doença.
Atualmente, mais de um terço das mortes por covid-19 no Brasil é de menores de 59 anos. À medida que os mais velhos estão sendo vacinados, os óbitos nessa faixa etária têm caído pela metade.
"Recentemente, profissionais envolvidos com a assistência a pacientes com Covid-19 têm relatado um aumento de procura de pacientes jovens sintomáticos nos serviços de saúde. Esta tendência tem sido observada em muitos hospitais e regiões do país", dizem os pesquisadores da Fiocruz responsáveis pelo boletim.
"Nos primeiros meses de 2021, houve um aumento importante de casos de covid-19 nas faixas etárias de 20 a 29 anos, 30 a 39 anos e 40 a 49 anos. Este aumento foi maior que o observado nas demais faixas etárias".
"Esse deslocamento de casos e óbitos sugere que a pandemia ganha um novo contorno no Brasil, ficando mais rejuvenescida", acrescentam.
Segundo a Fiocruz, "por se tratar de população com menos comorbidades - e, portanto, com evolução mais lenta dos casos graves e fatais, frequentemente há um maior tempo de permanência na internação em terapia intensiva".
Como os jovens têm um sistema imunológico mais forte, combatem melhor a doença e conseguem resistir por mais tempo a evoluções graves da doença, eventualmente se salvando ou morrendo. Por isso, acabam ficando mais tempo na UTI.
Fato é que a média da idade de pacientes internados vem caindo. Enquanto a média da idade dos casos novos no início de janeiro era de 62 anos e de óbitos, de 71 anos, em meados de março, passou para 58 e 66 anos, respectivamente.
Segundo os pesquisadores, essa maior incidência da covid-19 entre os mais jovens bem como a manutenção da mortalidade entre os idosos "contribui para o cenário crítico da ocupação dos leitos hospitalares".
Eles também destacaram que essas diferenças de incidência entre as faixas etárias "implicam num compromisso intergeracional".
"Sendo a infecção mais comum entre os jovens e os óbitos mais frequentes em mais idosos e pessoas com doenças crônicas, uma geração deve procurar proteger a outra, evitando o contágio de membros da família, vizinhos, companheiros de trabalho e amigos", afirmam.
Medidas
Diante desse novo contexto, os pesquisadores da FioCruz defendem a adoção de "dois grupos de medidas interconectadas".
"No primeiro grupo, as medidas urgentes, que envolvem a contenção das taxas de transmissão e crescimento de casos através de medidas de bloqueio ou lockdown (confinamento), acompanhadas de respostas na ampliação da oferta de leitos com qualidade e segurança, bem como prevenção do desabastecimento de medicamentos e insumos", dizem.
"No segundo grupo, as medidas de mitigação, com o objetivo reduzir a velocidade da propagação. Estas medidas deverão ser combinadas em diferentes momentos e a depender da evolução da pandemia no país até que se tenha 70% da população vacinada".
Entre essas medidas de contenção recomendadas pelos pesquisadores da FioCruz estão:
A proibição de eventos presenciais como shows, congressos, atividades religiosas, esportivas e correlatas em todo território nacional
A suspensão das atividades presenciais de todos os níveis da educação do país;
O toque de recolher nacional a partir das 20h até as 6h da manhã e durante os finais de semana;
O fechamento das praias e bares;
A adoção de trabalho remoto sempre que possível, tanto no setor público quanto no privado; A instituição de barreiras sanitárias nacionais e internacionais, considerados o fechamento dos aeroportos e do transporte interestadual;
A adoção de medidas para redução da superlotação nos transportes coletivos urbanos.
Segundo especialistas ouvidos em reportagem recente da BBC News Brasil, fatores como comportamento de risco, volta ao trabalho e variante P1 estão por trás do aumento no número de casos e mortes entre os jovens no Brasil.
Vacinação
No boletim, os pesquisadores também criticam o ritmo lento da vacinação no Brasil.
"Desde o início da pandemia os estudos científicos apontaram que até que tivéssemos a vacinação da maior parte da população, a necessidade da adoção da combinação de medidas não-farmacológicas prolongadas e envolvendo distanciamento físico e social, uso de máscaras e higienização das mãos, com ações intermitentes de bloqueio (lockdown) com restrição da circulação e de todos os serviços não-essenciais quando as capacidades de cuidados intensivos fossem excedidas", diz o documento.
"O ritmo lento em que se encontra a vacinação contribuí para prolongar a duração da pandemia e da adoção intermitente de medidas de contenção e mitigação".
Até agora, segundo dados da plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford (Reino Unido), cerca de 30 milhões de pessoas no Brasil já receberam pelo menos uma dose da vacina contra a covid.
O número pode parecer alto, mas, na prática, significa que o país só administrou 20,7 doses para cada 100 pessoas, taxa inferior à de nações desenvolvidas, como Estados Unidos, Israel, França e Reino Unido, e também emergentes, como Chile e Uruguai.
Apesar de dados mostrarem evidências claras de que a vacina vem reduzindo casos de infecção e mortes, o Brasil vem enfrentando problemas em sua campanha de imunização.
A escassez de vacinas é um deles. Milhares de pessoas que tomaram a primeira dose ainda aguardam a segunda - o imunizante requer duas doses para oferecer proteção segura contra o vírus.
A CoronaVac, por exemplo, está em falta em cidades de pelo menos 18 Estados.