Estudo aponta que a biodiversidade do planeta está desaparecendo. O primeiro relatório global da FAO sobre o estado da biodiversidade que sustenta nossos sistemas alimentares foi lançado hoje e traz dados alarmantes para o futuro do planeta.
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura - FAO, EcoDebate, 17 de dezembro de 2020
O estudo, O Estado da Biodiversidade para Alimentos e Agricultura no Mundo, apresenta evidências crescentes e preocupantes de que a biodiversidade da Terra está desaparecendo – colocando o futuro de nossos alimentos, meios de subsistência, saúde e meio ambiente sob grave ameaça.
De acordo com o relatório da FAO, a biodiversidade para a alimentação e a agricultura – ou seja, todas as espécies que apoiam nossos sistemas alimentares e sustentam as pessoas que cultivam e fornecem nossos alimentos – não pode ser recuperada.
No contexto da alimentação e da agricultura, essa biodiversidade representa todas as plantas e animais – silvestres e domesticados – que fornecem alimento, ração, combustível e fibra. É também a miríade de organismos que apoiam a produção de alimentos através de serviços ecossistêmicos chamados de “biodiversidade associada”.
Isso inclui todas as plantas, animais e microorganismos (como insetos, morcegos, pássaros, manguezais, corais, ervas marinhas, minhocas, fungos e bactérias) que mantêm os solos férteis, polinizam as plantas, purificam a água e o ar, mantêm peixes e árvores saudáveis e combatem pragas e doenças de colheitas e do gado.
O relatório, elaborado pela FAO sob a orientação da Comissão de Recursos Genéticos para Alimentação e Agricultura, examina todos esses elementos e se baseia nas informações fornecidas, especificamente para este relatório, por 91 países. Ela também se baseia na análise dos dados globais mais recentes.
“A biodiversidade é fundamental para salvaguardar a segurança alimentar global, sustentar dietas saudáveis e nutritivas, melhorar os meios de vida rurais e a resiliência das pessoas e das comunidades. Precisamos usar a biodiversidade de maneira sustentável, para melhor responder aos crescentes desafios das mudanças climáticas e produzir alimentos de uma maneira que não agrida nosso meio ambiente ”, disse o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva.
“Menos biodiversidade significa que plantas e animais são mais vulneráveis a pragas e a doenças. Com a dependência de cada vez menos espécies para se alimentar, a crescente perda de biodiversidade para alimentos e agricultura coloca a segurança alimentar e a nutrição em risco”, acrescentou Graziano da Silva.
A base dos nossos sistemas alimentares está sob grave ameaça
O relatório aponta para a diminuição da diversidade de plantas nos campos, o aumento do número de raças de gado em risco de extinção e o aumento desproporcional de estoques de peixes.
Das cerca de 6 mil espécies de plantas cultivadas para alimentação, menos de 200 contribuem substancialmente para a produção global de alimentos, e apenas nove respondem por 66% da produção agrícola total.
Já a produção mundial de gado é baseada em cerca de 40 espécies de animais, com apenas um punhado fornecendo a grande maioria de carne, leite e ovos. Das 7.745 raças de gado locais (ocorrentes em um país) registradas globalmente, 26% estão em risco de extinção.
Quase um terço das unidades populacionais de peixe são sobre exploradas: mais de metade atingiram o seu limite sustentável.
Informações dos 91 países revelam que as espécies de alimentos silvestres e muitas espécies que contribuem para os serviços ecossistêmicos vitais à alimentação e à agricultura, incluindo polinizadores, organismos do solo e inimigos naturais das pragas, estão desaparecendo rapidamente.
Por exemplo, os países relatam que 24% das cerca de 4.000 espécies de alimentos silvestres – principalmente plantas, peixes e mamíferos – estão diminuindo vertiginosamente. Mas a proporção de alimentos silvestres em declínio provavelmente será ainda maior, já que o estado de mais da metade das espécies de alimentos silvestres relatados é desconhecido.
O maior número de espécies de alimentos silvestres em declínio aparece nos países da América Latina e Caribe, seguido da Ásia-Pacífico e da África. Isso poderia ser, no entanto, um resultado de espécies de alimentos silvestres sendo mais estudados e/ou relatados nesses países, do que em outros.
Muitas espécies de biodiversidade associadas também estão sob grave ameaça. Estes incluem pássaros, morcegos e insetos que ajudam a controlar pragas e doenças, e a biodiversidade do solo e polinizadores selvagens – como abelhas, borboletas, morcegos e pássaros.
Florestas, pastagens, manguezais, pradarias de ervas marinhas, recifes de corais e zonas úmidas em geral – ecossistemas chaves que fornecem numerosos serviços essenciais à alimentação e à agricultura e são o lar de inúmeras espécies – também estão em rápido declínio.
Principais causas de perda de biodiversidade
As causas da perda da biodiversidade para alimentos e agricultura citada pela maioria dos países tem relação com: mudanças no uso e manejo da terra e da água, seguidas pela poluição, super exploração e exploração excessiva, mudanças climáticas, crescimento populacional e urbanização.
No caso da biodiversidade associada, enquanto todas as regiões relatam alterações e perdas de habitat como grandes ameaças, outros fatores-chave variam: sobre-exploração, caça e caça furtiva na África; desmatamento, mudanças no uso da terra e agricultura intensificada na Europa e na Ásia Central; super exploração, pragas, doenças e espécies invasoras na América Latina e no Caribe; super exploração no Oriente Próximo e Norte da África e desmatamento na Ásia.
Práticas favoráveis à biodiversidade estão em ascensão
O relatório destaca um interesse crescente em práticas e abordagens favoráveis à biodiversidade. Oitenta por cento dos 91 países indicam o uso de uma ou mais práticas e abordagens favoráveis à biodiversidade, tais como: agricultura orgânica, manejo integrado de pragas, agricultura de conservação, manejo sustentável do solo, agroecologia, manejo florestal sustentável, agrossilvicultura, práticas de diversificação na aquicultura, restauração de pescas e ecossistemas.
Esforços de conservação, tanto no local (por exemplo, áreas protegidas, na gestão da fazenda) e fora do local (por exemplo, bancos de genes, jardins zoológicos, coleções culturais, jardins botânicos) também estão aumentando globalmente, embora os níveis de cobertura e proteção sejam, muitas vezes, inadequados.
Revertendo tendências que levam à perda de biodiversidade – o que é necessário
Embora o aumento de práticas amigas da biodiversidade seja encorajador, é preciso fazer mais para impedir a perda de biodiversidade para alimentos e para a agricultura.
A maioria dos países implementou estruturas legais, políticas e institucionais para o uso sustentável e a conservação da biodiversidade, mas estas são, muitas vezes, inadequadas ou insuficientes.
O relatório pede aos governos e à comunidade internacional que façam mais para fortalecer as estruturas de capacitação, criar incentivos e medidas de repartição de benefícios, promover iniciativas pró-biodiversidade e abordar os principais impulsionadores da perda de biodiversidade.
Maiores esforços devem ser feitos para melhorar o estado de conhecimento da biodiversidade para alimentos e agricultura, já que muitas lacunas de informação permanecem – particularmente para espécies associadas à biodiversidade. Muitas dessas espécies nunca foram identificadas e descritas, especialmente no caso dos invertebrados e microrganismos. Mais de 99% das bactérias e espécies protistas – e seu impacto na alimentação e na agricultura – permanecem desconhecidas.
É necessário melhorar a colaboração entre os políticos, as organizações de produtores, os consumidores, o setor privado e as organizações da sociedade civil nos setores da alimentação, da agricultura e do meio ambiente.
Oportunidades para desenvolver mais mercados para produtos amigáveis à biodiversidade devem ser mais exploradas.
O relatório também destaca o papel que o público em geral pode desempenhar na redução das pressões sobre a biodiversidade para alimentos e agricultura. Os consumidores podem optar por produtos cultivados de forma sustentável, comprar em mercados agrícolas ou boicotar alimentos considerados insustentáveis. Em vários países, “cientistas cidadãos” desempenham um papel importante no monitoramento da biodiversidade para alimentos e agricultura.
Exemplos de impactos da biodiversidade na perda de alimentos e agricultura, e práticas favoráveis à biodiversidade:
– Na Gâmbia, as perdas maciças de alimentos silvestres forçaram as comunidades a recorrer a alternativas, muitas vezes produzidas industrialmente, para complementar suas dietas.
– No Egito, o aumento das temperaturas levará provocará o deslocamento de espécies de peixes para o norte, com impactos na produção pesqueira.
– Escassez de mão-de-obra, fluxos de remessas e aumento da disponibilidade de produtos alternativos baratos nos mercados locais contribuíram para o abandono das colheitas locais no Nepal.
– Nas florestas amazônicas do Peru, prevê-se que as mudanças climáticas levem à “savanização”, com impactos negativos na oferta de alimentos silvestres.
– Fazendeiros californianos permitem que seus campos de arroz inundem no inverno em vez de queimá-los após o crescimento da estação. Isso proporciona 111.000 hectares de terras úmidas e espaço aberto para 230 espécies de aves, muitas delas em risco de extinção. Como resultado, muitas espécies começaram a aumentar em número. A quantidade patos, por exemplo, duplicou.
– Na França, cerca de 300.000 hectares de terra são manejados com base em princípios agroecológicos.
– Em Kiribati, a criação integrada de milkfish, sandfish, pepino do mar e algas marinhas garante comida e renda regulares, pois apesar das mudanças nas condições climáticas, pelo menos um componente do sistema está sempre produzindo alimentos.
A biodiversidade do solo é a base da vida humana
Ao cuidarmos de nossas rotinas diárias, muitas vezes não temos consciência que abaixo de nossos pés repousa uma notável comunidade de diversas plantas, animais e micróbios que compõem nossos solos. Os solos são mais do que apenas “sujeira” – eles são um grande reservatório da biodiversidade global, apoiando a agricultura e a segurança alimentar, regulando as emissões de gases de efeito estufa e promovendo a saúde vegetal, animal e humana. Sem eles nosso mundo não seria o mesmo.
FAO, 15 de dezembro 2020
Por muito tempo, presumimos que os solos estariam garantidos. Vamos manter o solo vivo e proteger sua biodiversidade! Aqui estão algumas razões do porquê precisamos agir:
Os solos são uma reserva de biodiversidade
Os solos abrigam comunidades subterrâneas. Existem mais organismos vivos em uma colher de sopa de solo do que pessoas na Terra! Um solo saudável e biodiverso inclui vertebrados, invertebrados, vírus, bactérias, fungos, líquenes e plantas que fornecem uma infinidade de funções e serviços ecossistêmicos que beneficiam tudo e todos. Na verdade, os solos abrigam mais de 25% da biodiversidade do nosso planeta! Essa comunidade diversa de organismos vivos dentro deles faz com que permaneçam saudáveis e férteis. Todo o mundo de criaturas no solo alimenta e protege as plantas e, em troca, nutrem o solo.
A biodiversidade do solo é essencial para nossos alimentos
Os solos são essenciais para nossos sistemas alimentares. De fato, estima-se que 95% dos nossos alimentos sejam, direta ou indiretamente, produzidos em nossos solos!
Solos saudáveis e com biodiversidade nos permitem cultivar uma variedade de vegetais e plantas necessários para uma boa nutrição humana. Os organismos no solo tornam os nutrientes disponíveis para as plantas. A nutrição depende da disponibilidade e do equilíbrio dos nutrientes nas partes comestíveis das plantas, o que depende da presença destes no solo. Portanto, quanto mais biodiverso é o solo, mais nutritivo é o nosso alimento.
A biodiversidade do solo é necessária para nossa saúde
A biodiversidade do solo é uma fonte importante de recursos químicos e genéticos necessários para o desenvolvimento de medicamentos. Os microrganismos do solo são usados para produzir antibióticos. A penicilina, por exemplo, um dos antibióticos mais usados no mundo, vem originalmente de um pequeno fungo que vive no solo. Pesquisas em solos saudáveis podem ajudar não apenas a entender o papel de microrganismos nos ecossistemas, mas também podem ser usadas para melhorar a segurança alimentar e para manter pragas e doenças sob controle. Estudos mostram que a exposição de crianças a microrganismos em solos saudáveis pode melhorar a resistência a doenças e prevenir problemas de saúde como alergias, asma, doenças autoimunes e depressão.
A biodiversidade do solo nos ajuda a respirar e a lutar contra as mudanças climáticas
Os organismos do solo têm a capacidade de decompor ou limpar certos tipos de poluição. Por exemplo, eles podem decompor alguns poluentes orgânicos e convertê-los em substâncias não tóxicas.
E não é só isso, os solos são uma parte essencial do ciclo do carbono. Solos saudáveis fornecem o maior estoque de carbono na terra. Eles podem ajudar a regular a qualidade do ar e a emissão de gases de efeito estufa através do sequestro de carbono, que limpa o ar para respiramos.
Precisamos manter os solos saudáveis e sua diversidade.
A biodiversidade do solo está em perigo. Algumas práticas de cultivo não sustentáveis, incluindo o mau uso de agrotóxicos nas lavouras, os efeitos das mudanças climáticas e a poluição do solo, são algumas das coisas que podem provocar consequências adversas na saúde e na biodiversidade dos solos.
Mudanças no uso da terra, práticas insustentáveis de manejo do solo, impermeabilização do solo, poluição e aumento da frequência de incêndios podem danificar irremediavelmente a biodiversidade do solo e suas funções. Alguns ecossistemas podem nunca se recuperar.
Precisamos nos concentrar na preservação de nossos solos antes que cheguem a este estágio.
Podemos ajudar na proteção da biodiversidade do solo
O manejo sustentável do solo, adaptado ao tipo de solo e seu uso, é parte integrante da proteção da biodiversidade do solo.
Algumas dessas práticas são simples, por exemplo, evitar a retirada de vegetação da cobertura do solo, manter a diversidade de culturas, evitar monoculturas, compostar e usar abrigos naturais, como sebes, para ajudar a prevenir os efeitos erosivos do vento e da água em grandes campos.
Outras práticas são mais complexas. A rotação de culturas ou a agrofloresta, por exemplo, podem atenuar as mudanças climáticas através da redução e armazenamento de carbono na biomassa das plantas e dos solos.
Todos nós podemos desempenhar um papel e proteger a biodiversidade do solo, aumentar a conscientização e defender a educação da biodiversidade do solo, gerenciar os recursos de maneira sustentável, apoiar a biodiversidade do solo e a pesquisa de sustentabilidade, investir em inovação e recusar, reduzir, reutilizar e reciclar materiais antes de enviá-los para um aterro.
Através da Parceria Global Solos (Global Soil Partnership), a FAO está aumentando a conscientização através de um concurso de fotos e vídeos que destaca o Dia mundial do Solo (5 de dezembro) nesse ano, com o tema: “Mantenha o solo vivo, proteja sua biodiversidade”. Em novembro de 2020, a FAO lançará um novo relatório global sobre o estado do conhecimento da biodiversidade do solo, suas ameaças e soluções.
Dependemos muito dos solos para tudo o que fazemos. Eles são a base para alimentos, rações, combustível e estão no cerne de muitos ecossistemas. O combate à perda da biodiversidade do solo é fundamental para a segurança alimentar global e para o cumprimento de mais da metade dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Os solos são um recurso natural muito valioso – mas devemos lembrar que eles também são finitos. Isso significa que quando o solo se degrada, não é recuperável dentro de uma vida humana. Sustentabilidade é a chave. Vamos começar a fazer da saúde do solo e da biodiversidade uma prioridade.