Ariel Bentes, Amazônia Real. 20 de dezembro de 2021.
Manaus (AM) — A comunidade Menino Deus Rio Urupadi, na zona rural no município de Maués (a 257 quilômetros de Manaus), registrou o assassinato de uma indígena do povo Sateré-Mawé no dia 16 de novembro de 2021. A vítima, de 17 anos, foi morta a facadas pelo então marido, Irinivaldo Batista Gastão, também indígena. A jovem era natural da aldeia São Jorge e ele da comunidade Flexal Rio Urupadi. Ambas as comunidades ficam na Terra Indígena Andirá Marau, no Baixo Rio Amazonas, divisa com Pará, segundo Obadias Garcia, liderança do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé.
Conforme Obadias, o assassinato aconteceu em Menino Deus Rio Urupadi, durante trajeto de retorno do casal de Maués para a terra indígena. “Encontraram ele escondido, onde os comunitários tentaram linchá-lo. Mas ele foi preso em flagrante e preso”, disse Garcia à Amazônia Real.
Em audiência de custódia, o acusado teve a prisão preventiva decretada, mas por um problema de saúde foi internado em um hospital em Manaus. No inquérito policial, Irinivaldo irá responder pelo crime de feminicídio e o processo segue em análise pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM).
Com pouco mais de 65 mil habitantes, Maués registrou 84 casos de violência doméstica entre 2020 e 2021. Nesse período, foram contabilizados 7 estupros e nenhum feminicídio. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), até outubro de 2021. Além da localidade, a secretaria não apresenta outra informação sobre os casos, como a média de idade das vítimas ou até mesmo a raça e a etnia. Essa lacuna aumenta a invisibilidade desse tipo de crime contra mulheres indígenas.
Marinete Almeida, integrante da Associação das Artesãs Indígenas em Manaus da Amazônia e também da Makira-Êta Rede Estadual de Mulheres Indígenas do Amazonas, afirma que a violência de gênero tem crescido entre os indígenas e que muitas mulheres ainda têm receio de denunciar. Marinete é indígena do povo Tukano, originária da região do Alto Rio Negro.
“Nós temos ficado muito caladas. Caladas porque a lei infelizmente não nos atende e muitos agressores são presos e logo em seguida são soltos. A sociedade precisa pressionar. O caso da jovem Sateré saiu na mídia e foi compartilhado por nós nas redes sociais. Ali encontramos uma forma de denunciar e resolver as coisas com mais urgência, mas nem sempre é assim”, disse Almeida à Amazônia Real.
Para ela, uma das principais dificuldades de combater as opressões de gênero dentro das comunidades indígenas é a falta de informação. Marinete Almeida afirma que informações e campanhas sobre a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, por exemplo, precisam ser levadas até as indígenas.
“Eu assumi esse papel dentro do Conselho do Direito da Mulher em levar informação e fortalecer as mulheres indígenas. Nós também temos direitos e precisamos exercer isso denunciando e andando de mãos dadas. Antes de nós defendermos o nosso território, que é a terra, a água e a floresta, precisamos defender a nossa própria vida para depois irmos para a batalha do dia-a-dia”, afirma Almeida.
Procurada pela Amazônia Real, a Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que acompanha os casos de violência contra os povos originários auxiliando os órgãos de segurança pública. E garantiu que apoia as mulheres indígenas na busca da não-discriminação e no fortalecimento do papel delas nas comunidades através da Coordenação de Gênero e Assuntos Geracionais. Porém, a fundação não informou de que formas esse apoio é feito e se os casos de feminicídio indígena são mapeados.
O assassinato da indígena Sateré-Mawé, em Maués, não foi um caso isolado. Em fevereiro de 2021, Anazilda Cordeiro Barra, indígena da etnia Tuyuka, foi assassinada por Celésio Marques Resende, soldado do Exército, em Pari-Cachoeira, distrito de São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro, norte do Amazonas. Celésio, que também é indígena, foi preso pela Delegacia Especializada de Polícia (DEP) e indiciado pelo crime de feminicídio.
Segundo o Projeto Mulheres Indígenas, Gênero e Violência no Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira registrou, entre 1º de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2019, 1,28 casos de violência contra a mulher na média diária. O projeto foi realizado pelo Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) em parceria com o Observatório da Violência de Gênero no Amazonas, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), com o Instituto Socioambiental (ISA) e com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
O Foirn, também com o apoio da USP e do ISA, lançou em 2020 a cartilha “Violência Doméstica e Violência Sexual em tempos de pandemia – Redes de apoio e denúncias: Você não está sozinha!”. O documento foi elaborado para fortalecer as redes de proteção às indígenas em São Gabriel da Cachoeira.
Além de Anazilda, a jovem Daiane Griá Sales, do povo Kaingang foi encontrada morta próximo de sua comunidade na Reserva Indígena Guarita, no Rio Grande do Sul, em agosto de 2021. Dias depois ocorreu a morte de Raissa da Silva Cabreiara, de 11 anos, criança Guarani Kaiowá da aldeia Bororo, no Mato Grosso do Sul. Todas foram vítimas da violência contra a mulher.
Telma Taurepang, coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab), ressalta que a opressão contra as mulheres indígenas é antiga. Para a coordenadora, ações de combate a essa violência e com o recorte indígena precisam ser incorporadas pela Promotoria e pela Justiça do Estado.
Entre 2007 e 2017, pouco mais de 8 mil notificações de casos de violência contra as mulheres indígenas foram registradas no Brasil, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a população indígena ultrapassa a marca de 900 mil pessoas e 305 povos, sendo 448 mil delas mulheres.
O IBGE não inclui nessa estatística indígenas que vivem em área urbana, sendo criticado por organizações e ativistas. As informações foram publicadas na reportagem “Tocantins registra brutal feminicídio de indígena Karajá” na Amazônia Real, que fez parte da série “Um vírus e duas guerras”. O projeto foi uma realização da agência em conjunto com a AzMina, #Colabora, Eco Nordeste, Marco Zero Conteúdo, Ponte e Portal Catarinas.