Fernando Reinach, O Estado de S. Paulo, 28 de agosto de 2021
Você conhece a cena. Perseguindo o inimigo, James Bond pula em qualquer geringonça motorizada e opera a bicha com destreza do momento zero. Seja um jato militar, um submarino ou uma bazuca. Aprendizado para ele não existe, nasceu sabendo. Já os cientistas não possuem esse dom, precisam descobrir, testar e aprender para depois usar novas tecnologias. Mas nessa pandemia foram forçados a agir como James Bond, e até que não estão se dando mal. Já estamos pilotando a tecnologia das novas vacinas sem saber direito usar a máquina. É sofrido, mas permite à população de não cientistas observar em tempo real o processo científico. O caso da terceira dose é um bom exemplo.
O vírus surgiu na China, foi isolado e diferentes tecnologias foram usadas para produzir vacinas. Elas foram testadas em tempo recorde e a eficácia de cada uma foi medida. Sabemos a porcentagem de casos de infecção, internações e mortes que cada uma evita. Nas vacinas de MRNA (Pfizer e Moderna), esse número é alto, algo como 95%; nas de vetores virais (Astrazeneca e Janssen) algo como 75% e nas de vírus inativados (Coronavac) se evitam 50% das infecções.
Os cientistas, vendo o vírus fugir de controle, sobem nas motocicletas e aceleram. Vacina, vacina rápido, não há tempo para descobrir quanto tempo dura a imunidade, se ela é diferente com diferentes vacinas ou em diferentes faixas etárias.
Oito meses passados, uma quantidade grande de pessoas vacinadas lá no início começa a se contaminar. São internadas e morrem em número maior que o esperado. Para complicar, no Brasil são os mais velhos, vacinados mais cedo, e com a vacina menos eficaz. Essas mortes e casos acima do esperado são um fato. Isso apesar de os dados brasileiros continuarem sob sigilo. Não sabemos os números para nenhuma das três vacinas, mas no caso da Astrazeneca e Pfizer outros países divulgaram esses números. E aí vem a ideia da terceira dose.
O problema é que a causa para esse aumento de casos, internações e mortes ainda está sob investigação. E há duas explicações. Só uma delas tem sido discutida na imprensa leiga.
A primeira explicação é que a resposta do corpo humano, quando vacinado, dura poucos meses, talvez nove, talvez um ano. Mas existe uma segunda hipótese que se for verdadeira é muito animadora.
Sabemos que as vacinas foram feitas com base no vírus original e quando vacinado nosso corpo montou uma resposta imune contra esse vírus. Além disso, as análises de eficácia foram feitas em um ambiente em que o vírus que circulava era o original. Mas, ao longo dos meses, o vírus se alterou, anticorpos que antes se ligavam a ele agora não se ligam e os anticorpos neutralizantes que nosso corpo produz não se ligam tão bem às novas variantes. Ou seja, fomos vacinados com vacinas produzidas para nos proteger de um vírus que não existe mais. O quanto essas vacinas ainda nos protegem depende de quanto ela nos protegia inicialmente e quanto isso vale para as novas variantes. O que isso quer dizer é que não sabemos quanto a vacina que recebemos nos protege depois de um ano da variante original.
A diferença entre essas duas hipóteses é que no primeiro caso a culpa é da vacina, que perde a efetividade após algum tempo. E no segundo, a culpa é do vírus que mudou. A solução é, em teoria, diferente dependendo de qual hipótese é correta. No primeiro caso, revacinamos com a mesma vacina, reforçando a resposta gerada contra o vírus original. Mas no segundo caso o certo seria revacinarmos com uma vacina produzida contra as variantes que circulam hoje.
Se não estivéssemos em uma corrida contra o tempo, o correto seria dar a terceira dose usando uma nova versão da vacina, produzida, por exemplo, contra a variante Felta. Mas estamos com pressa e o que dá para fazer é revacinar com as vacinas que temos.
Não somos James Bond, estamos nos equilibrando em alta velocidade na moto que temos. Mas pode ficar tranquilo: as vacinas contra as novas variantes estão no forno.
Não somos James Bond, mas fique tranquilo: vacinas contra novas variantes estão no forno