Na América Latina, a fome se tornou uma “pandemia” paralela à da covid-19, ao alcançar quase 60 milhões de pessoas na região, em 2020, 30% a mais que do no ano anterior e o maior número dos últimos 20 anos, conforme alertado pela FAO nesta terça-feira.
Patricia Nieto Mariño, Público, 30 de novembro de 2021. A tradução é do Cepat.
Mais de 59,7 milhões de pessoas passaram fome no ano passado, 9,1% da população total da região, segundo apontou o último relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o que se traduz em 13,8 milhões a mais do que em 2019.
Esse cenário torna a América Latina a região do mundo que mais piorou em termos de insegurança alimentar em 2020, e implica seis anos consecutivos de aumento da fome.
“Devemos dizer forte e claramente: a América Latina e o Caribe enfrentam uma situação crítica em termos de sua segurança alimentar. Houve um aumento de quase 70% na fome entre 2014 e 2020”, destacou Julio Berdegué, representante regional da FAO.
A batalha da desnutrição
Haiti, Venezuela e Nicarágua são os países com maior prevalência de fome com 46,8%, 27,4% e 19,3% respectivamente, alertou a FAO, seguidos por Guatemala (16,8%) e Honduras (13,5%).
Os demais países registraram uma prevalência inferior a 10% e menor a 2,5%, no caso de Brasil, Cuba e Uruguai, acrescentou a instituição.
Os números são do relatório Panorama Regional de Segurança Alimentar e Nutricional 2021, uma publicação conjunta da FAO com outras entidades como a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (OPS/OMS) e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).
Também participaram o Programa Mundial de Alimentos (WFP) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).
A pandemia, a gota d’água
Segundo o relatório, este panorama, “em parte, pode ser explicado pelos efeitos da covi-19”, que deixa 46,5 milhões de contágios totais e 1,5 milhão de mortos, além de uma contração de 6,8% do PIB, em 2020, a maior em 120 anos.
Com recorde de mortes, longas quarentenas e escassez de equipamento e atendimento médico, a América Latina, região mais desigual do mundo, foi uma das mais afetadas em termos sanitários e econômicos pela crise sanitária, que elevou a pobreza para 33,7%.
Em 2020, 267 milhões de pessoas sofreram insegurança alimentar, ou seja, 60 milhões de pessoas a mais do que em 2019 "não tiveram acesso físico ou econômico a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para sua saúde e desenvolvimento”
“A pandemia agravou a situação”, reconheceu Rossana Polastri, diretora regional do FIDA, no entanto, a fome “está aumentando desde 2014”.
“Devemos corrigir as vulnerabilidades profundas de nossos sistemas alimentares e torná-los mais inclusivos e sustentáveis, para que ofereçam bem-estar para nossas sociedades”, acrescentou.
O documento também destaca que o fenômeno da insegurança alimentar afetou mais as mulheres (41,8%) do que os homens (32,2%) e que a região “está perdendo a batalha contra a obesidade”, que experimentou aumentos “significativos” e atinge um em cada quatro adultos (106 milhões de pessoas no total).
O sobrepeso, a maior preocupação entre as crianças
Entre as crianças, o sobrepeso também vem aumentando há 20 anos e, em 2020, 3,9 milhões de crianças – 7,5% dos menores de cinco anos – estiveram nessa condição, quase 2% acima da média mundial.
“Com os serviços interrompidos pela covid-19 e os meios de vida devastados, as famílias têm mais dificuldades para colocar alimentos saudáveis na mesa, o que deixa muitas crianças com fome e outras com sobrepeso”, disse Jean Gough, diretor regional do UNICEF.
Por outro lado, o retardo do crescimento das crianças apresentou melhora, com queda na prevalência de 18% para 11%, em 20 anos, e a desnutrição aguda em menores de idade foi de 1,3%, significativamente menor do que a média mundial de 6,7%.