A primeira batalha entre comunicação social e gigantes da informática deu-se na Austrália. Mas a guerra já chegou à Europa a à América do Norte.
Francisco Louçã, Esquerda.net, 2 de abril de 2021
A Austrália fica do outro lado do planeta, mas talvez não tão longe quanto se possa pensar. Foi a primeira trincheira de uma batalha entre grupos de comunicação social e os gigantes da informática, provocando algumas cedências dos últimos, uma guerra que chega agora à Europa a à América do Norte. Dois dos seus resultados são importantes para os utilizadores da internet.
Primeiro confronto: as redes pagam por notícias
Quando o Governo australiano fez legislar no sentido de forçar as plataformas tecnológicas a pagarem às empresas de comunicação social pela partilha e difusão dos seus conteúdos, as empresas big tech protestaram vigorosamente. Suponho que tenham alegado a liberdade de informação, que na verdade estão a destruir, dado que se apropriavam gratuitamente do produto de outra empresa, para direcionarem tráfego para as suas redes e para canalizarem a sua publicidade, estrangulando a imprensa a quem retiram o mercado publicitário. O Google condenou a medida, mas assinou rapidamente um acordo, dado que teme a punição reputacional por piratearem a criação de informação por outrem. O Facebook foi mais violento e, em retaliação contra a lei, chegou a bloquear as páginas de alguns órgãos de comunicação social, impedindo a visualização e partilha das suas notícias. No entanto, depois da escaramuça, assinou um acordo com o mais importante desses grupos, o de Robert Murdoch, o dono da Fox, do Dow Jones ou do “Wall Street Journal”.
A 22 de fevereiro, a Microsoft anunciou que está a discutir com criadores europeus de notícias um esquema comparável e pressionou os Governos do continente e dos EUA a seguirem o mesmo caminho, forçando os seus rivais. Numa audição no Congresso norte-americano, Brad Smith, o presidente da empresa, acusou a Google de prejudicar a comunicação social, usando os seus conteúdos e forçando-a ainda a pagar por esse processo. A 10 de março, deu entrada no Congresso um projeto de lei para forçar um acordo semelhante ao australiano. A UE um dia acordará para o problema.
Segundo confronto: tirem a mão dos nossos dados
Nenhuma destas guerras é desinteressada. A Microsoft quer promover o Bing e entrar no mercado da publicidade, que representa mais de 80% das receitas da Google. Ao mesmo tempo, a opinião pública acusa estas empresas pela extração de informação privada, que tem sido a base da formatação da publicidade dirigida, a cereja do bolo do capitalismo dadocêntrico.
Para explorarem esse poder, abusaram dele sem limites. Luigi Vigneri, da Universidade Sophia Antipolis, testou cuidadosamente as 5 mil aplicações mais populares e recentes de entre as 1,2 milhões que estão disponíveis na Google AppStore para o sistema Android. Verificou que um décimo dessas aplicações se conectavam imediatamente a mais de 500 endereços distintos. Nove em dez destes casos são domínios da Google e o utilizador não foi disso informado. Timothy Libert, da Universidade da Pensilvânia, estudou cerca de um milhão de sítios e verificou que nove em cada dez forneciam dados para outros destinos sem informarem os utilizadores, sendo os principais destinatários deste fluxo a Google (78%) e o Facebook (32,4%), em alguns casos os dois. Foi através deste manancial que se construíram os impérios de publicidade personalizada.
A Google promete acabar em 2022 com os cookies que informam terceiros e deixar de vender anúncios baseados na história do nosso uso pessoal da internet. Veremos se cumpre. O Facebook resistirá. Em qualquer caso, seriam boas notícias o controlo pela comunicação social do seu produto e o seu acesso à publicidade para se financiar, como o seria tirar o publicitário de cima do nosso ombro.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 26 de março de 2021