No início deste ano, o conjunto das criptomoedas atingiu a valorização de um trilião de dólares, ganhando 130 bilhões de dólares num só dia e tendo passado a ser, no seu conjunto, a quinta moeda de maior circulação no mundo.
Francisco Louçã, Esquerda.net, 29 de janeiro de 2021
O assunto foi manchete na imprensa económica e reforçou um sustentado aumento da sua procura e uma espiral dos preços. A bitcoin, que representa cerca de metade desse valor, está agora cotada a 36 mil dólares por unidade e o boato de que grandes empresas estariam a criar stocks de criptomoedas tem mantido o seu preço em alta.
As apostas são frenéticas. A ethereum, a litecoin, a polkadot, a cardano, todas as principais criptomoedas beneficiaram destas aplicações financeiras, por onde se escoa algum do excesso de liquidez que inunda o sistema financeiro. No entanto, uma aplicação financeira não é o mesmo que uma moeda. Uma moeda tem de ter valor de troca e servir para transações; as criptomoedas servem para um tipo especial de transações, as que procuram evitar ser rastreadas, ou seja, o crime, e para outros agentes servem como acumulação de capital. Logo, a criptomoeda não é uma moeda por não ter um uso generalizado no comércio e na vida comum. Nem vai ter: se alguém detém um bitcoin, não vai usá-lo para comprar um jornal ou uma piza, porque espera beneficiar no dia seguinte de uma forte valorização (também já teve quedas catastróficas) e, portanto, vai guardá-lo no cofre forte. Como este valor depende somente da oferta e da procura e não da utilidade prática, de uma equivalência com a economia ou das garantias prestadas por uma entidade pública, estamos no domínio puro da especulação. Por isso, o seu preço tem uma enorme volatilidade e depende das informações e perceções do mundo financeiro, pelo que é inviável utilizá-lo para pagamentos correntes, a função primeira de uma moeda, e duvidoso que possa ser uma reserva de valor a longo prazo. As criptomoedas são jogos arriscados sobre o embuste financeiro.
Apesar dessa evidência, a tecnologia do blockchain, que aliás pode servir noutros contextos para objetivos bem mais respeitáveis, está a consolidar-se. Alguns bancos centrais discutem mesmo se podem criar criptomoedas, como uma nova geração de ativos financeiros. Correm atrás do prejuízo: se triunfar, a expansão das criptomoedas relegará os bancos centrais para uma função menor e as consequências políticas e democráticas dessa alteração seriam tão fundamentais como o foi, a seu tempo, a criação de uma única moeda correspondente a cada Estado-nação, uma era que se encerraria com esta transformação social.
Deste modo, está em curso um processo de privatização das moedas, que teve como maior expressão o anúncio de que o Facebook iria criar a sua própria criptomoeda (entretanto alterou substancialmente os seus planos). A PayPal admite começar a aceitar pagamentos em criptomoedas em 2021. Duvido que funcione, dado que os agentes económicos olham para estes valores como uma riqueza e não como um equivalente de preços. Mas outras iniciativas virão para normalizar esta ideia da moeda privada. Ela é a face visível, ou a primeira enunciação de uma revolução nas economias capitalistas modernas, a financeirização, agora como inflação aparentemente ilimitada do capital fictício. Como não há bela sem senão, essa inflação revelar-se-á como o que é, uma bolha. Ponha o seu dinheiro a salvo, não se meta em aventuras.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 22 de janeiro de 2021